O Estado de S. Paulo

‘Cronicamente online’, jovens não conseguem se desconectar

COM REPORTAGEM DE: ANDREI GOBBO, ASSÍRIA FLORÊNCIO, BEATRIZ VIANA, CRISLEY SANTANA E GABRIEL SOUZA

Brasileiros da geração Z estão entre mais afetados por uso de redes sociais, atrás apenas de americanos e ingleses.

Pesquisa

Brasileiros da geração Z estão entre os que mais relatam piora da saúde mental nos últimos 3 anos, só atrás de jovens dos EUA e da Inglaterra

São as redes sociais que afetam a saúde mental, com seus algoritmos de personalização, ou as plataformas apenas agem como gatilho para intensificar sintomas preexistentes? A pergunta intriga até quem estuda o assunto, porque não há como distinguir a causa e o efeito do problema. Os maiores usuários já relatam os malefícios das redes sociais, relacionando-as à piora de sua saúde mental, como mostrou um estudo realizado pela McKinsey com 16 mil jovens em 26 países, incluindo o Brasil, em 2023. Ao mesmo tempo, eles não conseguem se desconectar. Estão “cronicamente online”, como falam nos seus feeds.

A pesquisa da McKinsey ainda aponta que os brasileiros da geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) estão entre os que mais consideram que sua saúde mental piorou nos últimos três anos, só atrás dos americanos e dos ingleses. A proporção dos jovens brasileiros que relatam o problema (30%) supera em muito a média global (18%). “São as redes sociais que estão fazendo as pessoas se tornarem deprimidas e ansiosas ou é uma correlação?”, indaga a psicóloga Aline Restano, vicecoordenadora do Grupo de Estudos

de Adições Tecnológicas (Geat). “A grande questão é se existe uma relação tão direta de causa e efeito.”

Para a vice-coordenadora do Geat, é possível apontar uma associação entre ansiedade na geração Z e uso excessivo de tecnologia e redes sociais. “Há um critério bem objetivo para afirmar que os índices de depressão e ansiedade aumentaram na geração Z: os níveis de suicídio e de automutilação em pessoas desse grupo cresceram.”

Aline diz que os especialistas avaliam também se a conexão prolongada nas plataformas acarretaria um uso mais prejudicial diante do consumo de conteúdos que dão a sensação de suas vidas serem piores e se os usuários vivem menos a vida presencial e retroalimentam os sintomas de ansiedade e depressão.

A geração Z lidera o tempo de uso diário de redes sociais. Segundo a pesquisa, 35% dos mais jovens passam 2 horas ou mais nas plataformas ante 24% dos millennials, 17% da geração X e 14% dos baby boomers. O estudo ainda mostrou que os gen Zs estão no topo do ranking dos que mais verificam suas contas muitas vezes por dia. Na contramão, contudo, são os que menos publicam. É o chamado “uso passivo”, como classifica a psicóloga Aline Restano.

“Você acaba vendo que o algoritmo está escolhendo por você. Isso baseado no seu interesse”, explica Aline. “Por ser um recurso muito poderoso no sentido de viciar, de ficar mostrando coisas por que você tem interesse, as pessoas perdem muito tempo de uma forma passiva.”

Mulheres e meninas são as mais afetadas pela maximização algorítmica dos interesses e medos. Levantamento da McKinsey indica também que as mulheres têm mais possibilidades de admitir uma saúde mental precária do que homens. Foram 21% ante 13%, respectivamente. Aline Restano lista como fatores de risco para dependência das redes sociais: ser menina, pré-adolescente e apresentar sintomas de ansiedade, isolamento e depressão. Elas também, de acordo com o levantamento, tendem a admitir mais que as redes sociais impactam negativamente no Fear of Missing Out (Fomo), isto é, o medo de ficar de fora de notícias, eventos e experiências.

SINAIS DE ALERTA. Ligado ao Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ipub/UFRJ), o Instituto Delete monitora a situação de uso abusivo ou patológico de redes sociais. “A dependência digital é considerada a dependência do mundo moderno”, explica Anna Lucia Spear King, fundadora do instituto e professora da UFRJ. “É aquela sem uso de substâncias, diferentemente do álcool e das drogas.”

Anna Lucia afirma que todas as dependências agem no sistema de recompensa do cére

bro e liberam substâncias químicas responsáveis pelas sensações de prazer, bem-estar e felicidade. “Por isso, as pessoas tendem a voltar para o ambiente no qual elas se sentiram bem.”

Apesar de as plataformas desenvolverem mecanismos para limitar o uso prolongado, a programação do algoritmo segue um caminho oposto. Doutor em Ciências da Computação e professor-associado do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco, Cleber Zanchettin afirma que o algoritmo gera engajamento baseado na satisfação do usuário. “Quanto mais eficiente o algoritmo é, mais ele satisfaz a necessidade, por vezes, inconsciente do usuário e mais o usuário vai consumir (o conteúdo)”, explica.

Mas os algoritmos de personalização não são, necessariamente, vilões. O professor pondera que a programação do código busca o equilíbrio entre o funcionamento da plataforma e boa experiência de uso. “O algoritmo não tem o propósito de ser danoso, mas sim de maximizar (o acesso a determinadas informações). O problema é que cria, às vezes, o efeito de bolha: você é direcionado para o que o comportamento global acha mais interessante e não consegue ver opiniões diversas.”

Do ponto de vista prático, os algoritmos conseguem capturar as nuances de comportamento de forma rápida e eficaz. Zanchettin explica que não são necessários muitos segundos. “O grande problema disso é que essa capacidade de personalizar alguma coisa é tão excelente que os algoritmos conseguem identificar e explorar os padrões, interesses e medos que o usuário tem de uma forma muito precisa.”

O QUE DIZEM AS REDES SOCIAIS. A Meta, proprietária do Instagram, WhatsApp e Facebook, afirmou ao Estadão ter recursos para uso equilibrado das plataformas. Já o TikTok disse que as contas de pessoas de 13 a 17 anos têm restrições de acesso.

Quando questionada sobre as ações para promover o uso saudável e equilibrado das plataformas, a Meta diz que “trabalha em colaboração com especialistas em saúde mental, psicologia infantil e alfabetização digital para criar recursos e ferramentas que conectem as pessoas com segurança e responsabilidade”. Entre os recursos, o chamado “Faça uma Pausa” envia notificação aos usuários entre 13 e 17 anos depois de mais de 30 minutos de navegação no Facebook e no Instagram. Segundo a Meta, o alerta solicita aos adolescentes uma pausa no aplicativo e a definição de limites diários de uso. Em fase de teste, um recurso sugere que os adolescentes fechem o aplicativo se assistirem a Reels à noite.

Já o TikTok afirma que as contas de pessoas entre 13 e 17 anos seguem restrições. Além de automaticamente privados, os perfis são impedidos de monetizar conteúdo e de acessar as ferramentas de chat e lives. Para esse público, as contas são configuradas, por padrão, com um limite de tela de 60 minutos, que pode ser ampliado ou diminuído pelos responsáveis por meio da “sincronização familiar”. Conectados às contas dos menores de idade, os pais podem controlar tempo de tela e supervisionar os comentários e as buscas dos filhos. •

“Há um critério bem objetivo para afirmar que os índices de depressão e ansiedade aumentaram na geração Z: os níveis de suicídio e de automutilação em pessoas desse grupo cresceram” Aline Restano

Vice-coordenadora do Geat e psicóloga

“A dependência digital é considerada a dependência do mundo moderno” Anna Lucia Spear King

Fundadora do Ipub/UFRJ e professora

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2024-08-22T07:00:00.0000000Z

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