O Estado de S. Paulo

Orçamento pode ter corte de R$ 5 bi; ministérios reclamam

Relatório com projeções para uma década apresentado pelo órgão reforça a importância da âncora fiscal

ADRIANA FERNANDES BRASÍLIA ROBERTO GODOY SÃO PAULO

Mesmo com a alta na arrecadação, o governo será obrigado a cancelar gastos às vésperas da eleição para cumprir a regra que limita despesas à variação da inflação

Governo pode reduzir o contingenciamento de R$ 5 bi para próximo de R$ 3 bi com ajustes por dentro do próprio Orçamento

Mesmo com a continuidade do processo de alta da arrecadação, o governo, às vésperas das eleições, vai ser obrigado a cortar e cancelar novamente gastos para o cumprimento do teto de gastos, a regra que limita o crescimento das despesas à variação da inflação.

Os cálculos iniciais apontam para a necessidade de um corte efetivo em torno de R$ 5 bilhões, segundo apurou o Estadão. Mas o valor poderá cair para um patamar mais próximo de R$ 3 bilhões com ajustes por dentro do próprio Orçamento.

O tamanho do corte só deverá ser definido amanhã no envio ao Congresso do novo relatório bimestral de avaliação de despesas e receitas do Orçamento. Nesse relatório, o governo é obrigado a corrigir desvios que possam implicar o descumprimento do teto ou da meta de resultado primário. O anúncio só deverá ocorrer na segunda-feira.

Como há excesso de arrecadação, o problema neste ano é o teto de gastos, que segue muito apertado, apesar da flexibilização com as mudanças feitas pelo Congresso para adiar parte do pagamento dos precatórios (dívidas que a União é obrigada a bancar depois de sentenças judiciais). Também não houve reajuste de 5% dos salários dos servidores públicos, nem mesmo para as carreiras policiais, apesar da promessa do presidente Jair Bolsonaro à categoria.

LEI PAULO GUSTAVO. Novas despesas apareceram, porém, desde o último relatório bimestral de maio, entre elas, a derrubada pelo Congresso do veto presidencial às Lei Paulo Gustavo, que determina o repasse de R$ 3,86 bilhões do Fundo Nacional de Cultura (FNC) para fomento de atividades e produtos culturais em razão dos efeitos econômicos e sociais da pandemia de covid-19. A lei é uma homenagem ao ator e comediante que morreu vítima da covid-19.

Uma previsão maior de gastos dos benefícios da Previdência poderá entrar na conta. Além disso, o Congresso proibiu o governo de bloquear recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). No total, R$ 2,5 bilhões contingenciados do fundo terão de ser desbloqueados.

FORÇAS ARMADAS. Essas novas despesas podem obrigar o governo a ter que fazer bloqueio de emendas parlamentares. Se elas forem preservadas, o corte adicional vai exigir mais aperto dos ministérios. O Ministério da Defesa, que teve um bloqueio de R$ 706 milhões no último relatório, cobra recursos para custeio das operações das três forças: Exército, Marinha e Aeronáutica. O problema é maior na Marinha, com adiamento de projetos, testes e operações. A Polícia Federal também vem se queixando da falta de verbas e dizendo que será preciso interromper as operações.

BLOQUEIOS. No dia 6 de junho, o Ministério da Economia anunciou a necessidade de um bloqueio maior do Orçamento, de R$ 8,7 bilhões. O bloqueio inicial tinha sido de R$ 8,24 bilhões, na época do anúncio do segundo relatório do Orçamento, no final de maio, mas o governo ampliou o corte para recompor em R$ 463 milhões o Orçamento do Ministério da Economia destinado ao atendimento de despesas emergenciais (manutenção de sistemas, pagamento de tarifas bancárias para a prestação de serviços).

