Militares usam rede social para trocar experiências sobre ‘day trade’ na Bolsa
Grupo criado em 2021 compartilha notícias e promove reuniões online, com foco em derivativos de dólar; risco elevado nas operações deve entrar no radar do investidor
DANIEL ROCHA
A realidade do policial militar Jomarilo Gomes, de 41 anos, é bem distante do dia a dia das corretoras de investimento instaladas no entorno da avenida Faria Lima, região da cidade de São Paulo que concentra o centro financeiro do País. Enquanto os analistas acompanham o sobe e desce das ações na Bolsa, Gomes, que faz parte da Tropa de Choque da Polícia Militar de São Paulo, fica atento às movimentação das ruas da capital.
Nas horas fora da escala, porém, a sua rotina fica mais próxima da realidade dos profissionais do mercado financeiro. Isso porque Gomes deixa de lado o fardamento militar e assume o papel de um investidor do chamado “day trade” – que consiste em operações iniciadas e finalizadas no mesmo dia, utilizando o mesmo ativo de renda variável, como uma ação.
“Vi que dá para ter um dinheiro extra sem correr o mesmo risco que corro na rua”, diz o PM. O primeiro contato com o mundo dos investimentos aconteceu em 2021 com outros militares da mesma corporação. O começo não foi como imaginava. No lugar de lucro, perdeu R$ 2 mil que havia investido em contratos de minidólar, que giram em torno das cotações futuras de dólar comercial.
“Tirei do meu salário sem nenhum planejamento financeiro e perdi quase 50% em um único dia”, conta. A experiência nada agradável serviu de aprendizado para as próximas operações. O prejuízo no bolso obrigou Gomes a perceber que lucrar na Bolsa de Valores exige estudo e estratégia de investimento. Hoje, ele estuda cerca de cinco horas nos tempos de folga.
As horas de estudo contam com a ajuda de outros 40 colegas de profissão – e com até mais tempo de experiência na Bolsa. Em um grupo nas redes sociais, chamado de Ewtinvest, eles compartilham as principais notícias do mercado. A ideia é auxiliar outros investidores nas operações de compra e venda de minidólar. O controle do grupo fica nas mãos de Alex Ervilha, bombeiro militar de São Paulo, que está desde 2016 na Bolsa.
“Como as minhas operações estavam dando certo, comecei a ensinar outros policiais militares interessados no assunto”, relata ele, sobre a criação do grupo, em 2021. A parceria entre esses investidores não se resume apenas ao compartilhamento de informações. O grupo também realiza reuniões online para estudar as particularidades do mercado financeiro e, principalmente, do minidólar.
RETORNO. Os erros cometidos no passado ajudaram Gomes a, finalmente, conseguir a renda extra na Bolsa. Ele relata que as operações em minidólar entregam um retorno mensal entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil nos últimos seis meses. “O dinheiro ajuda a melhorar as nossas vidas e até a da nossa família”, diz o policial.
No entanto, ao contrário das primeiras vezes, os investimentos não são mais feitos com o próprio capital. Gomes faz parte da lista dos 4,5 mil investidores que já passaram pela Axia Investing, que atua desde 2017 como mesa-proprietária no mercado – empresas que disponibilizam o seu capital para outras pessoas operarem no day trade na Bolsa.
“Só o nosso capital entra em jogo. O risco do investimento fica 100% para a gente”, diz Antonio Marcos Samad Júnior, CEO da Axia Investing. A contratação não acontece de forma aleatória. Antes de entrar para a mesa-proprietária, o investidor passa por uma avaliação com provas e simuladores de operações para saber se possui conhecimento e habilidade para operar o capital da empresa na Bolsa.
Se aprovado, o profissional assina um contrato em que estabelece todas as regras para as operações, assim como a divisão dos lucros. “Se tiver resultados financeiros positivos, o investidor recebe um porcentual do lucro.” Há também um limite de perdas: se atingir esse limite, automaticamente o profissional é desligado da mesa.
Ervilha também faz parte da lista de investidores contratados pela Axia. Assim como Gomes, após perder cerca de R$ 20 mil na Bolsa, o bombeiro militar opera apenas na mesa proprietária para não colocar em risco o seu patrimônio, e consegue triplicar a renda mensal ao conquistar uma extra até duas vezes maior do que o seu salário de militar. “É mais fácil largar o Corpo de Bombeiros do que a Bolsa”, diz ele.
RISCO. Segundo os dados da B3, os contratos futuros de dólar comercial são o segundo contrato derivado mais negociado no mercado brasileiro. Ele perde apenas para o contrato futuro de DI. O ativo costuma ser utilizado para proteger ou para especular com preços da moeda americana em uma data futura e possui um aporte inicial de R$ 10.
O valor inicial baixo atrai os investidores. No entanto, Ernani Reis, analista da Ágora Investimentos, alerta para uma característica de risco dessa classe de ativos: a alta volatilidade. “Esses são os contratos mais voláteis da Bolsa. O minidólar pode subir 10% a 15% e, logo depois, cair mais de 20%.”
As mesas-proprietárias podem ser uma alternativa para quem não quer usar o próprio capital. Mas é preciso ficar atento às condições do contrato. Segundo Ricardo Brasil, fundador da Gava Investimento, algumas mesas vendem cursos e certificações para que o profissional opere na empresa antes de firmar contrato com o investidor. “A pessoa gasta R$ 2 mil a R$ 3 mil para conseguir operar e, depois, opera com um capital pequeno.” •
Interesse
Os contratos futuros de dólar só perdem para os de DI em volume negociado na Bolsa
E-INVESTIDOR
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2023-06-19T07:00:00.0000000Z
2023-06-19T07:00:00.0000000Z
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