O Estado de S. Paulo

‘Biodiesel é ESG na veia, e seu futuro no País é muito promissor’

CEO da Caramuru diz que o Brasil deve se posicionar como protagonista em sustentabilidade Economista, passou pelos bancos BTG e Citi; foi executivo da Tereos e da Bunge Brasil, e assumiu o comando da Caramuru este ano

EDUARDO GERAQUE

Oeconomista Marcus Thieme assumiu no início deste ano o comando da Caramuru Alimentos, uma das maiores processadoras de produtos como soja, milho, girassol e canola do País. E diz que a questão da sustentabilidade é um desafio constante nesse negócio. “A sustentabilidade no setor agrícola não depende apenas das práticas dos produtores, mas de uma ação conjunta em toda a cadeia de suprimentos”, diz.

Com mais de 60 anos, a Caramuru conta com operações nos Estados de Goiás, Paraná, Mato Grosso, São Paulo, Pará e Amapá. E processa anualmente 2 milhões de toneladas de soja, 230 mil toneladas de refino de óleos, 470 mil toneladas de milho e mais de 550 milhões de litros de biodiesel. A empresa vende insumos principalmente para a Europa – onde a soja transgênica, por exemplo, não entra.

Em outubro, o grupo anunciou um pacote de investimentos de R$ 2,235 bilhões em seis áreas estratégicas do setor de bioenergia, ao mesmo tempo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei do Combustível do Futuro, que prevê programas de incentivo a combustíveis verdes.

Em entrevista ao Estadão, Thieme defende o protagonismo do Brasil na questão ambiental, e diz que o País deve deixar o posto de observador e passar a pautar o debate. “O lado positivo do agronegócio, tem ESG na veia”, diz. Segundo ele, no caso do biodiesel, por exemplo, a agricultura familiar tem um peso enorme.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Quanto a sustentabilidade é importante para a Caramuru? A sustentabilidade é a base de toda a nossa operação, está no nosso DNA há décadas, pois é essencial para nosso modelo de negócio. Para exportar farelos não transgênicos para a Europa, precisamos garantir a origem sustentável da soja e do milho. Operamos no nicho da soja não transgênica e, ao processá-la, 70% resulta em farelo, 20% em óleo e 1% em lecitina. Como o Brasil não absorve todo esse óleo para consumo, utilizamos parte dele na produção de biodiesel. O farelo, produzido em Mato Grosso, segue por hidrovias e vai até a Noruega, onde alimenta a criação de salmões e trutas. Os noruegueses, referência em sustentabilidade, seguem rígidas regras ambientais, e nossa soja precisa atender a exigências, como rastreabilidade e conformidade com o Código Florestal brasileiro.

As empresas compradoras chegam a fazer vistoria no Brasil? Ou as certificações são aceitas sem ressalvas? O nosso programa Sustentar, baseado no incentivo às boas práticas agrícolas, assegura que toda soja processada cumpra os critérios ambientais. Utilizamos imagens de satélite e auditorias para garantir a conformidade. O mercado europeu valoriza essa transparência, exigindo certificações como a ProTerra. Mas existem clientes nossos, como a Nestlé, que também fazem auditorias próprias. O Brasil tem um diferencial sustentável que precisa ser valorizado. Nossa capacidade de produzir até três safras por ano torna o uso da terra mais eficiente do que em países com uma única safra anual. Essa produtividade é uma vantagem competitiva que reforça a sustentabilidade do agronegócio brasileiro.

No caso dos biocombustíveis, toda produção é para o mercado interno?

É um setor em que atuamos há décadas, com três plantas de biodiesel, onde figuramos entre os dez maiores produtores do País. O biodiesel pode ser derivado de várias fontes, mas nossa principal matéria-prima é o óleo de soja. São processos sustentáveis, atrelados a matérias-primas da agricultura familiar, que permite reutilizar subprodutos e agregar valor ao setor. No caso do etanol de milho, a produção cresce especialmente em Mato Grosso. É uma fonte que já representa mais de 20% da matriz. É um crescimento que fortalece a economia local, gera empregos e mantém impostos no País. E o mercado interno tem se mostrado cada vez mais relevante nos últimos anos, especialmente na absorção da estagnação do crescimento do etanol de cana-de-açúcar. Isso ocorre porque, no setor sucroenergético, as usinas que possuem capacidade de produção flexível tendem a priorizar a fabricação de açúcar quando os preços estão altos, como acontece atualmente. Diante desse cenário, o etanol de milho tem desempenhado um papel fundamental, especialmente em um país onde os carros flex já estão amplamente consolidados. Atualmente, de cada dez carros produzidos no

Brasil, nove são flex.

Nessa questão automotiva, o carro híbrido em vez do elétrico é a melhor aposta? Embora a eletrificação dos automóveis seja uma tendência, observa-se um crescimento expressivo na demanda por veículos híbridos leves. Esses modelos combinam a utilização de gasolina e etanol com uma bateria que se recarrega automaticamente, proporcionando uma opção econômica e sustentável ao consumidor. Quando se analisa o ciclo de vida completo dos veículos, desde a fabricação até o descarte, ou do berço ao túmulo, os híbridos apresentam um balanço de emissões competitivo em relação aos elétricos puros. No Brasil, dada a dimensão territorial e a infraestrutura existente, há espaço para diferentes tipos de tecnologia. As montadoras reconhecem essa tendência, como demonstrado pelos modelos híbridos da Toyota, Corolla e Corolla Cross, e pelo recente lançamento do Hyundai Kona híbrido.

Ou seja, o potencial para o etanol é gigante?

Tenho falado que o biodiesel é ESG na veia porque tem o ambiental, para quem quer a certificação e emitir o CBIOS ( créditos de descarbonização), tem a governança, porque é regulado, e agora ainda mais regulado com a lei do combustível do futuro, e o social por causa da agricultura familiar. O futuro dos biocombustíveis no Brasil é promissor, e seguimos confiantes na expansão da demanda por etanol, biodiesel e outros combustíveis sustentáveis, alinhados com as melhores práticas de sustentabilidade e inovação no setor. Há também a emergente indústria do SAF ( Sustainable Aviation Fuel, o querosene de aviação sustentável), que busca substituir o querosene (fóssil) na aviação. Estamos apenas no início desse mercado, mas as perspectivas são promissoras. •

“O Brasil tem um diferencial sustentável que precisa ser valorizado. Nossa capacidade de produzir até três safras por ano torna o uso da terra mais eficiente do que em países com uma única safra anual. E essa produtividade é uma vantagem competitiva”

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2025-04-03T07:00:00.0000000Z

2025-04-03T07:00:00.0000000Z

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