St Marche tenta renegociar débito de R$ 639 milhões
Empresa culpa ‘sucessivos aumentos’ dos juros e diz que ‘segue operando normalmente’; juiz suspende execuções por 60 dias
ALTAMIRO SILVA JUNIOR, GABRIEL BALDOCHI e LUCAS AGRELA
A rede de supermercados St Marche, voltado à alta renda, entrou com pedido de tutela judicial na 1.ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo para renegociar dívidas que somam R$ 639 milhões. A tutela é um processo que antecede o pedido de recuperação judicial. Segundo analistas, o elevado nível de endividamento não é exclusivo da St Marche, mas afeta também outras redes de supermercados que tomaram crédito em 2020, quando a taxa Selic estava em 2%. Com juros atualmente em 13,25%, a situação se agravou para essas redes.
Além da escalada dos juros, as redes de varejo alimentar ainda enfrentam a redução do poder de compra dos consumidores com a alta da inflação, que inibe o consumo. Como o setor opera com margens baixas, entre 2% e 6%, as dívidas acabam ganhando peso no balanço final. “Essas margens não toleram muito endividamento, porque o comprometimento é imediato”, diz Amin Murad, sócio-fundador da Arm Gestão.
Em nota sobre o pedido de tutela judicial, o St Marche disse que “está avaliando alternativas para melhorar sua saúde financeira e seguir crescendo de forma sustentável” e informou que “segue operando normalmente”. A rede relata ainda que seu caixa ficou negativo em R$ 10 milhões em janeiro – foram R$ 94 milhões de faturamento no mês passado, com dívidas a pagar no período no valor de R$ 103 milhões. Sem a proteção judicial, a varejista diz que não conseguiria mais operar, pois toda sua receita seria destinada a pagar dívidas.
Em seu despacho, o juiz Jomar Juarez Amorim aceitou o pedido, suspendeu as execuções de dívidas da empresa por 60 dias, mas antecipou que esse prazo não será prorrogado.
O St Marche diz também que teve dificuldades em evitar que o fundo Alternative Assets, do BTG, declarasse o vencimento antecipado de debêntures. Houve ainda descumprimento de chamado “covenant” (compromissos de contratos que servem para proteger os credores) financeiro assumido pelo grupo com o Alternative Assets I, também do BTG, que desencadearia a “iminente declaração de vencimento antecipado” de R$ 275 milhões, garantidos pelas ações da holding do grupo varejista.
Diante desse quadro, a rede varejista diz estar enfrentando “severa crise financeira, em especial em virtude da situação macroeconômica do Brasil e os sucessivos aumentos da taxa de juros, que hoje é refletida no relevante endividamento” do grupo, conforme a petição inicial, de 41 páginas, obtida pelo Estadão/Broadcast.
ORIGEM DAS DÍVIDAS. Para fazer frente a uma fase de “franco” crescimento do varejo no período da pandemia, a rede de supermercados diz ter investido R$ 120 milhões para acelerar a abertura de novas lojas. O número de unidades saltou de 21 para 33, entre meados de 2021 e agosto de 2023 (mais informações na página ao lado).
Um dos caminhos para financiar essa expansão era a abertura de capital na Bolsa, processo iniciado em 2021, mas interrompido pela mudança do cenário da economia, com a elevação dos juros.
Sem conseguir levantar os recursos por meio da oferta de ações (IPO, na sigla em inglês), a empresa recorreu a linhas de financiamento com bancos e à emissão de dívida para investidores. Com o avanço na taxa de juros, as obrigações contratadas ficaram mais pesadas e impactaram a saúde financeira do grupo.
Para piorar, o aumento dos custos financeiros se deu num período em que as novas lojas ainda não haviam alcançado a maturidade. A varejista estima que as novas unidades só contribuirão positivamente para os resultados em 2027.
Rodrigo Gallegos, sócio da consultoria RGF, observa que o setor de varejo alimentar também vinha esperando resultados mais positivos, o que não se concretizou nos últimos anos. “Temos visto que o setor passa por uma redução do consumo por causa da inflação. Os clientes acabaram consumindo um pouco menos e as empresas estavam prevendo um consumo um pouco maior,
o que acaba afetando o resultado direto esperado”, diz.
O diretor de operações da Gouvêa Ecosystem, Eduardo Yamashita, afirma que o varejo alimentar passa globalmente por uma fase de transformação, enfrentando o problema da inflação de preços e buscando maximizar a eficiência operacional. O especialista cita que o consumo tem mudado, com mais famílias indo a atacarejos à procura de preços mais baixos e com o aumento das lojas de proximidade, como a Oxxo, que também competem com os supermercados.
“Essa pressão que vemos no varejo alimentar deriva muito mais do aperto no orçamento familiar e de uma mudança do hábito do consumidor”, diz.
Antes de entrar na Justiça, a rede de supermercados abriu, no último domingo, procedimento de mediação na Câmara Especial de Resolução de Conflitos Empresariais, para renegociação das dívidas com os credores financeiros. •
PRIMEIRA PÁGINA
pt-br
2025-02-20T08:00:00.0000000Z
2025-02-20T08:00:00.0000000Z
https://digital.estadao.com.br/article/282132117172983
O Estado
