A síndrome do ninho vazio e a busca pela própria identidade
Quando os filhos saem de casa para estudar em outra cidade, a dinâmica familiar muda, mas pode ser a oportunidade para se reinventar
DANIEL VILA NOVA
Na última semana, o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) encerrou sua data de matrículas para as universidades públicas brasileiras no ano de 2025. Em diversas casas pelo Brasil, pais e filhos celebraram a entrada em cursos do ensino superior – e uma parte significativa desses filhos terão de sair de casa para estudar em outra cidade.
Não à toa, o sentimento conhecido como “síndrome do ninho vazio” é comum nessa época do ano. “É uma espécie de perda irreparável”, afirma a psicoterapeuta de casal e família Tai Castilho, fundadora do Instituto de Terapia Familiar de São Paulo (ITF) e doutora em psicologia clínica pela Universidade de Coimbra. “É o sinal de que um ciclo da vida está se encerrando – a partir daqui, o filho nunca mais morará com os pais. Ao longo das nossas vidas, temos diversas separações psíquicas. Essa é uma das mais significativas”, afirma.
Autora do livro O Amor Não Dói (Paidós, 2020) e dona de um canal do YouTube com mais de 2,2 milhões de inscritos, a psicóloga Anahy D’Amico explica que os pais dedicam duas décadas de suas vidas a cuidar dos filhos, e quando essa tarefa desaparece, eles se sentem perdidos e sem propósito. “Quando os filhos saem de casa, é natural que os pais experimentem sensações de tristeza, solidão e inutilidade”, diz.
“Muitos pais tentam adiar ou impedir essa saída, seja por medo, apego ou superproteção. Acusam o filho de abandono, não respeitam os limites estabelecidos. Isso gera tensão e angústia nos filhos”, diz Anahy. “Se sentir triste, inseguro e com medo é natural. Não há como evitar esses sentimentos, mas não é saudável tentar sabotar a saída do filho.”
Para a funcionária pública Maria Lúcia Oliveira, de 55 anos, não há como impedir os filhos de trilhar o próprio caminho. Suas duas filhas já não moram com ela e o marido na casa onde cresceram, em São Bernardo do Campo. Sofia, hoje com 26 anos, foi para Florianópolis estudar sociologia assim que se formou no ensino médio. Quatro anos depois, Luísa, hoje com 22, optou por fazer intercâmbio na Irlanda. As duas saíram de casa em um intervalo de quatro anos.
“Nunca concordei com a saída de Sofia, mas deixei ela ir”, conta. A ausência da primeira filha foi bastante sentida, mas era aliviada com a presença da mais nova. Quando Luísa se foi, no entanto, as coisas pioraram. “A casa ficou vazia. Minhas filhas preenchiam todos os cantos da casa, eu sentia falta disso. Era uma dor enorme.”
DIFICULDADES. Para Anahy, as dificuldades em lidar com o ninho vazio não são apenas sentimentais. “Para além da perda, existe uma mudança na dinâmica familiar. A ausência física do filho gera saudade, ansiedade e medo”, diz. Embora seja mais fácil manter contato hoje com as videochamadas, as preocupações continuam as mesmas.
“Há a preocupação por conta da segurança e do bem-estar dos jovens, mas há também o medo da distância emocional dos filhos”, explica a psicóloga. Ela entende que muitos pais temem o dia em que seus filhos não precisarão mais deles. “Reconhecer a individualidade dos filhos e entender que eles precisam explorar o mundo se quiserem amadurecer é essencial. É importante demonstrar que confiamos na capacidade de tomada de decisões deles.”
Apesar das dificuldades enfrentadas por Maria Lúcia na ausência de Sofia e Luísa, a mãe diz não se arrepender da decisão de deixá-las ir. “Muitas vezes, achamos que os filhos são nossos. Porém, nossa função é apoiar, não controlar”, afirma. Para ela, é melhor deixar os filhos cometerem os próprios erros no presente. “A época de se arriscar na vida é quando você é jovem. Você não tem medo de nada e está lá para aprender com os erros.”
