‘Governo escolhe populismo e deve colher derrota eleitoral’
Para ex-diretor do BC, não há empenho em promover ajuste fiscal, o que deve levar a uma piora da economia
LUIZ GUILHERME GERBELLI
Ex-diretor do Banco Central para Assuntos Internacionais; é consultor da Pinotti & Schwartsman Associados
“O ritmo de crescimento está forte. Você pode dizer que é um resultado positivo. Seria positivo se fosse sustentável, mas ele tem dado todas as indicações de que não é um crescimento que vamos conseguir manter indefinidamente”
Ex-diretor do Banco Central, Alexandre Schwartsman avalia que o ritmo de crescimento da economia brasileira – o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 0,9% no terceiro trimestre – não é sustentável, dado que os bons números da economia têm sido impulsionados pelo consumo. “De onde vem o crescimento do consumo? Vem, principalmente, do aumento das transferências do governo federal para as famílias”, afirma Schwartsman, consultor da Pinotti & Schwartsman Associados e colunista do Estadão. “A política fiscal tem estimulado o consumo. Consome-se mais, e a economia reage, mas reage de maneira desigual.”
Schwartsman avalia que o governo não tem intenção de promover um ajuste fiscal, uma vez que isso evitaria medidas “politicamente custosas”. “Meu comentário sobre o pacote é que não fizeram mais porque têm receio de derrota eleitoral. Entre a derrota eleitoral e o populismo, eles escolheram o populismo. E vão colher uma derrota eleitoral”, afirma.
Como o sr. avalia o quadro da economia?
O ritmo de crescimento está forte. Você pode dizer que é um resultado positivo. Seria positivo se fosse sustentável, mas ele tem dado todas as indicações de que não é um crescimento que vamos conseguir manter indefinidamente. Primeiro, é um crescimento, do ponto de vista de demanda, liderado pela expansão do consumo. Se analisarmos o que aconteceu ao longo do ano ou no último trimestre, o consumo responde por mais ou menos uns dois terços do aumento da demanda doméstica. É o que está empurrando o PIB. E de onde vem o crescimento do consumo? Principalmente, do aumento das transferências do governo federal para as famílias, como as da Previdência, do Bolsa Família, do BPC (Benefício de Prestação Continuada), do abono, do seguro-desemprego. A política fiscal tem estimulado o consumo. Consomese mais, a economia reage, mas de maneira desigual.
O que seria essa maneira desigual?
O lado dos serviços está crescendo bem mais do que o lado da indústria. Se a gente for analisar nos últimos 12 meses ou ao longo do ano, quem está crescendo de maneira mais vigorosa é o segmento de serviços. As diferenças de ritmo nem são tão grandes, mas, como o setor de serviços é muito maior do que a indústria, ele representa 80% do crescimento do valor adicionado no País nos três primeiros trimestres do ano sobre o final de 2023. Então, basicamente, esse crescimento se traduz em expansão do setor de serviços. Por uma razão muito simples: serviços não podem ser importados. Se você está consumindo mais serviço, tem de produzir mais serviços. Tudo bem, se há mão de obra disponível, uma taxa de desemprego superalta, você pode aumentar tanto a produção de serviço quanto a industrial.
Mas não é o caso… Estamos com uma taxa de desemprego apertada. Obviamente, então, há um crescimento maior de serviços e um crescimento menor na indústria. Como a gente faz a diferença? Essa diferença vira um aumento da importação, que também aparece nas contas nacionais. Basicamente, esse crescimento da demanda tem pressionado as importações, por um lado, e tem pressionado o hiato do produto (diferença entre PIB potencial e efetivo que, quando é positiva, gera inflação). A taxa de desemprego vem caindo, e a inflação acelera. O que falei no começo do ano continua valendo. Crescer mais do que 3% vai dar problema, e estamos vendo os problemas agora. Não é por outro motivo que o BC está subindo os juros.
Até qual patamar o BC pode subir os juros?
A nossa cabeça é que vai até 13%, 13,25%, o que provavelmente não vai ser suficiente para fazer a inflação convergir para a meta (de 3%, com tolerância de até 4,5). Nesse momento, o objetivo do BC é não deixar a inflação escapar muito dos 4,5%. Ela vai estourar o limite em dezembro. Provavelmente, ao longo da primeira metade 2025, ela permanecerá acima disso.
Que avaliação o sr. faz do pacote fiscal?
O pacote é nitidamente aquém do que a gente precisa. A gente precisaria melhorar o resultado primário em cerca de R$ 300 bilhões. Mas o pacote não corta R$ 70 bilhões? Não, ele não corta. Em 2025, você gastaria R$ 30 bilhões a menos do que está previsto na lei orçamentária; em 2026, seriam R$ 40 bilhões a menos do que o previsto. Dado que há aumento de gastos no meio do caminho, não estamos cortando gasto nenhum. Estamos só limitando o ritmo de aumento. Concretamente, não temos maiores progressos no que diz respeito a produzir uma trajetória de resultados primários que evitassem que a dívida continuasse a crescer. A dívida vai continuar a crescer. Nesse aspecto, o pacote é ruim. E isso dando de barato que as medidas que foram divulgadas passarão todas, o que dificilmente vai ser verdade, porque, dentre elas, têm, por exemplo, as emendas parlamentares. Estão propondo cortar em torno de R$ 6 bilhões, R$ 7 bilhões por ano. Não sou diplomado em Ciência Política, mas algo me diz que isso não vai voar. Provavelmente, o pacote vai sair ainda menor do que o proposto.
E como o governo entrega a economia em 2026, ano eleitoral?
Já vai entrar numa situação bem delicada. É isso que eles não se deram conta. O meu comentário sobre o pacote é que não fizeram mais porque têm receio de derrota eleitoral. Entre a derrota eleitoral e o populismo, eles escolheram o populismo. E vão colher uma derrota eleitoral – para parafrasear Churchill (ex-premiê britânico). •
ECONOMIA & NEGÓCIOS
pt-br
2024-12-05T08:00:00.0000000Z
2024-12-05T08:00:00.0000000Z
https://digital.estadao.com.br/article/282071987475739
O Estado