O Estado de S. Paulo

Os melhores e os piores filmes do ano

Cinema Retrospectiva Em ano de celebração de ‘Ainda Estou Aqui’, ‘A Substância’, com Demi Moore, divide opiniões dos jornalistas do ‘Estadão’

Veja lista feita pelos críticos do Estadão

Escolher os melhores e piores filmes lançados em um ano é sempre uma missão difícil, extremamente pessoal, mas tradicional e benéfica para a valorização da indústria cinematográfica. Por isso, o Estadão pediu para críticos e jornalistas da redação listarem as produções de 2024 que eles julgam merecer lugar no ranking.

Cada um teve de escolher três melhores filmes e um pior, em ordem de preferência. Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, foi lembrado várias vezes, enquanto o controverso A Substância, de Coralie Fargeat, dividiu opiniões. BRUNO CARMELO

Os melhores filmes

• A Substância, de Coralie Fargeat: Este é não apenas o melhor filme de terror do ano, mas também um dos grandes acontecimentos do cinema recente. Fargeat desenvolve uma história de monstruosidades e excessos para refletir a pressão social sobre as mulheres e a deterioração contemporânea de nossa saúde mental. As atuações são excelentes, assim como as soluções visuais. Se o Oscar não fosse tão careta, A Substância levaria o prêmio de melhor filme. Onde ver: Mubi

• Ainda Estou Aqui, de Walter Salles: O cinema brasileiro precisava de uma obra deste porte, tão midiática e popular por seus atores quanto rigorosa na forma e profunda na investigação dos traumas da ditadura. O drama de Walter Salles condensou diversos anseios da época. E Eunice Paiva tem muito a dizer sobre a política de 2024. Em cartaz nos cinemas

• Here, de Bas Devos: Esta preciosidade passou despercebida no circuito comercial. A história é simples até demais: um trabalhador e uma pesquisadora se encontram na floresta, com objetivos diferentes, durante um único dia. As trocas entre eles e as imagens impressionam pelo domínio do diretor. Um estudo magnífico a respeito da solidão nas cidades grandes e de nossa relação com a natureza. Não disponível no streaming

O pior filme

• Ursinho Pooh: Sangue e Mel 2, de Rhys Frake-Waterfield: Se o ano de 2024 foi marcado por excelentes filmes de terror (além de A Substância, vale mencionar Sorria 2 e Imaculada), também tivemos novos exemplares de um exploitation de gosto duvidoso. A ideia de um Ursinho Pooh sanguinário soava ótima no papel. No entanto, desde o primeiro filme, o cineasta trabalha com um roteiro mal desenvolvido. No segundo filme, o orçamento aumentou, porém Frake-Waterfield manteve a estética amadora e o machismo no tratamento das personagens, além de incômodo teor racista. Onde ver: Prime Video

LUIZ ZANIN

Os melhores filmes

• Ervas Secas, de Nuri Bilge Ceylan: Ceylan é todo um estilo, reconhecível a cada fotograma. Consegue aliar densidade e leveza, de modo a nos conduzir a uma profundidade a que boa parte do cinema parece ter renunciado. De aparência atemporal, dialoga no entanto com o tempo atual, esmiuçando a conduta tida como imprópria por parte de um professor em crise. Cinema adulto, para adultos dispostos a refletir sobre o tempo em que vivemos e suas lacrações e violências disfarçadas de ativismo politicamente correto. Onde ver: Telecine

• Anatomia de Uma Queda, de Justine Triet: Drama bem conduzido sobre as incertezas da verdade absoluta. Mulher é acusada de ter matado o marido. Seria crime ou acidente? O espectador é conduzido por um labirinto de hipóteses e versões sem jamais chegar a uma conclusão. Longe de ser uma defesa do relativismo, o filme aponta para o trabalhoso caminho da verdade. Brilhante. Onde ver: Prime Video

• Ainda Estou Aqui, de Walter Salles: Adaptação sóbria e precisa do livro de Marcelo Rubens Paiva, narrando o desaparecimento do pai, o exdeputado Rubens Paiva, sequestrado pelos órgãos de repressão da ditadura militar.