O bloqueio efetivo, na prática, foi de R$ 6,96 bilhões, porque foi usada a reserva que existia de R$ 1,74 bilhão para reestruturação de carreiras das polícias Federal e Rodoviária Federal e de agentes penitenciários. Como essa medida não aconteceu, não haverá necessidade de recomposição desse reserva. •

Com o teto de gastos da forma atual até 2027, a dívida bruta do governo chega a um nível abaixo de 70% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2031, segundo estimativas do Tesouro Nacional. O governo projeta queda da dívida em dez anos, de 80,3% em 2021 para 69,9% em 2031. No último ano do governo Jair Bolsonaro, ficará em 78,3%,

No relatório, já embute a correção do teto de gastos de 1,5% acima da inflação a partir de 2027, quando a emenda que criou a regra prevê a possibilidade de revisão da principal âncora fiscal brasileira.

É a primeira vez que o Tesouro publica uma trajetória de projeções com prazo tão longo, antes usada somente para consumo interno. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o prazo é de três anos. O relatório está sendo destrinchado pelos analistas do mercado financeiro porque contém hipóteses com informações a que somente o governo tem acesso, inclusive com a evolução dos gastos com precatórios (despesas que a União é obrigada pela Justiça a pagar), concessões, pagamento de dividendos e devolução de empréstimos do BNDES.

“É um documento que é construído há mais de cinco anos, que abre um debate técnico. Um debate sujeito a críticas, que são sempre bem-vindas ”, disse ao Estadão o subsecretário da Dívida Pública do Tesouro, Otávio Ladeira. Ele lembra que o Tesouro foi criticado por ter sido otimista na estimativa da dívida durante a pandemia, enquanto no mercado circulavam projeções em que o endividamento bateria 100% do PIB.

Ladeira disse que, com o teto mantido ainda que com um ajuste, as despesas primárias caem de 18,6% para 15,3% do PIB em 2031. “Mesmo com alguma reformulação que pode ser feita no teto, e a nossa hipótese preserva o princípio dele, ele presta um serviço muito importante do ponto de vista da consolidação fiscal”, ressaltou. “Nosso cenário é que rompemos para baixo os 80%, e não voltamos mais para ele.”

No entanto, como mostrou o Estadão, a mudança no teto deverá ser antecipada no próximo governo, conforme as sinalizações das campanhas dos principais candidatos, inclusive por Bolsonaro, que já reclamou publicamente do teto e pediu mudanças ao ministro da Economia, Paulo Guedes, para abrir espaço para mais gastos com obras e investimentos num eventual segundo mandato. Guedes é favorável ao ajuste.

NO AZUL. O relatório prevê que as contas do governo passem para o azul dez anos após entrar seguidamente no vermelho. A previsão é de um superávit de 0,2%, saltando para 2,5% do PIB ao final do período.

Com a arrecadação batendo recordes, Guedes tem falado a interlocutores que será possível ter um superávit já neste ano, mesmo com o aumento de R$ 41,2 bilhões de gastos para pagar os novos auxílios.

Com a mudança de déficit para superávit, a dívida pública diminui ao longo da década, chegando a 70% do PIB, mas ainda longe dos demais países emergentes (próximo de 60%). O Tesouro projeta receitas maiores, o que explica o resultado fiscal ficar positivo já em 2024.

A redução da despesa é resultado do fato de o ritmo de correção das despesas ser menor do que a variação do PIB projetada. Além disso, a partir de 2027, os precatórios deixarão de ser limitados após os efeitos da emenda aprovada em 2021 que limitou o pagamento a um teto anual. O cenário já incorpora o pagamento de 0,5% do PIB do estoque acumulado na vigência do limite para os precatórios.

Para o diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Daniel Couri, a divulgação do relatório com projeções em dez anos é bem-vinda. “É mais transparência e mais informações para quem toma decisão”, disse.

No cenário-base da IFI, a dívida bruta estará em 2031 em 84,7%. Nessa projeção, o teto não é cumprido, e as despesas não obrigatórias são corrigidas pela inflação. O cenário leva em conta um crescimento do PIB menor do que o do Tesouro, mais próximo de 2%, enquanto o do Tesouro foi de 2,5% na maior parte do ano. •

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2022-07-21T07:00:00.0000000Z

2022-07-21T07:00:00.0000000Z

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