O Estado de S. Paulo

Calculadora de ciclo do sono pode ajudar, mas há limitações

BONS SONHOS Apesar de a fórmula que ensina o melhor horário para o despertador tocar ter viralizado nas redes sociais, na prática nem tudo é tão simples

ANDRÉ BERNARDO

Quando o assunto é insônia, distúrbio que atormenta a vida de um em cada três brasileiros, todo mundo tem uma receita infalível: banho morno, música suave, refeição leve... Recentemente, viralizou nas redes sociais uma dica que, em vez de ajudar a pegar no sono, ensina como acordar – e o melhor: descansado física e mentalmente.

A dica parte do princípio de que a noite de sono é dividida em ciclos, sendo que cada um dura, em média, 90 minutos. O ideal, para não sentir cansaço ou sonolência no dia seguinte, é acordar entre um ciclo e outro e nunca no meio de um deles. Com uma calculadora em mãos, basta fazer algumas contas: se você se deitou às 23h e precisa levantar às 7h, o melhor horário para acordar é às 6h30 – ou seja, entre o quinto e o sexto ciclo. Se acordar às 7h em ponto, as chances de levantar indisposto são grandes.

A técnica até dá certo, mas com ressalvas. Nossa noite de sono pode, de fato, ser dividida em ciclos. “Dormimos de quatro a seis ciclos por noite”, afirma a neurologista Andréa Bacelar, diretora da Associação Brasileira do Sono (ABS). Acontece que o tempo de cada ciclo varia muito. Uns duram 90 minutos; outros, no entanto, podem chegar a 120 minutos.

Cada ciclo é dividido em estágios. São quatro: N1, N2, N3 e REM – sigla em inglês para rapid eyes movement ( “movimento rápido dos olhos”, em livre tradução). Bem, se cada ciclo dura cerca de 90 minutos, podemos dizer que cada estágio leva cerca 22,5 minutos, certo? Errado! O tempo de duração de cada estágio também varia.

O primeiro deles é o N1. É o estágio do sono leve. “Você sabe que está na hora de dormir porque sente sonolência”, explica Bacelar. “É a transição entre a vigília e o sono.” É um estágio curto e superficial: dura 5% do tempo total do ciclo. O segundo é o N2. É o intermediário entre o sono leve e o profundo. Se o N1 é o mais curto, o N2 é o mais longo. Pode representar até 55% do ciclo. “É onde a gente passa a maior parte da noite”, completa a médica. O estágio seguinte é o N3. Nele, o sono é profundo e restaurador. Corresponde a 20% do total. O quarto e último é o REM. É, em geral, o estágio dos sonhos – ou pesadelos. Seu tempo de duração é o mesmo do N3: 20%.

“Cada estágio tem características e funções diferentes”, diz o neurologista Lúcio Huebra, membro da ABS. “Dos quatro estágios, o N3 e o REM são os mais difíceis de despertar”, avisa o médico. Terminado o REM, o ciclo recomeça com o N1. E, assim sucessivamente, de quatro a seis vezes por noite.

EMBRIAGUEZ DO SONO. Sabe quando você desperta no meio da madrugada para beber água ou fazer xixi? Então, todo adulto acorda de duas a três vezes por noite. Quando isso ocorre, é nos primeiros estágios (N1 ou N2) ou entre um ciclo e outro. Dificilmente despertamos, por livre e espontânea vontade, em um estágio mais profundo (N3 ou REM), pondera a neurologista Dalva Poyares, doutora em Neurociências pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Por isso, não é aconselhável despertar alguém.

Quando o ruído é alto o bastante para acordar o sujeito nos estágios finais de um ciclo (N3 ou REM), como a sirene da ambulância, o barulho do vizinho ou o alarme do despertador, ele pode apresentar uma sensação de “embriaguez do sono”. Outro sintoma é a desorientação ou confusão mental leve.

Um dos acertos da receita que promete calcular o horário ideal para acordar é dizer que o melhor dos mundos é despertar entre um ciclo e outro. Mas há uma falha no método: como saber a que horas dormimos? Ora, não é todo dia que apagamos no minuto seguinte a deitar na cama. A exemplo do ciclo do sono, o tempo que antecede o primeiro dos quatro estágios também é variável. Os mais sortudos dormem em cinco minutos. Há aqueles, no entanto, que levam até 30 minutos para apagar – ou mais, no caso dos insones.

E o que fazer se, 30 minutos depois, você ainda não conseguiu pregar os olhos? A dica da neurologista Dalva Poyares, da Unifesp, é simples: pular da cama e procurar algo relaxante para fazer. Pode ser ler um livro, praticar meditação ou tomar um banho morno, por exemplo.

O importante é tomar cuidado para não afugentar o sono, em vez de atraí-lo. No caso da leitura, por exemplo, o recomendado é optar pelo bom e velho livro físico – nada de eletrônicos, como smartphones ou tablets. Outra coisa: em vez de ligar a luz da sala, que tal acender um abajur? “A luminosidade inibe a produção da melatonina, o hormônio do sono”, explica Andréa Bacelar.

E por falar em dispositivos eletrônicos, o indicado é colocá-los no silenciador uma hora antes de deitar. “O melhor lugar para dormir é no ambiente escuro, sem ruídos e com temperatura agradável”, diz Mônica Andersen, doutora de ensino e pesquisa do Instituto do Sono. “Se possível, procure dormir e acordar sempre no mesmo horário.”

COCHILO. Não é todo mundo que pode tirar um cochilo à tarde. Mas pode ser um jeito de compensar a privação de sono. Algo em torno de 20 a 30 minutos, no comecinho da tarde, entre 13h e 15h. “É como se você recarregasse as baterias para o turno da tarde”, compara Andréa Bacelar, da ABS.

Mas, por que precisa ser vaptvupt? Porque, caso contrário, o dorminhoco entra em sono profundo e, quando acordar, vai se sentir cansado e sonolento. “Um cochilo diurno, depois do almoço, pode ser benéfico à saúde. O cuidado é o tempo de duração”, alerta o otorrino Edilson Zancanella, presidente da Associação Brasileira da Medicina de Sono (ABMS). “Se passar dos 30 minutos, em vez de ajudar, pode atrapalhar.”

Já a quantidade ideal de horas de sono depende da necessidade de cada um. “A maioria de nós, adultos, dorme uma média de oito horas por noite”, diz a biomédica Mônica Andersen, do Instituto do Sono. Os recém-nascidos dormem mais: 20 horas. Os idosos, menos: seis. No entanto, dormir muito, mais de 10 horas por noite, ou pouco, menos de seis, pode ser prejudicial à saúde.

Vale ainda descobrir seu cronotipo. Há três tipos: matutinos, vespertinos e intermediários. Os matutinos acordam e dormem cedo – têm hábitos madrugadores. Já os vespertinos acordam e dormem tarde – são notívagos assumidos. E há, ainda, os intermediários, também conhecidos como mistos ou indiferentes. São aqueles que conseguem se ajustar às mudanças de horário com mais facilidade.

Uma boa noite de sono começa com o dia ainda claro. Ter uma alimentação saudável e praticar exercícios físicos são aliados para dormir com os anjos. Para quem dorme tarde e acordar cedo, Edilson Zancanella, da ABMS, propõe um desafio: deitar uma hora antes do habitual. “Quer saber como será sua rotina no dia seguinte? Você terá uma surpresa!”, diz. E aí, já tem programa para esta noite? •

BEM-ESTAR

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2024-10-05T07:00:00.0000000Z

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