Estudo mostra que há cada vez mais plástico em nossos cérebros
Volume do material produzido globalmente dobra a cada 10 a 15 anos; e risco à saúde cresce
Um novo estudo mostrou que os microplásticos estão chegando aos cérebros humanos – com efeitos potencialmente perigosos para a saúde e a acuidade mental das pessoas.
Um artigo publicado no dia 3, na Nature Medicine, descobriu que os minúsculos fragmentos de plástico estão atravessando a barreira hematoencefálica e entrando nos cérebros humanos, e a quantidade de microplásticos no cérebro parece estar aumentando com o tempo. A concentração de microplásticos nos cérebros analisados aumentou cerca de 50% de 2016 a 2024.
Os cientistas também examinaram os cérebros de 12 pacientes mortos, diagnosticados com demência, e descobriram que eles tinham de três a cinco vezes mais microplásticos do que cérebros normais. “Toda vez que arranhamos a superfície, isso revela um monte de questões do tipo: ‘Isso é pior do que pensávamos?’”, disse um dos principais autores do artigo, o professor de Toxicologia da Universidade do Novo México, Matthew Campen, em entrevista sobre uma versão anterior do artigo.
ALERTA. Microplásticos são pequenos pedaços de plástico – com menos de cinco milímetros de tamanho, ou menores que uma borracha de lápis – que são fabricados ou se desprendem de objetos de plástico. Os nanoplásticos são ainda menores e podem ser uma fração da largura de um fio de cabelo humano. A maioria dos microplásticos encontrados nos cérebros no estudo estava na escala nano.
Nos últimos anos, os cientistas notaram que vários itens de plástico (sacolas, garrafas de água, pneus, roupas de poliéster ou sintéticas) podem soltar pequenos fragmentos ou fibras que encontram seu caminho no ar, na comida e na água. Muitos deles estão se enterrando profundamente no corpo humano. Microplásticos foram identificados no fígado, na placenta, no sangue, nos testículos e até em certas artérias que levam ao coração.
Para o novo estudo, os cientistas analisaram 52 espécimes cerebrais, 28 que foram autopsiados em 2016, e 24 que foram autopsiados em 2024. Eles encontraram microplásticos em cada amostra, mas havia concentrações significativamente maiores de microplásticos naquelas de 2024.
Os pesquisadores então obtiveram amostras cerebrais adicionais retrocedendo até 1997 e descobriram que elas seguiam a mesma tendência: amostras mais recentes tinham números muito maiores de microplásticos. Eles não encontraram correlação com a idade da pessoa quando morreu.
Campen diz que, com apenas um único estudo, há motivo para ser cauteloso ao interpretar os resultados. Mas, acrescenta ele, a quantidade de plásticos produzidos globalmente dobra a cada 10 a 15 anos, o que sugere que o nível de exposição dos humanos disparou. “Ver isso subir 50% em oito anos em órgãos humanos... Isso está perfeitamente alinhado com o que estamos vendo no ambiente.”
Os pesquisadores estimaram que o cérebro médio estudado tinha cerca de sete gramas de microplásticos nele, ou um pouco mais do que o peso de uma colher de plástico. Mas eles alertaram que isso poderia ser superestimação, já que algumas outras partículas no cérebro podem se assemelhar a microplásticos.
Jaime Ross, professor de Neurociência na Universidade de Rhode Island que estudou o efeito dos microplásticos em cérebros de ratos, elogiou a nova pesquisa e disse que o aumento da “carga plástica” de microplásticos no corpo era preocupante porque poderia exacerbar a inflamação.
Phoebe Stapleton, professora de Farmacologia e Toxicologia na Universidade Rutgers, que não estava envolvida no estudo, diz que os cientistas há muito se perguntam se os microplásticos poderiam atravessar a barreira hematoencefálica – a espessa membrana que tem a função de proteger o cérebro de toxinas e vírus.
