O Estado de S. Paulo

Decreto contra fraude no diesel veta acesso da ANP a dados fiscais

Frente parlamentar vai propor projeto de lei para obrigar Receita a fornecer informações à agência

MARIANA CARNEIRO

O governo publicou ontem decreto que estabelece punições para distribuidores que não seguem as obrigações da mistura de biodiesel ao diesel fóssil. Também há sanções para os empresários do setor que tentarem burlar as metas de descarbonização estabelecidas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Mas, numa derrota para o biodiesel, a Receita Federal conseguiu vetar o acesso da ANP a dados de notas fiscais, como defendia o setor privado, como medida para ampliar a fiscalização dos combustíveis. Como mostrou o Esta

dão, a Receita alegou risco de quebra de sigilo fiscal.

Empresários e produtores de biodiesel se mobilizaram nos bastidores, com o apoio do Ministério de Minas e Energia, para tentar emplacar essa inovação na fiscalização, com o argumento de que as fraudes na mistura de biodiesel aumentaram, e a ANP não tem estrutura para monitorar todos os postos de combustíveis do País.

A discussão acabou sendo mediada pela Casa Civil, que endossou a posição da Receita Federal. Segundo apurou o Estadão, o argumento usado pelo governo foi que a abertura de dados fiscais dependeria de uma autorização legal, por meio da aprovação de um projeto de lei complementar, uma vez que o sigilo desse tipo de informação está previsto no Código Tributário Nacional.

Assim, a Frente Parlamentar do Biodiesel já se organiza para propor um projeto de lei como resposta ao governo.

O presidente da frente, deputado Alceu Moreira (MDBRS), afirma que a iniciativa já recebeu o apoio do também deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), que relatou o projeto do Combustível do Futuro, do presidente da Frente Parlamentar do Agronegócio, Pedro Lupion (PP-PR), e do presidente da Frente Parlamentar do Etanol, Zé Vitor (PL-MG).

DECEPÇÃO. Em nota publicada ontem, Moreira disse que a frente do biodiesel está profundamente descontente com a decisão do governo. “Após reiterados pedidos de parlamentares e lideranças do setor de combustíveis, esse episódio evidencia o descolamento de certos segmentos do governo federal, em particular o Ministério da Fazenda, em relação à realidade do setor e ao combate às irregularidades que consomem o País. Caberá ao Congresso Nacional, portanto, corrigir em lei essa grave distorção”, afirmou Moreira.

As grandes distribuidoras de combustíveis também agem nos bastidores para reforçar a fiscalização. O argumento dessas empresas é de que concorrentes de bandeira branca não vêm seguindo a obrigação de realizar a mistura, o que prejudica a competição – já que o biodiesel encarece o diesel nas bombas.

“Após reiterados pedidos de parlamentares e lideranças do setor de combustíveis, esse episódio evidencia o descolamento de certos segmentos do governo federal, em particular o Ministério da Fazenda, em relação à realidade do setor e ao combate às irregularidades que consomem o País. Caberá ao Congresso Nacional, portanto, corrigir em lei essa grave distorção”

Alceu Moreira (MDB-RS) Deputado federal

Pelas regras atualmente em vigor, a cada litro de diesel vendido nas bombas 14% devem ser compostos de biodiesel, de origem vegetal, geralmente derivado do óleo de soja.

Desde o ano passado, os preços do biodiesel e do diesel fóssil se descolaram, com o aumento maior do combustível renovável em razão da alta na cotação da soja e do óleo de soja. Segundo as distribuidoras, isso ampliou o problema, com mais distribuidoras ignorando as regras de mistura.

‘LISTA NEGATIVA’. De acordo com a minuta de decreto elaborada pelo Ministério de Minas e Energia (MME), a ANP poderia monitorar os estoques próprios e de terceiros para averiguar se as vendas estão compatíveis com o volume de diesel negociado por meio da conferência das notas fiscais.

A agência, então, publicaria uma lista das distribuidoras com informações inconsistentes, que por sua vez teriam cortado o fornecimento de combustível.

O decreto presidencial afirma apenas que a ANP fará o controle dos estoques, mas não diz como isso será feito. O temor do setor privado é de que a medida não surta os efeitos desejados no sentido de incrementar a fiscalização.

O texto mantém, no entanto, a lista negativa para as distribuidoras que apresentarem informações inconsistentes à ANP, o que foi considerado um avanço. Essas distribuidoras serão proibidas de comercializar combustíveis e terão o fornecimento interrompido.

O texto também traz punições para as distribuidoras que não cumprirem as regras de descarbonização definidas pela ANP por meio da compra de certificados, os chamados Cbios (créditos de descarbonização), de produtores rurais que capturam carbono da atmosfera.

Uma crítica recorrente das grandes distribuidoras é de que apenas as maiores empresas estavam respeitando as regras e adquirindo esses certificados. Já as distribuidoras piratas nem compravam os Cbios ou, então, adquiriam títulos vendidos irregularmente.

Uma lei aprovada no ano passado buscou disciplinar esse mercado de Cbios, estabelecendo punições mais severas para as distribuidoras que descumprirem as regras, com multas que podem chegar a R$ 500 milhões e proibição de comercializar combustíveis. É justamente essa lei que agora está sendo disciplinada por meio do decreto do governo.

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2025-04-18T07:00:00.0000000Z

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