O chef e padeiro Olivier Anquier estava desiludido com o mundo dos pães. Já no começo da pandemia, sua padaria teve de fechar as portas na República, região central de São Paulo. “Estava desacreditado com tudo naquela época. Achei que era um mercado sem saída”, desabafa Olivier, ao Paladar. Só que tudo mudou: nos últimos meses, Olivier viu sua marca renascer com a proposta de quiosques, que serão espalhados pela cidade. Para ele, essa é a padaria do futuro.

“Vejo as padarias como espaços menores, bem mais compactos”, diz. “No futuro, acho que não vamos mais ter condições de preparar tudo internamente. Quem puder e quiser mais qualidade, por exemplo, vai ter uma central que produz os pães e que depois são apenas finalizados no ponto de venda. Outros, que não puderem ter sua própria central, vão apostar em produtos pré-prontos também para finalização no local.”

Esta é uma discussão que, nos últimos tempos, está em alta no mercado de padaria: esses espaços, que fazem parte do dia a dia das pessoas há tantos anos, e que já se transformaram bastante, vão mudar ainda mais?

No mesmo caminho de Olivier, Gustavo Fernandes, dono da tradicional Padaria Ceci, localizada no Planalto Paulista, evita pensar em morte e sobrevivência desses espaços, mas em diferentes funções. Para ele, teremos dois modelos de padarias: as grandes, que continuarão servindo café da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar; e as pequenas lojas com pães de maior valor agregado para comprar e levar.

“Ambos vão seguir as tendências de seu público, que muitas vezes será o mesmo, só que consumindo em ocasiões diferentes”, explica o dono da premiada Ceci. “Um grande número de produtos se faz necessário em ambos modelos, claro que respeitando a diferença de tamanho, para viabilizar o negócio nesse ramo. Um modelo de poucos produtos, como nas padarias europeias, não enche os olhos dos clientes brasileiros, que gostam de ver fartura de opções e quantidades, o que dificulta a venda de um modelo muito enxuto.”

No centro da discussão, enfim, está a experiência do cliente. “Seria o caso de criar um ambiente que permita maior permanência, quando desejado”, diz Ricardo Moisés, da Mediterrain, padaria artesanal no Campo Belo. “Isso muda não só as características físicas, como espaço para leitura e trabalho, brinquedoteca e ser pet friendly, como a cultura do empreendimento, que envolve a decisão do proprietário e a qualificação da equipe para hospitalidade e bem-estar.”

“No futuro, não vamos mais ter condições de preparar tudo internamente. Quem puder e quiser mais qualidade vai ter uma central que produz os pães que, depois, serão apenas finalizados no ponto de venda” Olivier Anquier

Chef e padeiro

PRODUTOS. Ao discutir o futuro das padarias, não dá para evitar também discussões sobre o futuro dos pães, dos sonhos, do pão na chapa e de outras iguarias que só encontramos na padaria de cada dia.

Todos os entrevistados afirmaram que o cliente está cada vez mais preocupado com origem e qualidade dos produtos.

“A tendência será sempre clientes preocupados com a qualidade da alimentação. Ou seja, melhora no nível dos produtos, respeitando o poder aquisitivo do público do entorno”, diz José Carlos Gomes, sócio e fundador da rede de padarias Fabrique, com unidades espalhadas por São Paulo.

Para ele, quanto mais alta a renda, maior a chance de apresentar itens de melhor valor agregado. “Mas, na baixa renda, sempre haverá espaço para apresentação de itens novos a esse público, saindo um pouco da briga por preço ou do confronto direto com os itens produzidos pelas indústrias de alimentos”, contextualiza.

Para Rui Gonçalves, da Sampapão, entidade que representa as padarias em São Paulo, a mudança já está acontecendo. “O crescente interesse por produtos artesanais e gourmet tem levado muitas padarias a se especializar em pães e itens de panificação de alta qualidade, utilizando ingredientes premium e técnicas tradicionais. Com a demanda crescente por alimentos saudáveis, surgem opções como pães integrais, sem glúten, sem açúcar e enriquecidos com ingredientes funcionais, como sementes e grãos antigos”, diz.

E aquele preparo que sai da cozinha? O pão na chapa, o café coado na hora, o lanche fresquinho? “Quanto aos produtos que saem da chapa e da cozinha, a customização é uma forte tendência, e na padaria isso é feito com facilidade e agilidade”, explica Gustavo.

TECNOLOGIA E SUSTENTABILIDADE. Depois de pensar no espaço e no produto, nada mais natural do que agregar alguns detalhes práticos: embalagem, tecnologia no processo, sustentabilidade. A tendência, dizem os entrevistados, é que tudo passe por uma transformação – sem exceções.

Para começar, a tecnologia tem desempenhado um papel importante no setor. “Muitas padarias adotaram fornos inteligentes, processos automatizados e softwares de gestão para otimizar a produção e o atendimento”, afirma Rui, da Sampapão. “A venda online e os sistemas de encomendas digitais estão se tornando comuns, oferecendo conveniência em compras pela internet e entrega em domicílio.”

Além disso, há uma crescente preocupação com a sustentabilidade. Segundo Rui, as padarias estão implementando práticas ecológicas, como o uso de embalagens recicláveis, compostagem de resíduos e redução do desperdício de alimentos. Tudo se transforma.

E isso, claro, acaba refletido na embalagem. “No aspecto de consumo local ou para viagem, bastante comum nas padarias, gostaria de falar sobre o desenvolvimento de embalagens elegantes, resistentes e propícias para manter a qualidade do alimento desde o preparo até o consumo”, diz Ricardo, da Mediterrain. “Isso favorece a opção de sanduíches e refeições saudáveis para consumo em casa ou no trabalho.”

O que esperar para o futuro, então? O fato é que as padarias vão continuar mais presentes do que nunca, mesmo que com outras características. “Essas tendências indicam que o futuro do setor está se dirigindo para uma maior personalização, sustentabilidade e integração tecnológica, enquanto se preservam a tradição e o charme do comércio local”, acredita Rui. “Assim, as padarias se mantêm como um comércio tradicional, mas altamente atual, alinhado com as expectativas e desejos dos seus clientes, assegurando sua continuidade e crescimento.” •