O Estado de S. Paulo

Quanta energia é necessária para pensar

Gasto em atividades com foco ou em repouso varia somente 5%

CONOR FEEHLY

Você acabou de chegar em casa depois de um dia exaustivo. Tudo o que você quer é relaxar e assistir ao que está passando na televisão. Embora a inatividade possa parecer um merecido descanso, seu cérebro não está apenas relaxando. Na verdade, ele está usando quase tanta energia quanto durante sua atividade estressante, de acordo com pesquisas recentes.

Sharna Jamadar, neurocientista da Universidade Monash, na Austrália, e seus colegas revisaram pesquisas de seu laboratório e de outros ao redor do mundo para estimar o custo metabólico da cognição – ou seja, quanta energia é necessária para alimentar o cérebro humano. Surpreendentemente, eles concluíram que tarefas que exigem esforço e são direcionadas a um objetivo consomem apenas 5% mais energia do que atividades cerebrais em repouso. Em outras palavras, usamos nosso cérebro apenas uma pequena fração a mais quando nos dedicamos à cognição focada do que quando o motor está em marcha lenta.

Muitas vezes, parece que alocamos nossa energia mental por meio de atenção e foco intensos. Mas a nova pesquisa se baseia em um entendimento crescente de que a maior parte da função cerebral é destinada à manutenção. Embora muitos neurocientistas tenham historicamente se concentrado na cognição ativa e externa, como atenção, resolução de problemas, memória de trabalho e tomada de decisões, está ficando claro que, abaixo da superfície, nosso processamento em segundo plano é um foco oculto de atividade. Nossos cérebros regulam os principais sistemas fisiológicos do nosso corpo, alocando recursos onde eles são necessários, à medida que reagimos consciente e inconscientemente às demandas de nossos ambientes em constante mudança.

“Existe esse sentimento de que o cérebro serve para pensar”, disse Jordan Theriault, neurocientista da Northeastern University que não esteve envolvido na nova análise. “Enquanto, metabolicamente, ( função do cérebro) é principalmente dedicada ao gerenciamento do seu corpo, à regulação e coordenação entre órgãos, ao gerenciamento deste sistema caro ao qual ele está conectado e à navegação em um ambiente externo complexo.”

O cérebro não é puramente uma máquina cognitiva, mas um objeto esculpido pela evolução – e, portanto, limitado pelo orçamento energético restrito de um sistema biológico. Pensar pode causar cansaço, não porque você esteja sem energia, mas porque você evo

aComplexidade

Estudos do metabolismo neural revelam o esforço do nosso cérebro para nos manter vivos e as restrições evolutivas que esculpiram o órgão

luiu para preservar recursos. Este estudo do metabolismo neural, quando vinculado à pesquisa sobre a dinâmica dos disparos elétricos do cérebro, aponta para as forças evolutivas concorrentes que explicam as limitações, o escopo e a eficiência de nossas capacidades cognitivas.

O CUSTO DE UM MECANISMO PREDITIVO. O cérebro humano é incrivelmente caro para operar. Com aproximadamente 2% do peso corporal, o órgão consome 20% dos recursos energéticos do nosso corpo. “É extremamente exigente metabolicamente”, disse Jamadar. Para bebês, esse número se aproxima de 50%.

A energia do cérebro vem na forma da molécula trifosfato de adenosina (ATP), que as células produzem a partir de glicose e oxigênio. Uma enorme extensão de capilares finos – cerca de 640 quilômetros de fios vasculares – serpenteia pelo tecido cerebral para transportar sangue rico em glicose e oxigênio para os neurônios e outras células cerebrais. Uma vez sintetizado dentro das células, o ATP potencializa a comunicação entre os neurônios, que realizam as funções cerebrais. Os neurônios transportam sinais elétricos para suas sinapses, que permitem que as células troquem mensagens moleculares; a intensidade de um sinal determina se elas liberarão moléculas (ou “dispararão”). Se o fizerem, esse sinal molecular determina se o próximo neurônio transmitirá a mensagem, e assim por diante. Sabe-se que a manutenção dos chamados potenciais de membrana – voltagens estáveis através da membrana de um neurônio que garantem que a célula esteja preparada para disparar quando solicitada – é responsável por pelo menos metade do orçamento energético total do cérebro.

Medir o ATP diretamente no cérebro humano é altamente invasivo. Assim, para o seu artigo, o laboratório de Jamadar revisou estudos, incluindo as próprias descobertas, que usaram outras estimativas de uso de energia – consumo de glicose, medido por tomografia por emissão de pósitrons (PET), e fluxo sanguíneo, medido por ressonância magnética funcional (RMF) – para rastrear diferenças em como o cérebro usa energia durante tarefas ativas e em repouso. Quando realizadas simultaneamente, a PET e a RMF podem fornecer informações complementares sobre como a glicose está sendo consumida pelo cérebro, disse Jamadar. Não é uma medida completa do uso de energia do cérebro porque os tecidos neurais também podem converter alguns aminoácidos em ATP, mas a maioria do ATP do cérebro é produzida pelo metabolismo da glicose.

A análise de Jamadar mostrou que um cérebro realizando tarefas ativas consome apenas 5% mais energia em comparação com um cérebro em repouso. Quando estamos envolvidos em uma tarefa exigente e direcionada a um objetivo, como estudar um horário de ônibus em uma nova cidade, as taxas de disparo neuronal aumentam nas regiões ou redes cerebrais relevantes – nesse exemplo, regiões de processamento visual e da linguagem. Isso representa os 5% extras; os 95% restantes vão para a carga metabólica básica do cérebro.

