O Estado de S. Paulo

O pacote de contenção de gastos: a farsa e a surpresa

Everardo Maciel Consultor tributário, foi secretário da Receita Federal (1995-2002)

Como se previa, o pacote de contenção de gastos é uma atabalhoada coleção de medidas pífias, eventualmente corretas, combinadas com o anúncio de futuras alterações no Imposto de Renda, com claro propósito demagógico e diversionista.

O pacote reflete um mal costurado acordo entre grupos que se antagonizam dentro do governo, o que, de resto, reproduz a falta de convicção quanto à relevância do equilíbrio fiscal.

Limito-me a examinar um contraponto a esse sucinto e desfavorável juízo sobre o pacote. Surpreendi-me com artigo constante de PEC encaminhada ao Congresso que dá nova redação ao parágrafo 11 do art. 37 da Constituição.

A atual redação, em lugar de prevenir, finda por sancionar o tratamento de “indenizações” dispensado à relevantes parcelas de remuneração de agentes públicos – aliás, nem sequer sujeitas à incidência do Imposto de Renda. É o mais requintado e recorrente instrumento de violação ao teto constitucional de remuneração dos servidores públicos.

A proposta, acertadamente, inverte a lógica ao estabelecer que somente serão consideradas parcelas de caráter indenizatório aquelas “expressamente previstas em lei complementar de caráter nacional aplicada a todos os Poderes”.

Caso a proposta prospere, ainda cabem ponderações à luz da nossa vetusta tradição

O pacote provavelmente será aprovado a toque de caixa, como tem sido habitual nos tempos recentes

de burlar normas bem-intencionadas. O que constará da lei complementar? Que interpretação se dará à matéria, especialmente quando se considera o ativismo judicial? Por que não foram incluídas, no teto de remuneração, as polpudas remunerações percebidas por agentes públicos pela “participação” em conselhos de estatais?

Lembro, a propósito, que a Emenda Constitucional n.º 20, de 1998, extinguiu os adicionais de tempo de serviço (quinquênios), embora com efeitos somente a partir de 2006.

Recentemente, contudo, a Justiça entendeu que a emenda não se aplica aos magistrados que gozavam do direito até aquela data, estabelecendo pagamento retroativo com juros e correção monetária, no justo momento em que se discute equilíbrio fiscal.

Como se vê, a Constituição, vítima de tantas emendas, é capaz de abonar múltiplas interpretações, não raro ao sabor de conveniências. Ressalte-se, todavia, que a matéria ainda está pendente de julgamento no STF, em virtude da ADPF 1108.

O pacote provavelmente será aprovado a toque de caixa, como tem sido habitual nos tempos recentes. É que está sendo providenciada a liberação de emendas parlamentares, que gozam de enorme poder de convencimento. O Brasil segue sem rumo. •

ECONOMIA & NEGÓCIOS

pt-br

2024-12-05T08:00:00.0000000Z

2024-12-05T08:00:00.0000000Z

https://digital.estadao.com.br/article/282114937148699

O Estado