‘O planejador financeiro não será substituído pela IA’
Executivo diz que a psicologia financeira é essencial aos desafios que a tecnologia impõe ao mercado Há mais de 20 anos atuando na área de planejamento financeiro, é CEO da FPSB desde o início de 2022
LUIZA LANZA E-INVESTIDOR
“O avanço digital se dá muito rápido, mas a regulamentação, as salvaguardas e a educação do investidor são muito lentas”
OBrasil tem cerca de 10 mil profissionais com a certificação CFP (Certified Financial Planner, em inglês), a credencial para o exercício da atividade de planejador financeiro. Ainda que venha crescendo, esse contingente pode ser pequeno diante da demanda por educação financeira de qualidade a investidores, especialmente em tempos de busca por enriquecimento rápido, vício em bets e finfluencers.
Democratizar o acesso à assessoria profissional é um desafio que sempre existiu, mas há um outros ponto que impõe urgência aos profissionais e às instituições formadoras: a adequação do currículo do CFP para incluir na formação do planejador financeiro os dilemas que a digitalização do mercado e o uso de tecnologias, como inteligência artificial (IA), trouxeram à atividade.
“As mudanças fundamentais que têm acontecido no nosso currículo não são em relação aos produtos de investimento, mas ao que chamamos de psicologia no planejamento financeiro”, explica Dante De Gori, CEO da Financial Planning Standards Board (FPSB), entidade responsável pelo gerenciamento da marca CFP globalmente. “O que estamos descobrindo é que a tecnologia dará mais tempo aos planejadores financeiros, a questão agora é o que fazer com isso. Eles não serão substituídos pela IA, mas os que não usam a ferramenta serão substituídos por aqueles que a utilizam.”
De Gori veio ao Brasil para o Congresso Internacional Planejar 2024, realizado em outubro, e conversou com o E-Investidor sobre os desafios da educação financeira em mercados como o Brasil. Veja a seguir os principais trechos da entrevista:
O Brasil tem vivido um problema causado pelas casas de apostas online. Pessoas estão viciadas, se endividando e há recursos saindo até de programas de assistência social para essas plataformas. Qual a sua análise desse cenário?
O problema das apostas e jogos de azar online não ocorre somente no Brasil e também não é algo novo. A novidade está na facilidade do acesso a isso. Houve também a ascensão do que chamamos influencers, celebridades e outras pessoas usando as redes sociais para potencialmente vender ou influenciar pessoas a entrarem nas plataformas, seja apostando ou investindo online. O avanço digital se dá muito rápido, mas a regulamentação, as salvaguardas e a educação do investidor são muito lentas. Não há uma solução perfeita, mas recorrer a profissionais qualificados pode ajudar. Se eu pudesse usar uma analogia para as apostas, seria com aquele primeiro momento da explosão do bitcoin e das criptomoedas. À época, aprendemos duas coisas principais: que as plataformas online dão acesso mais fácil para investir, o que é muito bom, mas deixam a divisão entre o que pode ser considerado investimento e o que é aposta mais confusa. Muitos players entraram no mercado para capitalizar isso e criar ativos falsos para tirar vantagem. É um problema que está sendo corrigido aos poucos, mas um dos nossos desafios consiste em preencher essa lacuna entre a velocidade da digitalização dos investimentos e o aconselhamento profissional para apoiar a proteção do consumidor.
Como a formação dos profissionais têm se adaptado para entregar ao mercado planejadores capacitados a lidar com isso?
Essa também é uma pergunta que nos fazemos o tempo todo no FPSB, dado que uma de nossas funções consiste em analisar o perfil de competências e os padrões aos quais os profissionais de CFP precisam aderir e seguir para revisar nossos requisitos de certificação. Mas o processo continua o mesmo. As mudanças fundamentais que têm acontecido no nosso currículo, e que tem a ver com esse impacto da digitalização e o uso da inteligência artificial no mercado, não estão relacionadas aos produtos de investimento, mas ao que chamamos de psicologia no planejamento financeiro. Acreditamos que a tecnologia vai ajudar muito. A inteligência artificial irá, ao avançar, tornar isso acessível a qualquer pessoa. Pode não ser um planejamento financeiro tão personalizado, mas ainda assim muito bom; achamos que a IA chegará a esse ponto. Mas as pessoas ainda são pessoas e reagem às informações de maneira diferente. Portanto, o papel do planejador financeiro será entender isso, a psicologia, a ciência comportamental do cliente para ajudá-lo a implementar e acompanhar o plano financeiro, podendo adaptá-lo conforme as circunstâncias mudem. Os profissionais ainda precisam conhecer o lado técnico, claro, mas o que eles também estão aprendendo agora é este domínio da psicologia financeira.
A IA não vai substituir os profissionais?
O planejador financeiro não será substituído pela IA. Usar IA, isso por si só, não fará de você um planejador financeiro melhor. E sim o que você faz com o tempo que agora tem disponível para trazer benefícios ao seu cliente.
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2024-11-04T08:00:00.0000000Z
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