Os pesquisadores não sabem exatamente como essa carga é alocada, mas, nas últimas dé

“Existe esse sentimento de que o cérebro serve para pensar. (Mas) é metabolicamente e principalmente dedicado ao gerenciamento do seu corpo”

Jordan Theriault

Neurocientista

“Começamos a perceber, como disciplina, que, na verdade, há um monte de coisas acontecendo quando alguém está deitado em repouso e não está em uma tarefa”

Sharna Jamadar

Neurocientista

“Evoluímos para sermos sistemas muito econômicos... Evoluímos em ambientes com baixa energia e, por isso, detestamos gastar energia.”

Zahid Padamsey

Neurocientista

cadas, eles esclareceram o que o cérebro faz em segundo plano. “Por volta de meados dos anos 90, começamos a perceber, como disciplina, que, na verdade, há um monte de coisas acontecendo quando alguém está deitado em repouso e não está explicitamente envolvido em uma tarefa”, disse ela. “Costumávamos pensar em atividade de repouso contínua, que não está relacionada à tarefa em questão, como ruído, mas agora sabemos que há muito sinal nesse ruído.”

Grande parte desse sinal vem da rede de modo padrão, que opera enquanto estamos descansando ou não estamos envolvidos em nenhuma atividade aparente. Essa rede está envolvida na experiência mental de oscilar entre cenários passados, presentes e futuros – o que você pode fazer para o jantar, uma lembrança da semana passada, uma dor no quadril. Além disso, sob o iceberg da consciência, nossos cérebros monitoram o mosaico de variáveis físicas – temperatura corporal, nível de glicose no sangue, frequência cardíaca, respiração e assim por diante – que precisam permanecer estáveis, em um estado conhecido como homeostase, para nos manter vivos. Se alguma delas se desviar demais, as coisas podem piorar rapidamente.

Theriault especula que a maior parte da carga metabólica básica do cérebro é destinada à previsão. Para atingir seus objetivos homeostáticos, o cérebro precisa estar sempre planejando o que vem a seguir – construindo um modelo sofisticado do ambiente e de como as mudanças podem afetar os sistemas biológicos do corpo. A previsão, em vez da reação, disse Theriault, permite que o cérebro distribua recursos ao corpo de forma eficiente.

AS RESTRIÇÕES EVOLUTIVAS DO CÉREBRO. Um aumento de 5% na demanda energética durante o pensamento ativo pode não parecer muito, mas no contexto de todo o corpo e do cérebro sedento por energia pode se somar. E, quando consideramos as rígidas restrições energéticas com as quais nossos ancestrais tiveram de lidar, o cansaço ao fim de um dia exaustivo de repente faz muito mais sentido.

“A razão pela qual você se sente fatigado, assim como se sente após uma atividade física, não é porque você não tem calorias para pagar por ela”, disse Zahid Padamsey, neurocientista da Weill Cornell Medicine-Qatar, que não esteve envolvido na nova pesquisa. “É porque evoluímos para sermos sistemas muito econômicos... Evoluímos em ambientes com baixa energia, por isso detestamos gastar energia.”

O mundo moderno, no qual as calorias são relativamente abundantes para muitas pessoas, contrasta fortemente com as condições de escassez em que o Homo sapiens evoluiu. Esse aumento de 5% na taxa de queima de calorias, ao longo de 20 dias de foco persistente, ativo e relacionado a tarefas, pode equivaler a um dia inteiro de energia cognitiva. Se a comida é difícil de encontrar, isso pode significar a diferença entre a vida e a morte.

“Isso pode ser substancial ao longo do tempo se você não limitar a taxa de queima, então acredito que seja em grande parte uma relíquia da nossa herança evolutiva”, disse Padamsey. De fato, o cérebro possui sistemas integrados para prevenir o esforço excessivo. “Você vai ativar mecanismos de fadiga que impedem novas taxas de queima”, disse ele.

Para entender melhor essas restrições energéticas, em 2023 Padamsey resumiu pesquisas sobre certas peculiaridades da sinalização elétrica que indicam uma tendência evolutiva em direção à eficiência energética. Por um lado, você pode imaginar que quanto mais rápido você transmite informações, melhor. Mas a taxa de transmissão ideal do cérebro é muito menor do que se poderia esperar.

Teoricamente, a velocidade máxima para um neurônio disparar e enviar informações para seu vizinho é de 500 hertz. No entanto, se os neurônios realmente disparassem a 500 hertz, o sistema ficaria completamente sobrecarregado. A taxa de informação ideal – a taxa mais rápida na qual os neurônios ainda conseguem distinguir mensagens de seus vizinhos – é metade disso, ou 250 hertz.

Nossos neurônios, no entanto, têm uma taxa média de disparo de 4 hertz, 50 a 60 vezes menor do que a ideal para transmissão de informações. Além disso, muitas transmissões sinápticas falham: mesmo quando um sinal elétrico é enviado à sinapse, preparando-a para liberar moléculas para o próximo neurônio, isso ocorre apenas 20% das vezes.

Isso ocorre porque não evoluímos para maximizar o total de informações enviadas. “Evoluímos para maximizar a transmissão de informações por ATP gasto”, disse Padamsey. “Essa é uma equação muito diferente.” Enviando a quantidade máxima de informações com o mínimo de energia possível (bits por ATP), a taxa de disparo neuronal ideal é inferior a 10 hertz.

Evolutivamente, o grande e sofisticado cérebro humano ofereceu um nível sem precedentes de complexidade comportamental – a um grande custo energético. Essa negociação, entre a flexibilidade e a inovação de um cérebro grande e as restrições energéticas de um sistema biológico, define a dinâmica de como nosso cérebro transmite informações, a fadiga mental que sentimos após períodos de concentração e o trabalho contínuo que nosso cérebro realiza para nos manter vivos. É impressionante que ele consiga fazer tanto dentro de suas limitações. •

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2025-07-07T07:00:00.0000000Z

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