O Estado de S. Paulo

Na Sé, um Museu do Livro Esquecido Casarão guarda tesouros da literatura

Instalado em um palacete de 100 anos na região da Sé, o recém-inaugurado Museu do Livro Esquecido reúne mais de 5 mil obras, algumas do século 16

PRISCILA MENGUE

A poucas quadras das Praças da Liberdade e da Sé, uma ruazinha de sentido único e pouco movimentada esconde a história de um dos principais arquitetos da São Paulo do começo do século passado. Ali, na casa ornamentada com leões e um “1924” em sua fachada, viveu Felisberto Ranzini por cinco décadas, até o fim de sua vida.

Embora não tão conhecido, o arquiteto ítalo-brasileiro é um dos autores por trás de alguns dos maiores marcos da cidade. A lista seleta inclui o Mercado Municipal (o Mercadão) e a Casa das Rosas (na Avenida Paulista), todos pelo escritório de Ramos de Azevedo.

Assim como Ranzini ficou quase desconhecido por décadas, o novo uso do palacete busca valorizar figuras históricas. Nesse caso, especialmente da literatura mundial. Isso porque o espaço, no exato momento em que celebra seus 100 anos, acaba de ser transformado no novíssimo Museu do Livro Esquecido (Rua Santa Luzia, 31, Sé).

Nenhuma surpresa. Ele foi adquirido, cerca de três anos atrás, por um grupo de amigos apaixonados por literatura. E, como museu, já tem um programa de visitação fixo – a abertura ao público ocorre aos poucos, com a sala de leitura e o acervo ainda em fase de organização. Há tanto a possibilidade de visitação livre quanto de tour guiado (seja por um mediador ou por um audioguia). E a programação inclui encontros de clubes de leitura, lançamentos de livros, oficinas e mais atividades. A entrada, a partir deste dia 9 de novembro, custa R$ 20.

PATRIMÔNIO. Além da parte cultural e das visitas, os planos iniciais envolvem serviços de restauro e conservação de livros, que poderão complementar a renda para preservação do espaço. A Casa Ranzini é patrimônio cultural do Estado e da cidade de São Paulo desde 2015.

Os sócios que compraram o imóvel, em 2021, têm diferentes formações e preferem se manter no anonimato, avisa o coordenador do museu, Pedro H. Zimerman. “A ideia é ser um lugar voltado para a história do livro – tanto na parte de conservação, com edições muito antigas, quanto de explorar esse acervo em exposições”, acrescenta. “A ideia é aproveitar a atenção do público para a história dos livros e histórias interessantes do mundo da literatura”, completa.

De acordo com Zimerman, a criação desse espaço era apenas uma ideia até a casa ser colocada à venda e encontrada pelo grupo. “Foi uma coincidência juntar a ideia de restaurar a casa com a implantação do museu”, diz. “Se não fosse nessa casa, dificilmente teria saído do papel”, admite.

Para a inauguração, foram reunidos exemplares de livros de Ranzini (sobre o estilo colonial brasileiro e o Rio de Janeiro), assim como dois retratos de crianças, igualmente de sua autoria. “Uma das nossas missões é descobrir quem são. O menino pode ser o filho único dele”, diz o coordenador.

ACERVO. Ao todo, o acervo reúne de 5 mil a 6 mil livros, desde exemplares mais recentes até alguns do século 16, trazidos de coleções dos sócios e comprados em sebos e leilões, além de doações. Há, especialmente, literatura clássica e “livros sobre livros” – o espaço pretende ser uma referência para pesquisadores.

Entre suas raridades está uma edição estrangeira das obras de Santo Agostinho, publicada na Basileia (Suíça). “O que chama a atenção é que tem muitas anotações manuscritas, em grego, em hebraico, em árabe e em latim. Imagine por quantos lugares esse livro passou, e o que está escrito”, justifica o coordenador.

O museu é repleto de mobiliário de madeira, grande parte obtida em antiquários. Também foram trocados os lustres. Nos cômodos, o que chama a atenção são os vitrais, como o que ilustra possivelmente Veneza até um outro com a imagem de uma embarcação.

Antes de o museu ser inaugurado foram feitas algumas intervenções, para resgatar o piso original do quintal e o forro. Várias marcas do processo de restauro foram mantidas, a fim de que os visitantes entrem em contato com esse tipo de obra. Somente na coifa da antiga cozinha, por exemplo, foram encontradas 15 camadas diferentes de tinta.

A mostra de abertura se chama A Solidão e a Escrita: Pioneiras, focada nas escritoras Carolina Maria de Jesus (século 20), Teresa Margarida da Silva e Orta (século 18) e Christine de Pizan (Cristina de Pisano, séculos 14/15), que fica em cartaz até fevereiro.

Desde a inauguração, o espaço é aberto nas terças-feiras (visitas guiadas) e no fim de semana, que concentra a maior parte do fluxo. Estudase a ampliação em mais um dia, mas a ideia não é de abertura diária. Segundo o coordenador, o museu tem recebido cerca de 120 a 200 pessoas por dia nos fins de semana. Esse público envolve principalmente o que descobriu o espaço pelas redes sociais, grupos levados por guias de turismo, indicações e, ainda, alguns curiosos do entorno. •

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2024-11-09T08:00:00.0000000Z

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