O Estado de S. Paulo

Autoconfiança para pedir demissão

Mais qualificados puxam onda E&N

MARINA DAYRELL

Em 2021, os Estados Unidos bateram recorde de profissionais pedindo demissão – em novembro, foram 4,5 milhões, ou 3% da força de trabalho. O fenômeno ganhou a alcunha de grande renúncia ou grande debandada. Movimentos parecidos foram observados em outros países, como Reino Unido e China. Mas e o Brasil?

Não há um consenso entre especialistas se o Brasil pode reproduzir as mesmas características da grande debandada. Brasil e Estados Unidos já tiveram índices de desemprego parecidos: em abril de 2020, por exemplo, a taxa estava acima dos 14% nos EUA (hoje está em 4%), enquanto no Brasil atualmente está em 11,6%.

No entanto, as semelhanças param por aí. Nos EUA, a maior parte da grande renúncia foi provocada por profissionais da base da pirâmide. Por vários motivos intensificados na pandemia, incluindo a insatisfação com o empregador e a preocupação com a saúde mental, eles deixaram seus empregos. No Brasil, o mercado começou a absorver talentos novamente, possivelmente para vagas que foram desocupadas com as demissões de 2020.

“Em 2020, tivemos 15 milhões de admissões e 15,8 milhões de desligamentos. Em 2021, até novembro, foram 19 milhões de admissões e 16,1 milhões de desligamentos. Ambas as variáveis de 2021 são maiores do que o momento crítico da pandemia, então é um sinal de dança das cadeiras. As pessoas estão sendo realocadas porque o mercado sofreu um choque”, diz Marcelo Neri, diretor do FGV Social, da Fundação Getúlio Vargas.

NO TOPO. Por aqui, a movimentação de demissões tem ocorrido, segundo os especialistas, entre os profissionais mais qualificados, que têm ensino superior completo.

A taxa de desemprego dessa população foi de 6,3% no terceiro trimestre de 2021, segundo o IBGE. Números próximos a 5% são indicativos de pleno emprego, mas, uma vez que apenas 17% dos brasileiros acima de 25 anos têm ensino superior, não há gente suficiente para que uma movimentação de demissões se equipare à grande debandada. Essa movimentação, num país desigual, acaba ficando nas mãos de quem é privilegiado social e economicamente.

“Temos muitas questões culturais, sociais, políticas e econômicas. Há desníveis grandes entre Brasil e EUA. Aqui, as pessoas estão buscando emprego. Claro que os profissionais altamente qualificados vão sempre ser procurados e vão procurar uma vaga melhor, mas primeiro vão ver se há a vaga, antes de pedir demissão”, diz Tania Casado, professora da USP e diretora do Escritório de Carreiras da USP.

De acordo com a consultoria Robert Half, 51% das demissões de profissionais qualificados no terceiro trimestre de 2021 ocorreram a pedido dos colaboradores. O índice foi obtido a partir dos microdados do novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que passaram por uma análise da consultoria.

NOVO EMPREGO. Nos dois últimos anos, muitas coisas mudaram, entre elas a forma que os profissionais encaram o mercado, refletem os entrevistados. “As pessoas que têm condição, porque não são todas nem são todos os postos de trabalho que vão poder fazer essa transição, já estão dando mais valor para coisas como o modelo híbrido. Então, as pessoas vão tentar refazer sua jornada de trabalho”, diz Tania.

Uma outra parte da pesquisa feita pela Robert Half com 1.161 profissionais constatou que 49% dos qualificados que estão empregados pretendem buscar um novo emprego neste ano. A maior motivação é o salário, seguido do desejo de aprender algo novo (19%) e de ter realização pessoal (17%).

“Antes as empresas eram mais preocupadas em recrutar e oferecer bons salários. Mas, com a pandemia, as pessoas passaram a olhar para outras coisas, como a flexibilidade – lembrando que ser só remoto ou só presencial não é flexível”, explica Lucas Nogueira, diretor associado da Robert Half. Segundo ele, as áreas onde há mais briga por talentos são tecnologia, logística e a área técnica do agronegócio.

Se já faltava mão de obra qualificada e agora esses profissionais estão mais exigentes, também fica mais difícil recrutar. Pesquisa feita pela Heach Recursos Humanos, com 120 recrutadores do Brasil, apontou que 85% deles dizem estar passando pelo pior momento profissional, já que não conseguem encontrar candidatos.

“Em cada 20 candidatos convocados para um processo seletivo, dois ou três aparecem. Isso acontece até em empresas que oferecem bons salários e benefícios”, conta Mary Mendonça, líder de relacionamento da Heach. Para atrair interessados, 78% dos recrutadores disseram ter de reduzir os pré-requisitos. “Se as empresas não se adaptarem, vão ter um nível de turnover elevado, o que implica custo e não manter a capacidade intelectual na empresa”, diz. •

PRIMEIRA PÁGINA

pt-br

2022-02-12T08:00:00.0000000Z

2022-02-12T08:00:00.0000000Z

https://digital.estadao.com.br/article/282089165190836

O Estado