Pesquisa da Serasa mapeia relação entre dívidas e saúde mental no País
No estudo, 78% dos entrevistados disseram que dívidas afetam a produtividade e o foco no trabalho; no Sudeste, 67% relataram que o problema os abala emocionalmente
MURILO MELO
A paulistana Maria Clara Campos, de 49 anos, desdobra-se entre a vida profissional como professora universitária e os cuidados com a saúde mental. Desde 2022, ela desembolsa R$ 2.800 por mês com consultas psiquiátricas, sessões de terapia e medicamentos antidepressivos. “Sei que é um custo alto, mas não dá para ignorar o que está acontecendo comigo”, diz. Como a professora, quase metade das famílias da região Sudeste do Brasil tem no orçamento despesas relacionadas à saúde mental, de acordo com uma pesquisa da Serasa.
A conexão entre finanças e saúde mental parece inegável. No Sudeste, 67% dos entrevistados admitiram já ter enfrentado problemas de saúde mental, enquanto 81% relataram alguma dificuldade financeira. Muitas vezes, as contas não pagas se transformam em noites sem sono e crises de ansiedade. Essa combinação levou Maria Clara aos vícios em álcool e cigarro. “Eu costumava acordar às três da manhã pensando no que estava devendo e não conseguia mais dormir. Só melhorou quando comecei a fazer terapia”, conta ela.
O estudo, que faz parte da 10ª edição do Serasa Comportamento, ouviu consumidores de todas as regiões do País, de 18 até 60 anos ou mais. E revela que 55% das pessoas acreditam que um cotidiano menos estressante leva a decisões financeiras mais acertadas. A questão, porém, envolve escolhas difíceis: cortar um gasto essencial ou investir em saúde mental? Os gastos com saúde mental já ocupam o sexto lugar entre as prioridades das famílias, à frente de despesas com carros e serviços de assinatura, como os streamings Netflix e Disney+.
Para a psicóloga Valéria Meirelles, especialista em finanças comportamentais, o problema não está apenas no dinheiro, mas na forma como ele molda relações e sentimentos. Segundo ela, muitas vezes, quem passa por dificuldade sente vergonha de pedir ajuda ou de admitir o problema financeiro, o que só agrava o impacto emocional. E no trabalho, conforme a pesquisa, o efeito não é menor: 78% dos entrevistados disseram que as dívidas afetam a produtividade e o foco profissional.
‘DESGASTE EMOCIONAL’. “Não se trata de incompetência, mas de um desgaste emocional que poderia ser evitado com suporte psicológico e financeiro”, diz a psicóloga.
Iniciativas das empresas para apoiar a saúde mental das equipes ainda são raras, mas podem ser decisivas. Para Valéria, as companhias deveriam proporcionar acesso a orientações sobre dinheiro e a programas de bem-estar financeiro e emocional, pois ambos melhoram o am
ceira da Serasa, diz que os dados apontam que muitas dificuldades estão relacionadas à desorganização com o dinheiro e ao acúmulo de dívidas. Segundo o levantamento, 55,9% dos entrevistados apontam o acúmulo de dívidas como consequência dos problemas emocionais, seguido por desorganização financeira (52,6%) e gastos impulsivos (28,3%). A especialista ainda destaca que a ansiedade, principal problema mental identificado nas entrevistas, afeta especialmente mulheres, jovens e cidadãos de renda baixa, com prevalência maior entre os que enfrentam dificuldades financeiras.
PLANEJAMENTO. Raony Rossetti, CEO da plataforma Melver de formação em educação financeira, diz que o equilíbrio financeiro e emocional começa com um diagnóstico claro sobre o orçamento. Ele recomenda listar todas as dívidas e organizá-las por taxas de juros mais altas e mapear receitas e despesas mensais. Essa arrumação inicial permite estabelecer metas, como determinar um valor fixo para amortização de compromissos e eliminar os mais caros primeiro. Além disso, Rossetti sugere cortar gastos supérfluos, renegociar condições com credores e buscar alternativas de renda, como trabalhos freelancers e venda de itens usados.
Para prevenir o endividamento e os problemas psicológicos que dele decorrem, Rossetti enfatiza a importância da educação financeira. Em um País onde muitos brasileiros gastam mais em apostas do que investem, diz ele, a falta de conhecimento agrava o superendividamento e o impacto emocional das dívidas. A chave, segundo ele, está em combinar planejamento financeiro com ações práticas, como acesso a recursos gratuitos de saúde mental e metas alcançáveis.
Larissa Quaresma, analista da Empiricus Research, diz que poupar ao menos 10% da renda mensal e investir de forma alinhada aos objetivos pessoais pode transformar a vida financeira ao longo do tempo. “A disciplina com o orçamento pessoal evita o endividamento caro ou excessivo, e permite a manutenção do poder de compra, algo essencial para realizar sonhos”, diz, advertindo que nenhum plano financeiro é viável sem saúde mental: é preciso buscar um estado de calma e serenidade antes de enfrentar problemas com o dinheiro. •
biente de trabalho e aumentam a produtividade.
Embora a pesquisa da Serasa não aborde diretamente os gatilhos financeiros para problemas de saúde mental, Laís Gabriel, especialista em educação finan
“Eu acordava às três da manhã pensando nas dívidas e não conseguia dormir. Só melhorou com a terapia” Maria Clara Campos, professora
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