O antissemitismo nazista como elo entre a supremacia branca estadunidense e a geração de identidade do século
Por Christiane Stallaert, professora catedrática de estudos ibero-americanos, comunicação intercultural e tradução na Universidade de Antuérpia (Bélgica)
A meu ver, a compreensão da ideologia xenófoba (inclusive neonazista) no século XXI reside mais em certos desdobramentos típicos dos anos 1990 do que na continuidade com o próprio nazismo. Esses desenvolvimentos incluem o fim da Guerra Fria, que na Europa foi acompanhada por sangrentos conflitos étnico-políticos nos Bálcãs; em todo o mundo, a emergência do islamismo radical, cujos primeiros surtos se tornaram visíveis na Argélia com a guerrilha em torno da Frente Islâmica de Salvação (FIS). Ao mesmo tempo, o apartheid chegava ao fim na África do Sul, o último regime de racismo de Estado institucionalizado. O contexto das comemorações dos 50 anos do Holocausto deu um impulso aos chamados estudos de memória (histórica) e dos direitos humanos. O fim do choque entre grandes ideologias abriu caminho para o ideal neoliberal da “globalização”, um mundo onde pessoas e bens são colocados em circulação e se tornam intimamente interligados. Nos Estados Unidos, essa visão se reflete no chamado “Consenso de Washington”, que já no início dos anos 1990 foi traduzido em um ambicioso Acordo de Livre Comércio do Atlântico Norte entre o Canadá, os Estados Unidos e o México. A Europa, por sua vez, deu passos decisivos rumo a um sonho de “cidadania europeia” na Cúpula de Maastricht realizada em 9 e 10 de novembro de 1991, com a abolição das fronteiras internas (o espaço Schengen), a criação de uma moeda comum (o euro) e o projeto de Constituição Europeia. A contrapartida dessa vontade política de abolir as fronteiras econômicas e humanas resulta, porém, na consolidação de tendências xenófobas e ultranacionalistas, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, nasceu em 1990 uma plataforma chamada Stormfront, nome que se refere à Sturmabteilung ou SA nazista. Na Europa, partidos xenófobos alcançam posições de destaque no espectro político de muitos países europeus. Assim, por exemplo, na Bélgica, o Bloco Flamengo (Vlaams Blok), partido criado em 1978, emergiu como força política nas eleições de novembro de 1991, obtendo mais de 20% dos votos em alguns distritos do país. Com uma ideologia racista e laços ou afinidades neonazistas, em 2004, após uma condenação judicial, o partido passou a se chamar Vlaams Belang, Interesse Flamengo, nome que lembra o conceito nazista de völkische Belange (interesse do povo). Essa semelhança nos leva à questão central de nossa análise, a saber: o “neonazismo” do século XXI é de inspiração nazista?
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2024-11-21T08:00:00.0000000Z
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