O Estado de S. Paulo

Maria Tereza conseguiu mostrar que manter a floresta de pé traz lucro

Economista e professora, ela criou um sistema de créditos que fez da preservação da floresta um negócio lucrativo que hoje permite à sua BMV faturar R$ 30 mi ao ano

CRISTIANE BARBIERI

Presidente da “greentech” BMV, Maria Tereza Umbelino é uma mulher despachada. Num evento com pouco mais de 30 mil pessoas, fez o público explodir em gargalhadas, com um trocadilho atrás do outro, ao explicar o que são Unidades de Crédito de Sustentabilidade (UCS), um “token” que paga aos agricultores para que mantenham de pé todas as florestas.

Agora, ela quer colocar as UCS em qualquer produto financeiro, além dos ligados ao agronegócio. Economista de formação, Umbelino, de 57 anos, ajudou a criar o Banco de Fomento de Goiás, foi professora universitária e atuou nos setores público e privado. Mas foi na busca pela solução de um problema em sua casa que começou a trilhar um longo caminho para a criação das UCS, a base das Cédulas de Produto Rural (CPR) Verdes, que já superam 233 milhões de negociações e são cotadas na B3. Na época da definição do Código Florestal, seu pai – produtor rural em Goiás e Mato Grosso –, poderia ser autuado por desmatar menos do que a lei permitia.

Atrás de uma alternativa, Umbelino foi ao Ministério do Meio Ambiente e ouviu que os produtores não seriam remunerados pela mata preservada. Com o novo marco legal, ela se tornaria um custo, jamais um ativo. Resolveu então juntar produtores numa audiência pública em Santa Cruz do Xingu (MT) e começou ali, em 2007, a trilhar o caminho que inverteu o raciocínio: transformar a preservação da floresta em ganho, como se fosse uma safra anual, ao lado do milho, soja ou café. “A lógica era que, se cuidar da floresta era um trabalho, ele deveria ser remunerado”, argumenta ela. Como, na época, não havia marco legal para essa tese, ela conseguiu criar uma atividade reconhecida por lei, a agricultura de conservação da natureza. E atuou ativamente para a elaboração do Novo Código Florestal, que viabilizou o modelo.

SERVIÇOS PRESTADOS. Antes, porém, era preciso quantificar os ativos produzidos pela floresta em pé. Com ajuda dos especialistas, ela identificou 27 serviços prestados pela mata, entre eles formação de solo, armazenamento de carbono, abastecimento de aquíferos, polinização e regulação do clima. “Quando essa medição se torna possível, o negócio passa a ser tangível: torna-se um ‘token’, produzido por uma ‘blockchain’ e a UCS vira um produto como qualquer outro”, afirma.

No início, porém, não havia blockchain nem dinheiro para pagar os especialistas que desenvolveram os padrões desse sistema. Foram mais de 70 entidades – universidades, consultorias, auditorias – remuneradas em UCS e com eventuais prestações de serviços. “Sempre tivemos uma lógica cooperativa”, diz Maria Tereza. Na distribuição dos recursos negociados pelas UCS, 60% ficam com os produtores (metade destinada à comunidade local), 30% vai para a BMV e 10% remunera o investidor financeiro. A BMV hoje fatura R$ 30 milhões anuais e já atingiu seu ponto de equilíbrio, ou “break even”.

Detalhe: sem a blockchain, o monitoramento era feito por QR Code, que identificava a propriedade, seus donos e a situação da preservação. “Usávamos a georreferenciação quando o conceito mal existia”, afirma. “Era o que havia de mais moderno na época.” Para o futuro, inteligência artificial e um painel de controle (dashboard) tornarão mais fácil calcular o valor agregado dos serviços florestais.

O negócio hoje tem 516 clientes ativos e quase 300 produtores rurais – e a cotação de cada UCS tem girado em torno de R$ 140. “Um hectare de terra na Amazônia produz mil UCS e, se todas forem negociadas, não há cultura que pague o mesmo valor”, diz ela. “O eucalipto, que é a produção mais valiosa, rende R$ 1,7 mil por hectare, por exemplo.” •*

“Um hectare de terra na Amazônia produz mil UCS e, se todas forem negociadas, não há cultura que pague igual valor. O eucalipto rende R$ 1,7 mil por hectare”

Maria Tereza Umbelino

Presidente da BMV

BEM-ESTAR

pt-br

2023-09-23T07:00:00.0000000Z

2023-09-23T07:00:00.0000000Z

https://digital.estadao.com.br/article/282325389589289

O Estado