Embora não seja a primeira vez que pesquisadores encontram microplásticos no cérebro, o novo estudo mostra que os pedaços de plástico estão alcançando áreas mais profundas do córtex frontal. No ano passado, um grupo de pesquisadores encontrou microplásticos no bulbo olfatório – a parte do cérebro que processa os cheiros. As partículas estavam presentes em 8 dos 15 cérebros estudados.
“Este artigo fornece evidências claras de que micro e nanoplásticos estão de fato no cérebro humano”, diz Stapleton. O artigo também mostra que o cérebro parece mais suscetível aos microplásticos do que outros órgãos – amostras cerebrais tinham de 7 a 30 vezes mais microplásticos nelas do que as de fígado e rim.
Os cientistas também usaram um microscópio eletrônico para identificar o plástico no tecido em si. Encontraram pequenos fragmentos ou flocos, em uma forma que Stapleton descreveu como “inesperada”. A maioria dos estudos sobre o efeito do microplástico em células e órgãos examina partículas de forma esférica – diferentes formatos podem significar diferentes efeitos na saúde.
A importância Estudos como este começam a pintar um quadro de associações entre microplásticos e riscos à saúde
“Ver isso subir 50% em oito anos em órgãos humanos... Isso está perfeitamente alinhado com o que estamos vendo no ambiente”
“Não há grupos de controle. Todos estão expostos”
Matthew Campen
Professor de Toxicologia da Universidade do Novo México
“Este artigo fornece evidências claras de que micro e nanoplásticos estão de fato no cérebro humano”
Phoebe Stapleton
Professora de Farmacologia e Toxicologia na Universidade Rutgers
EM RATOS. Outros cientistas usaram ratos para estudar como os microplásticos no cérebro poderiam afetar a saúde e encontraram sinais preocupantes. Em um estudo de Ross e outros pesquisadores da Universidade de Rhode Island, ratos receberam água misturada com pequenas partículas de poliestireno, o mesmo tipo de plástico usado em espuma de plástico e recipientes de iogurte.
Após somente três semanas de exposição, os ratos demonstraram mudanças cognitivas – incluindo alterações no cérebro consistentes com marcadores iniciais de Alzheimer (Os humanos também estão recebendo microplásticos por meio da água – as pequenas partículas foram encontradas em água engarrafada e na água da torneira, por exemplo).
Os pesquisadores alertam que ainda é muito cedo para conectar microplásticos a problemas cognitivos específicos, dadas as maneiras como a demência altera o corpo. Pacientes com demência têm barreiras hematoencefálicas mais fracas, eles alertam, e têm mais dificuldade em limpar toxinas do cérebro. Nos cérebros humanos, portanto, os altos números de microplásticos podem ser efeito da demência ou do Alzheimer, em vez da causa.
Richard Thompson, professor de Biologia Marinha na Universidade de Plymouth e o primeiro cientista a usar a palavra “microplásticos”, diz que vincular as partículas a efeitos na saúde é muito mais desafiador do que identificá-las em primeiro lugar.
Mas Thompson, que não estava envolvido na pesquisa atual, acrescenta que estudos como este começam a pintar um quadro de associações entre microplásticos e riscos à saúde.
Kimberly Wise White, vice-presidente de assuntos regulatórios e científicos no Conselho Americano de Química, um grupo da indústria de plásticos, afirma que os fabricantes de plástico estão trabalhando para ajudar a reduzir a criação de microplásticos. “A indústria global de plásticos apoia o avanço do entendimento científico dos microplásticos.”
Ainda assim, os pesquisadores alertam que eles ainda estão apenas arranhando a superfície dos possíveis riscos à saúde. No ano passado, um estudo descobriu que pacientes com microplásticos em uma artériachave tinham mais probabilidade de experimentar derrame, ataque cardíaco ou morte. Mais pesquisas, porém, são necessárias para identificar os riscos – e parte do problema é a onipresença dessas partículas. Não há grupos de controle, afirma Campen. “Todos estão expostos.” •
CULTURA & COMPORTAMENTO
pt-br
2025-02-18T08:00:00.0000000Z
2025-02-18T08:00:00.0000000Z
https://digital.estadao.com.br/article/282097757430081
O Estado
