O Estado de S. Paulo

Você quer emagrecer ou ser emagrecido? Veja a diferença

Para que uma mudança ocorra, é preciso reconhecer a própria responsabilidade e alinhar as expectativas em relação ao processo

DESIRE COELHO *

Já ouviu falar da síndrome de Rocky Balboa? Se você tem mais de 35 anos, provavelmente assistiu a esse clássico de Hollywood. Nele, há uma dinâmica conhecida como a jornada do herói – e que caracteriza com maestria o que as pessoas esperam quando se trata de dietas e emagrecimento. O protagonista, interpretado por Sylvester Stallone, passa a primeira parte do filme na derrocada. Sem dinheiro, sem apoio, sem companheira, enfim, tudo vai de mal a pior.

Chega um determinado momento em que ele decide mudar sua história e, nesse ponto, se inicia a virada.

Ele convence o técnico a aceitá-lo, volta a treinar intensamente – quem não se recorda das cenas dele comendo ovo cru, fazendo treinos pesadíssimos, correndo e subindo uma escadaria da Filadélfia? Um parêntese: quando estive na cidade, não perdi a oportunidade de repetir a cena! Logo depois, ele volta a competir e a ganhar – não apenas as lutas, mas o amor da sua vida e muito, muito dinheiro.

Essas cenas de grande sofrimento seguidas de um processo de mudança intenso – mas curto – e que culminam nos louros da vitória tendem a ficar no imaginário das pessoas.

Quantas vezes você já se pegou clicando em algum artigo ou vídeo sobre um novo protocolo, uma dieta da moda ou um suplemento/medicamento que promete um emagrecimento rápido e fácil? Como se fosse uma fase de investimento e, depois, basta esperar para colher os resultados. Aposto que muitas.

INTERVENÇÕES E RESPOSTAS VARIÁVEIS

Um erro comum que muita gente comete é comparar seu resultado com o de outra pessoa – pode ser alguém conhecido, como um amigo, ou uma personalidade nas redes sociais. Basta esse indivíduo falar sobre o resultado “incrível” que teve com determinado profissional ou dieta e você decide testar. Mas o efeito é diferente. Por que isso acontece? A ciência explica.

Estudos mostram que participantes que recebem o mesmo protocolo de intervenção (uma dieta, por exemplo) respondem de modos muito distintos: enquanto alguns perdem peso, outros não apresentam nenhuma mudança – tem até quem ganhe peso. Isso acontece independentemente do tipo de dieta, pode dar o nome que quiser: low carb, jejum intermitente, Atkins, hipolipídica, etc. As respostas às intervenções sempre variam.

Uma recente pesquisa foi além dos experimentos e, ao final, entrevistou os participantes para entender o que fez a diferença. Afinal, por que alguns obtiveram bons resultados, enquanto outros não tiveram sucesso? A resposta não estava no tipo de dieta, mas no contexto de vida.

Uma pessoa, por exemplo, trocou de emprego, o que permitiu organizar melhor sua alimentação e ter mais tempo para atividades. Outra contou com o apoio do companheiro, que também mudou seus hábitos. Um voluntário teve uma irmã diagnosticada com câncer, o que foi um despertar para ele sobre a necessidade de se cuidar.

Esses exemplos mostram que o sucesso muitas vezes depende mais do contexto e das condições de vida do que de uma intervenção isolada.

O mesmo acontece com as novas medicações para o tratamento da obesidade, como os agonistas de GLP-1: nem todo mundo responde da mesma forma a eles. Alguns pacientes colocam uma expectativa muito grande nesses medicamentos,

Exemplos sugerem que bons resultados às vezes dependem mais do contexto do que do esforço pessoal

esperando que sejam a solução de todos os seus problemas. Entretanto, há variações na resposta: a maioria responde bem, perdendo de 5% a 15% do peso corporal. Mas, para uma parcela, não há nenhum impacto. Há até quem ganhe peso.

AUTORRESPONSABILIZAÇÃO E PERSISTÊNCIA

No consultório, é comum o paciente esperar que o profissional simplesmente diga o que ele deve fazer. Afinal, emagrecer alguns quilos não é tão difícil assim. O verdadeiro desafio é conseguir manter o novo e tão desejado peso.

No entanto, nem sempre o indivíduo está pronto para ouvir a verdade: o que o corpo mais precisa é de um estilo de vida coerente com os objetivos estabelecidos. Por isso, vale a pena refletir: quão alinhados estão seus desejos de emagrecimento com o estilo de vida que você está disposto a ter?

Mudanças rápidas geram resultados rápidos, mas também passageiros. Mudanças graduais e sustentáveis tendem a ser mais eficazes do que transformações radicais e temporárias. É a consistência nas mudanças que traz resultados duradouros. Como profissional da saúde, afirmo que não existem atalhos: o emagrecimento exige tempo, esforço e consistência.

Não se engane: enquanto o Rocky estava ganhando as lutas, ele continuava comendo ovo cru, treinando intensamente, correndo e, ainda, lutando.

Quando o objetivo é atingir uma meta difícil – seja ela qual for –, é óbvio que queremos encontrar atalhos. Mas, tratando-se de emagrecimento, é preciso assumir a responsabilidade pelas próprias escolhas e também entender que o processo envolve etapas, persistência e uma boa dose de paciência.

No fim das contas, o verdadeiro sucesso está em encontrar um equilíbrio entre o corpo desejado e o estilo de vida que você quer e é capaz de sustentar. •

* NUTRICIONISTA E BACHAREL EM ESPORTE, DOUTORA E MESTRE EM CIÊNCIAS PELA USP, ESPECIALISTA EM TRANSTORNOS ALIMENTARES E EM ANÁLISE DO COMPORTAMENTO. É AUTORA DE ‘POR QUE NÃO CONSIGO EMAGRECER?’ E COAUTORA DE ‘A DIETA IDEAL’

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2024-11-09T08:00:00.0000000Z

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