Retribuir à sociedade
Empresário argentino doa US$ 1 milhão à Faculdade de Engenharia da USP; ‘Vamos fazer tecnologia para um mundo melhor’, diz
ISABELA MOYA
“Sempre fui grato pelo que as pessoas fizeram por mim, e achei que teria a capacidade de fazer isso por outros. Estou devolvendo à sociedade com juros”
O empresário e engenheiro argentino Gustavo Pierini anunciou neste mês a maior doação já recebida pelo fundo da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP): US$ 1 milhão. Mas a história dele com a filantropia educacional começou bem antes – e agora ele quer incentivar cada vez mais gente a oferecer esse tipo de ajuda.
Após visitar o Massachusetts Institute of Technology (MIT), Pierini decidiu que queria uma oportunidade para estudar fora. O problema é que sua família não teria os milhares de dólares necessários para bancar esse sonho. Em instituições públicas da Argentina, ele já havia se formado em três engenharias. Por ter o melhor desempenho entre os alunos das graduações que cursou, conseguiu a bolsa de estudos americana Fullbright, que bancou parte do seu mestrado em Ciências da Administração no MIT. Para o restante, recorreu a um empréstimo.
“Assim que me graduei, já fazia filantropia. Não era de muito porte, US$ 100 a US$ 150 por ano, para o MIT e outras causas. Isso cresceu ao longo do tempo, à medida que dispunha de mais dinheiro. Sempre fui grato pelo que as pessoas fizeram por mim, e achei que teria a capacidade de fazer isso por outros. Estou devolvendo à sociedade com juros”, relata.
Fundos de doações de universidades (endowments) são muito incentivados em diversos países, como os Estados Unidos, eles são responsáveis por grande parte do financiamento de algumas das maiores instituições de ensino, entre elas Harvard, Princeton, Stanford e Yale. No Brasil, uma lei de 2019 deu diretrizes para criar endowments e cada vez mais universidades têm investido no modelo.
Depois do mestrado, Pierini foi contratado pela consultoria financeira McKinsey, passando pelos escritórios de Boston, Nova York, Madri, Lisboa e Buenos Aires, até chegar a São Paulo. Seus irmãos já moravam no Brasil e decidiu que ficaria por aqui.
No Brasil, desenvolveu quase toda a sua carreira no ramo financeiro e de administração e reestruturação de empresas. Dentre muitos projetos, participou da criação da AmBev, por meio da fusão entre as marcas Antarctica e Cervejaria Brahma, e da InBev, com a fusão da AmBev com a cervejaria belga
Interbrew. “Todos esses projetos me deram capacidade financeira que me permitiram avançar na filantropia, agradecendo o Brasil, a Argentina e o mundo”, conta ele, que tem filhos brasileiros. “Só faço coisa que se reflita na América Latina, porque os americanos já têm dinheiro suficiente”, ressalta.
Ele calcula, por exemplo, que a Argentina tenha gasto o equivalente a US$ 1 milhão em toda a sua formação acadêmica, em valores atuais, se fosse uma educação “comprada no mercado”.
“Obviamente que meu pai não teria a capacidade de me dar essa educação se não fosse a generosa Argentina. E a Argentina não se beneficiou em nada; emigrei pouco tempo depois. Sempre penso: como se investe todo esse dinheiro em mim sem me pedir nada em garantia?”, diz.
POR QUE O BRASIL? “Como regra, invisto em educação superior com viés tecnológico, o STEM, porque o mundo necessita de tecnologia. A elevação da produtividade, que é o que leva ao maior desenvolvimento humano
e à maior renda, é hoje sinônimo de tecnologia”, diz.
Por isso, suas doações no Brasil se concentram principalmente na Poli. Ele diz que pode soar estranho tamanho investimento na faculdade, já que não estudou lá. Sua relação com a faculdade vem não só da admiração pela qualidade da escola, mas também por ter empregado diversos funcionários egressos dela. Pierini fundou a consultoria Gradus, focada em rentabilidade, aumento de produtividade e transformação organizacional. Ele calcula que em torno de um quarto dos engenheiros que passaram por sua empresa são formados na Poli. “E eu gostaria que continuem formando esses talentos, e fazendo mais e melhor.”
Pierini já era um dos doadores patronos (maior categoria de doadores, ocupada por aqueles que doaram a partir de R$ 1,5 milhão) do Amigos da Poli, o fundo de endowment da faculdade. Neste mês, decidiu dar um passo maior, com a doação de US$ 1 milhão (R$ 5,8 milhões), criando uma nova categoria, que chamou de “visionário”.
O objetivo da doação milionária é dar o passo inicial em um levantamento de fundos que pretende arrecadar R$ 165 milhões. A ideia foi inspirada em um fundraising feito pelo instituto americano em 2017, o MIT For a Better World, que arrecadou mais de US$ 6 milhões para uma série de projetos que visam colocar os engenheiros e as tecnologias do instituto a serviço de demandas da sociedade.
“No lugar de ser um instituto que só olha para o umbigo, tentando fabricar prêmios Nobel sem levar em conta qual o impacto, se reformou o MIT para se concentrar em usar a tecnologia em favor da sociedade”, explica. O valor arrecadado será usado para o programa uspiano de pesquisa e desenvolvimento.
Os projetos envolvem alunos da graduação e pós, professores e empresas. “Não vamos fazer tecnologia pelo fato de fazer tecnologia, para fazer um artigo que será elogiado mundialmente. Vamos fazer tecnologia para uma sociedade melhor.” •
BEM-ESTAR MEU EXEMPLO GUSTAVO PIERINI
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2024-12-07T08:00:00.0000000Z
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