O Estado de S. Paulo

‘Dou liberdade com responsabilidade; cada um é CEO do seu m²’

Executivo da MedQuímica, que começou como atendente no McDonald’s, conta como conquistou posições Formado em Comunicação, trabalhou como atendente no McDonald’s e foi vendedor; atua na área farmacêutica há 26 anos

JAYANNE RODRIGUES

“O desafio é conseguir extrair o melhor de cada um. Você nunca vai ter a melhor equipe em tudo. Gerenciar é dar condições e entender onde a pessoa vai render melhor”

No comando do grupo farmacêutico Lupin/MedQuímica, o executivo Alexandre França implementou diversas estratégias para colocar as contas da empresa nos eixos. Sob sua liderança, a corporação fechou 2021 com lucro após sete anos no vermelho. Há mais de dois anos, a companhia trocou um escritório luxuoso que custava mais de R$ 2 milhões por ano por um local de trabalho compartilhado na Avenida das Nações Unidas, zona sul da capital paulista.

Quem observa o desempenho do CEO talvez não imagine que seu primeiro emprego foi como atendente do McDonald’s no Rio de Janeiro. “Me orgulho muito de ter começado lá”, afirma em entrevista ao Estadão. França está no mercado farmacêutico há mais de 26 anos. Desde então, diz ter abandonado alguns comportamentos. Agora, afirma ser menos ansioso e radical.

As mudanças incluem a descoberta da preferência pelo modelo de trabalho híbrido e maior priorização da vida pessoal. O fim do expediente não ultrapassa 18h, mas a disciplina na entrega é inegociável.

Como foi o início da sua carreira?

Aos 18 anos, em 1991, comecei como atendente de lanchonete do McDonald’s no Rio de Janeiro. Cheguei a ser gerente de loja. Foi um grande aprendizado porque naquela época era uma empresa que priorizava o treinamento e a cultura. Agora, talvez pelo gigantismo, isso tenha se perdido um pouco. Até hoje guardo coisas que aprendi no McDonald’s. As lojas utilizavam o princípio QSL: qualidade, serviço e limpeza. Tinha um supervisor que passava a ponta do bocal da caneta BIC embaixo das mesas. Não podia sair nada, senão tomava uma advertência. Quando vou à fábrica da MedQuímica, passo o dedo nos armários. Também aprendi no McDonald’s sobre treinamento. Quando você está com alguém mais inexperiente ou mais novo, precisa ter a consciência de que está treinando a pessoa. Mesmo que não seja oficialmente, ela está te observando.

Depois migrou para a L’Oréal?

Trabalhava durante o dia no McDonald’s e à noite estudava na PUC-Rio. Fiz Publicidade e Jornalismo, mas nunca atuei como jornalista ou publicitário. Me formei, e logo em seguida a L’Oréal abriu um programa de trainee. Comecei como vendedor na Baixada Fluminense. Foi um desafio, era uma região complicada em termos de violência e um mercado retraído para produtos caros como os da L’Oréal. Mas consegui vender bem e fui promovido a gerente. Fiquei na empresa até 1997. Nesse ano, uma diretora de RH – que conheci na L’Oréal – me convidou para trabalhar na farmacêutica SmithKline Beecham. Entrei há 26 anos no mundo farmacêutico e não saí nunca mais.

Como foi esse processo de gerir pessoas?

O desafio é conseguir extrair o melhor de cada pessoa, não é ter a melhor. Você nunca vai ter a melhor equipe em tudo. Gerenciar pessoas é dar condições e entender onde o funcionário vai render melhor.

Você assumiu o cargo de CEO na MedQuímica em plena pandemia, em 2021. O que fez para extrair o melhor das pessoas diante daquele contexto?

A primeira coisa foi trabalhar a cabeça. Era um time com a autoestima muito abalada. Como era uma empresa que estava havia mais de sete anos sem dar lucro, as pessoas achavam que não eram capazes. Tentamos mostrar que a empresa tinha uma série de oportunidades. Exemplo: por que preciso de um escritório de R$ 2 milhões de aluguel por ano? Não posso estar em um coworking oferecendo boas condições na mesma região? (A empresa desembolsava R$ 2 milhões anualmente com escritório. Hoje, paga R$ 200 mil por ano em espaço compartilhado.)

Houve alguma resistência com essa mudança?

Era tão óbvio que ninguém questionou. Inclusive, existia um desejo, mas ninguém levantou a possibilidade porque o escritório era a menina dos olhos da companhia, um símbolo de status. A partir daí, consegui trazer as pessoas para o meu lado. A virada de 2021 para 2022 foi o primeiro ano em que a empresa deu lucro em sete anos. Nunca mais demos prejuízo.

Defina seu estilo de líder

É um estilo de liberdade com responsabilidade. Cada um é o CEO do seu metro quadrado. Ou seja, na sua área, você é responsável e tem autonomia. Dificilmente, vou dar palpites que mudem a sua visão ou a sua gestão. O meu papel como principal gestor da companhia é orientar caso esteja indo para o abismo. Tenho duas conversas fixas a cada mês com a equipe. No início do mês, em que me dizem quais são os planos, e no final do mês, para contar o que cumpriram. Se no dia 15 já cumpriu tudo que acordou comigo e quer passar os outros 15 dias na praia, pode ir, não há problema. O meu papel é dizer: ‘Você conseguiu em 15 dias cumprir tudo o que planejou para 30 dias. O que acha de no lugar de passar 15 dias na praia ficar só uma semana e trabalhar os outros sete dias para entregar mais?’. Uma grande vantagem de ser CEO é ter acesso a todas as áreas da empresa. Se vejo algo incrível, posso transferir esse conhecimento para outros setores.

Seu endereço fixo é no Rio de Janeiro, mas semanalmente viaja até a fábrica em Juiz de Fora (MG) ou para o escritório de São Paulo. Como faz para estabelecer uma rotina?

Sou bem disciplinado, mas também deixo espaço para flexibilidade. Normalmente, estou em casa no Rio na segunda e na sexta. Nas terças, quartas e quintas divido meu tempo entre o escritório em São Paulo e a fábrica em Juiz de Fora. Independentemente de onde esteja, mantenho minha rotina de exercícios físicos. Também não abro mão de buscar minha filha mais nova na escola às segundas e sextas. Sou louco e apaixonado pelo que faço, mas sou mais apaixonado pela minha família e pelo meus amigos. •

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