Eunice passa a cuidar sozinha da família, forma-se em Direito e dedica a vida a saber o que aconteceu com seu marido. Salles introduz a questão política pela via do drama familiar. Há um bom tempo um filme brasileiro não comovia tanto o público. Em cartaz nos cinemas

O pior filme

• A Substância, de Coralie Fargeat: Ao perder o emprego, uma atriz envelhecida apela para uma substância que gera um clone mais jovem. Pretensa crítica ao etarismo e à ditadura da beleza, me parece um flop total ao apelar para a monstruosidade que parece mais misógina que muito discurso machista. Onde ver: Mubi

LUIZ CARLOS MERTEN

Os melhores filmes

• Antônio Cândido, Anotações Finais, de Eduardo Escorel: Eduardo Escorel vinha de um projeto amplo sobre o Estado Novo. A ambição não é menor nesse retrato do sociólogo, ensaísta e professor que pensou o Brasil. Conhecíamos o intelectual. Com base nas anotações finais do próprio Antônio Cândido, Esco

Não disponível no streaming

• Ainda Estou Aqui, de Walter Salles: Com base no romance autobiográfico de Marcelo Rubens Paiva, e transformando a casa numa metáfora do Brasil, ele logra aqui um de seus mais belos filmes. A casa alegre, cheia de gente e vida, esvazia-se. A casa vazia coloca na tela a transformação do Brasil pós-ditadura militar. Não seria o que é sem as duas Fernandas, mãe e filha, a Torres e a Montenegro. A prisão e morte de Rubens Paiva são vistos pelos olhos dessa brasileira que nunca deixou de lutar por Justiça.

Em cartaz nos cinemas

• O Dia Que Te Conheci, de André Novais Oliveira: A história do homem que não consegue acordar pela manhã e perde o emprego. Ele aceita uma carona e sua vida nunca mais será a mesma. O que faz um homem acordar cedo? São situações, e interrogações, que parecem pequenas, mas que a riqueza, e justeza, das observações do diretor e roteirista André Novais Oliveira transformam num grande filme. O romance ganha uma dimensão política. Basta olhar o cartaz, em que Grace Passô e André Novaes reproduzem a cena famosa de Julia Roberts e Richard Gere em Uma Linda Mulher. Se não fossem as Fernandas, não haveria para ninguém mais. Grace é um assombro. Não disponível no streaming

O pior filme

• A Substância, de Coralie Fargeat: No começo, o filme até parece interessante. Um olhar sobre o etarismo. Os problemas começam quando Demi Moore é demitida do programa que apresenta por Dennis Quaid, enquanto ele come feito um bicho. A cena antecipa a virada para o grotesco. A experiência com a substância cria a versão jovem de Demi. O mal-estar e, mais que isso, o horror instalam-se na casa clean. A Substância virou emblema do estado do cinema. Conceitos como estética e humanidade tornaram-se obsoletos, substituídos pelo ‘gênero’. O problema do horror é que cada novo filme tem de ir mais longe que o anterior. Até onde chegarão? O fundo do poço parece inalcançável. Onde ver: Mubi

MATHEUS MANS

Os melhores filmes

Segredos de um Escândalo, de Todd Haynes: Aula narrativa de cinema. A partir da história de uma atriz que vai conhecer melhor a inspiração para uma futura personagem, Haynes mostra como a mentira e os escândalos norteiam a vida e a existência das pessoas. Onde ver: Prime Video

• The Caine Mutiny Court-Martial, de William Friedkin: Pouco se discutiu sobre o último longa de William Friedkin, mestre por trás de O Exorcista. É um filme de tribunal cru. Em uma briga de versões, o cineasta transforma o público em júri e ainda faz uma reviravolta marcante no final. Onde ver: Netflix

• O Impostor, de Jöns Jönsson: O filme alemão fala sobre um rapaz que tem compulsão por mentir. Os primeiros 40 minutos são espetaculares: nunca senti tanto desespero com uma situação como essa, em que o personagem vai se enforcando dentro da própria mentira. É importante a forma como o longa trata a doença do protagonista e como não tem medo de passear por diferentes gêneros.

Onde ver: Prime Video

O pior filme

• O Tarô da Morte, de Anna Halberg e Spenser Cohen: Infelizmente, 2024 foi um ano com muitos filmes ruins de terror. Mas nenhum foi pior que O Tarô da Morte, que não consegue ser absolutamente nada – nem aterrorizante, nem engraçado. É um completo vazio sobre um grupo de amigos mortos por entidades inspiradas em cartas do tarô. Onde ver: Prime Video

MARIANE MORISAWA

Os melhores filmes

•La Chi mera, de Alice Rohrwacher: No cinema da diretora italiana, o mágico se mistura ao real, o sonho se embaraça com a vida, o tempo não faz muito sentido. Josh O’Connor brilha como Arthur, um arqueólogo em luto que se junta a um bando de ladrões de túmulos etruscos. Arthur está perdido de si mesmo e à procura da quimera do título. Como na vida, nem tudo se encaixa nem tem significado, embora tentemos desesperadamente encontrá-lo. La Chimera pede que o espectador abdique dessa busca e embarque em uma jornada de encantamento. Não disponível no streaming