A psicóloga Anahy tem a mesma opinião. Segundo ela, o objetivo da criação é preparar os filhos para o mundo, não para si. “A independência de um filho é um reflexo do sucesso da criação dos pais.”
Lidar com os sentimentos negativos, então, se torna um exercício de diálogo para ambos os lados. “Os pais têm que promover conversas francas e honestas sobre os planos e os sentimentos dos filhos em relação a essa mudança”, afirma Anahy D’Amico. Outra dica é oferecer apoio prático – ajudar no planejamento financeiro, ensinar sobre orçamento e custos básicos, orientar sobre organização, pagamento de contas e administração de um lar, por exemplo.
Mais do que falar, no entanto, os pais devem escutar as preocupações e os desejos dos filhos sem julgamentos. “Não é hora de sobrecarregar os filhos com culpa. A nova etapa na vida tem de ser celebrada. Algo para se orgulhar.”
DEPOIS DA PARTIDA. Mesmo dando apoio aos filhos, é comum sentir-se sem rumo ao se ver sozinho (ou na companhia apenas do parceiro) em casa. “Os pais costumam viver focados nos filhos, mas o que eles fizeram da própria vida nesse tempo?”, questiona a psicoterapeuta Tai Castilho. “Há casais que investem tudo nos filhos”.
A psicoterapeuta entende que a separação entre pais e filhos é pior quando os progenitores não possuem nenhum tipo de projeto para a própria vida. Para ela, é essencial buscar outros objetivos que não estejam relacionados a cuidar dos filhos.
“É necessário focar em outros lugares e procurar prazer neles – seja no lazer, nos amigos, no trabalho ou na própria relação conjugal”, afirma. A psicóloga Anahy D’Amico concorda. “Os pais devem adotar estratégias para se adaptar às mudanças e redescobrir propósitos novos. É um processo de redefinição de identidade pessoal.”
Para ambas as profissionais, muitos casamentos são deixados de lado na hora da criação dos filhos. A saída deles, então, é o momento perfeito para reavaliar o vínculo afetivo com o parceiro e entender para onde o relacionamento deve ir. “É uma oportunidade para redescobrir a parceria”, diz Anahy. “E se o casal perceber que o casamento só existia por conta dos filhos, também é interessante procurar uma terapia de casal.”
A psicóloga entende que, para suavizar a separação, os filhos devem explicar os motivos que os levaram a decidir ir embora. “É necessário se comunicar com clareza”, afirma. Para o psicólogo e pesquisador Thiago Augusto de Souza, a decisão de ir embora foi conversada com a mãe com bastante antecedência. O jovem de 25 anos, que nasceu e cresceu no interior da Paraíba, se mudou com 18 anos para João Pessoa para estudar. “Sempre quis ter uma formação sólida e entendi que, se quisesse alcançar isso, teria de sair de casa.”
“Minha mãe sempre investiu muito na minha educação e me incentivou a estudar. Na cabeça dela, essa era o caminho mais seguro para garantir uma condição de vida melhor”, diz Thiago, filho de mãe solo. “Ela sempre se alegrou com as minhas conquistas e deixou bem claro que uma vitória minha também é uma vitória dela. Isso me ajudou bastante.”
Após concluir a graduação em João Pessoa, Thiago se mudou para São Paulo para fazer a pós-graduação. Se antes ele estava a um ônibus de distância da mãe e da avó, agora é necessário um avião para visitá-las. Apesar de a distância ser dolorida, ele não se arrepende da mudança. “A dica fundamental é pensar muito sobre a saída. Entender o que você esperar conquistar é essencial”, explica. “É importante reconhecer que existirão momentos de dificuldade – você estará longe de casa e vai ter que se virar sozinho.” •
“Se sentir triste, inseguro e com medo é natural. Não há como evitar esses sentimentos, mas não é saudável tentar sabotar a saída do filho”
Anahy D’Amico
Psicóloga
“É uma espécie de perda irreparável. Ao longo das nossas vidas, temos diversas separações psíquicas. Essa é uma das mais significativas”
Tai Castilho
Psicoterapeuta
Filhos devem entender que haverá momentos difíceis – e, longe de casa, terão de se virar sozinhos
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2025-02-15T08:00:00.0000000Z
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