O Estado de S. Paulo

Os efeitos Saúde, dinheiro, moradia, Justiça e mais: o que muda

Nessa metamorfose que aposenta modelos ineficientes, o Brasil tem chance de ser mais do que mero consumidor de tecnologia

HENRIQUE SAMPAIO

Aboa notícia, no mundo transformado pela IA, é que o Brasil reúne vantagens competitivas, como uma base tecnológica sólida em setores como finanças, saúde, eleições e Justiça, um ecossistema técnico qualificado, instituições de pesquisa consolidadas e uma população conectada. Mas ainda há um longo caminho a percorrer diante das escolhas que podem moldar seu futuro.

Para Patrícia Florissi, diretora técnica do Google Cloud, o País tem todos os elementos necessários para deixar de ser apenas consumidor de soluções estrangeiras e assumir um protagonismo global no desenvolvimento de IA. “A gente realmente tem a capacidade do capital humano e o acesso à tecnologia”, afirma. “Eu acho que o Brasil tem a possibilidade de se tornar a startup de IA generativa do futuro.”

NOVO MODELO DE SAÚDE. Entre os setores mais impactados está a saúde. E, no caso brasileiro, a discussão vai além da automação de processos: confunde-se com a própria missão de ampliar o acesso ao cuidado médico e combater desigualdades regionais.

Segundo a 28.ª edição da Global CEO Survey, que entrevistou mais de 4,7 mil líderes em mais de cem países, a IA tem gerado ganhos expressivos de eficiência no setor de saúde. Entre os CEOs brasileiros da área, 58% relataram aumento na produtividade das equipes com o uso de IA generativa, superando a média internacional de 52%. Além disso, 35% afirmaram já ter registrado crescimento nas receitas graças à adoção dessas tecnologias.

Na visão de Luiz Fernando Joaquim, sócio da Deloitte e especialista em soluções de tecnologia para saúde, a IA terá um papel integrador, focado em eliminar a papelada, melhorando a organização de informações. A tecnologia será especialmente útil para antecipar diagnósticos e identificar padrões precoces, como possíveis casos de diabete ou câncer em estágios iniciais, além de reforçar práticas preventivas.

No setor público, o Ministério da Saúde aposta na digitalização dos dados e na criação de um prontuário único nacional por meio do projeto Open Health. O objetivo é que esses dados circulem de forma segura entre diferentes níveis do

Sistema Único de Saúde (SUS) e instituições privadas, permitindo que o histórico do paciente o acompanhe ao longo da vida. Isso também abre espaço para que a IA processe volumes maiores de dados clínicos, de forma mais rápida e padronizada, permitindo diagnósticos mais precisos e personalizados.

BANCO INVISÍVEL. No sistema financeiro, a transformação é visível e acelerada. “Hoje a IA está sendo muito aplicada para segurança, resiliência cibernética (capacidade de um sistema se proteger e se recuperar de ataques digitais) e análise de crédito. São áreas de maior prioridade para proteger o sistema financeiro e onde estão os maiores esforços dos bancos em tecnologia”, afirma Wagner Martin, vice-presidente da Veritran e mentor do Lift Lab, do Banco Central.

Segundo Martin, o futuro passa pela combinação entre IA, Open Finance (compartilhamento autorizado de dados financeiros entre instituições) e Drex (a moeda digital brasileira), promovendo o que ele chama de “banco invisível”.

“As principais transformações estarão ligadas à potencialização do conceito de banco invisível, dos serviços não financeiros dentro da indústria e à oferta cada vez mais assertiva em tempo, forma e cliente.”

Em vez de o cliente buscar um empréstimo ou financiamento ativamente, os sistemas passarão a fazer sugestões a ele com as melhores opções com base em seu histórico, renda, comportamento de consumo e metas futuras, como comprar um carro ou viajar.

AJUDA NA BUSCA DO IMÓVEL. No mercado imobiliário, plataformas como a Kenlo já integram IA em todas as etapas do processo de compra, venda e locação, usando modelos do Google Cloud – o setor já tem grandes nomes como QuintoAndar e Loft. “A gente não cria soluções de IA para tentar cortar custos ou demitir corretores. Mas para potencializar o negócio, para fazer o empresário entender o que ele precisa para ser uma imobiliária melhor no mercado”, diz Roberto Dariva, CEO da Kenlo.

CHANCE DE JUSTIÇA. Em 2024, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) identificou 147 sistemas de IA em uso ou desenvolvimento no Judiciário. Segundo Marcelo Alcântara, diretor de produto do JusBrasil, a IA pode corrigir falhas comuns em peças processuais, acelerar a tramitação de causas e eliminar a vantagem antes restrita a certos profissionais. “Agora não importa se você é um advogado autônomo ou se você trabalha em um grande escritório de advocacia. A mesma informação, por mais complexa, está acessível a todo mundo.”

Ele acredita que a IA pode corrigir distorções do sistema que até então eram consideradas inevitáveis. “Pela primeira vez na história do Direito, independentemente do poder econômico, dos advogados, as partes vão conseguir apresentar argumentos jurídicos igualmente sólidos e bem fundamentados ao juiz”, diz. Segundo Alcântara, o nivelamento e o acesso a informações precisas podem ajudar a reduzir erros que levam a causas perdidas ou a atrasos processuais.

Em dezembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) lançou o MARIA, um módulo de apoio à redação automatizada criado em parceria com o JusBrasil. A ferramenta é capaz de gerar minutas de ementas, elaborar relatórios em recursos extraordinários e fazer análises iniciais de petições.

ESTADÃO 150

pt-br

2025-06-08T07:00:00.0000000Z

2025-06-08T07:00:00.0000000Z

https://digital.estadao.com.br/article/282411290267095

O Estado