• Vidas Passadas, de Celine Song: Muito se falou da estreia na direção da dramaturga como uma história de amor. E é: separados na infância, Na Young e Hae Sung reencontram-se online 12 anos mais tarde e ao vivo 24 anos depois. Mas Vidas Passadas usa silêncios e gestos pequenos e conta com as belas atuações de Greta Lee, John Magaro e Teo Yoo para ir além. É uma história de “e se?”, de desenraizamento, de desencontrar-se de sua identidade, de invenção de um novo eu, de saudades de quem você foi. Perdas e ganhos da vida. Onde ver: Apple TV+

• Cidade; Campo, de Juliana Rojas: A brasileira ganhou o prêmio de direção da seção Encontros no Festival de Berlim com um filme sobre migração. Na primeira parte, Joana (a excelente Fernanda Vianna) muda-se para São Paulo depois de um desastre ambiental e de um trauma. Na segunda, o casal Flávia (Mirella Façanha) e Mara (Bruna Linzmeyer) faz o caminho inverso, indo para um sítio depois de um luto. Nenhum dos dois ambientes é idílico, mas, em ambos, as personagens encontram suporte, conforto, amor e alegria em outras mulheres. O cotidiano e os momentos sobrenaturais, inexplicáveis, são vistos com olhar poético e algo misterioso, quase como sonho, incluindo uma longa e bela cena de sexo entre duas mulheres de corpos diferentes. Onde ver: Apple TV+

O pior filme

• Deadpool & Wolverine, de Shawn Levy: O filme de Shawn Levy tem aquilo que os fãs esperavam: um encontro entre o desbocado Deadpool (Ryan Reynolds) e o mal-humorado Wolverine (Hugh Jackman), cheio de piadas internas, figurações de luxo e lutas. Mas o filme não tem nada a dizer, a maioria das cenas de ação é genérica e toda a trama, que gira em torno da aceitação de Deadpool, um personagem que era da Fox, pela Marvel, apenas sublinha que antigamente até os filmes de super-heróis tentavam falar de algo. Onde ver: Disney+

NICO GARÓFALO

Os melhores filmes

• Rivais, de Luca Guadagnino: Traz uma tensão sexual hoje rara nos filmes de Hollywood. Zendaya tem uma das melhores atuações de sua carreira como a jovem jogadora e treinadora de tênis que fica entre dois melhores amigos, Mike Feist e Josh O’Connor. A direção ágil de Guadagnino casa perfeitamente com a trilha de Trent Reznor e Atticus Ross, que merece indicação para o Oscar. Onde ver: Disney+

• Super/Man: A História de Christopher Reeve, de Ian Bonhôte e Peter Ettedgui: Delicado retrato de um homem que levou os ideais de seu grande personagem para a vida real. O filme nunca deixa de mostrar o lado frágil do ator, lembrando de seus fracassos e de sua relação volátil com o pai. Um filme que honra a memória de um dos maiores ícones da cultura pop mundial. Onde ver: Max

• A Substância, de Coralie Fargeat: A Substância trouxe às telas um espetáculo que há muito não se via no cinemão hollywoodiano. As atuações de gala ajudaram o filme a se tornar um verdadeiro fenômeno, com críticas ao etarismo e sexismo da indústria constituindo parte integral da trama. Onde ver: Mubi

O pior filme

• Deadpool & Wolverine, de Shawn Levy: Nem o aguardado retorno de Hugh Jackman ao papel de Wolverine ajudou a salvar o projeto da mesmice. O filme parece mais interessado em criar piadas de duplo sentido do que em desenvolver sua trama. Onde ver: Disney+

BEATRIZ AMENDOLA

Os melhores filmes

• Ainda Estou Aqui, de Walter Salles: Sensível e delicado, mantém o espectador com as emoções à flor da pele de forma genuína. É uma história contada de forma primorosa, que parte do íntimo para retratar um dos períodos mais sombrios da nossa história, jogando luz sobre a dor da ausência imposta a muitas famílias.

Em cartaz nos cinemas

• Anatomia de uma Queda, de Justine Triet: Liderado pela brilhante Sandra Huller, o longa sobre uma mulher acusada de matar o marido é um excelente drama de tribunal, mas é, principalmente, uma investigação profunda e incômoda sobre a verdade e suas versões, capaz de provocar reflexões duradouras. Onde ver: Prime Video

• Rivais, de Luca Guadanigno: A produção é uma experiência sensorial, que constrói suas imagens de forma calculada para melhor servir à sua história de desejo, tensão e ressentimentos entre três tenistas, vividos por Zendaya, Josh O’Connor e Mike Faist (todos ótimos). A trilha sonora marcante de Trent Reznor e Atticus Ross é um perfeito complemento. Onde ver: Disney+

O pior filme

• Borderlands, de Eli Roth: Entre os grandes filmes hollywoodianos, este é certamente o mais infame do ano. O roteiro não tem pé nem cabeça, mas seu pior pecado é não ter nem charme nem carisma para compensar. Um desperdício dos talentos de Cate Blanchett e Jack Black. Onde ver: Apple TV+

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