Livro vencedor do Booker Prize cria retrato aterrorizante do futuro
Em ‘Prophet Song’, Paul Lynch monta, com olhar realista, obra profética sobre a opressão de um Estado autoritário
RON CHARLES
Se Prophet Song, de Paul Lynch, fosse um livro de terror, não seria tão aterrorizante. Mas a história sobre a ascensão do fascismo nos dias de hoje está tão contaminada pela plausibilidade que é impossível não se sentir envenenado por um pânico crescente.
Prophet Song, que ganhou o Booker Prize 2023 em 26 de novembro, descreve como as fibras da decadência política ficam presas nos pulmões: a tosse agitada da tirania precede a doença, a morte horrível. Mas, em vez de examinar todo o corpo da decomposição governamental, Lynch se concentra nas dificuldades de uma mulher que luta para proteger sua família em Dublin, na Irlanda.
Eilish Stack é uma microbiologista respeitada, mãe e mulher de um líder sindical. Depois de um longo dia de trabalho, ela só quer um pouco de paz e renovação. Mas, se você se lembrar da primeira linha de 1984, de George Orwell – “Era um dia frio e brilhante em abril, e os relógios marcavam treze horas” –, ouvirá a introdução de Prophet Song como um eco sepulcral: “A noite chegou e ela não ouviu a batida”.
Aquela batida na porta durante a noite, a saudação implacável da KGB e dos agentes de segurança do mundo todo, é a primeira de uma série ininterrupta de desvios da ordem social. Os dois homens à paisana que perguntam a Eilish sobre seu marido são educados e solícitos. “Não há motivo para se preocupar, sra. Stack”, diz um deles. “Não queremos tomar mais do seu tempo.”
ALGO ESTRANHO. No momento em que eles partem, porém, Eilish percebe que deixaram algo para trás, algo que corre tão rápido quanto as frases de Lynch: “Ela pode sentilo se escondendo ao seu lado enquanto caminha pela sala de estar”. Eilish sabe e não sabe o que os policiais querem com seu marido, Larry. “Você ouve as conversas”, ela diz a ele mais tarde naquela noite. Desde que a Lei de Poderes de Emergência foi aprovada, o país inteiro está ansioso.
Distopia Autor adverte que é uma ilusão achar que o fascismo ‘só acontece longe ou há muito tempo’
Mas Larry imagina que seu trabalho com o sindicato dos professores não pode ser rotulado como sedicioso. “Ainda há direitos constitucionais neste país”, insiste ele. E, no entanto, a manifestação trabalhista é violentamente interrompida, Larry é detido sem acesso a advogado – e desaparece.
Lynch mantém os detalhes dessa emergência nacional vagos. Ouvimos as lâminas dos helicópteros e vemos “a roda da desordem se soltando”, refletida nos olhos de Eilish. O descaramento da opressão a choca. “O Estado deveria deixá-lo em paz, não entrar em sua casa como um ogro, pegar um pai pelo punho e devorá-lo. Como posso começar a explicar isso às crianças, que o Estado em que vivem se tornou um monstro?”, afirma ela a seu advogado impotente,
Talvez essa distopia seja necessária para nos tirar da ilusão reconfortante de que o fascismo só acontece longe ou há muito tempo. “O fim do mundo é sempre um evento local”, escreve Lynch na conclusão dessa obra-prima profética. “Ele chega ao seu país, visita sua cidade, bate à porta de sua casa e se torna para os outros apenas um aviso distante, uma breve reportagem no noticiário, um eco de eventos que se transformaram em folclore.” •
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2023-12-06T08:00:00.0000000Z
2023-12-06T08:00:00.0000000Z
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