O Estado de S. Paulo

Negação, autoengano e mistificação

ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

Na entrevista coletiva que concedeu em 30 de janeiro, o presidente negou peremptoriamente que seu governo e o País estejam enfrentando sérias dificuldades fiscais. Houve uma escalada. Na esteira da nova política de comunicação, o negacionismo relacionado à questão fiscal mudou de patamar.

Os interessados em avaliar por conta própria a extensão da escalada podem e devem assistir ao trecho curto que tem início no 63.º minuto do vídeo da entrevista, disponível no YouTube.

A pergunta, muito oportuna, foi feita pela jornalista Delis Ortiz, da Rede Globo. “O senhor entende que cumpriu a necessidade de contenção de gastos para o equilíbrio fiscal de longo prazo? Porque o problema do mercado não é hoje. É daqui para a frente. O que a gente quer saber é se o senhor considera que cumpriu a necessidade de baixar o rombo fiscal.”

A resposta foi espantosa, para dizer o mínimo. “Não existiu rombo fiscal. Rombo fiscal existiu no governo passado. No nosso não houve. Aliás, se não fosse o Rio Grande do Sul nós teríamos feito superávit, pela primeira vez, em muitas décadas. Quero que as pessoas tenham certeza que neste governo não haverá irresponsabilidade fiscal. Meu histórico é a prova disso. Eu não tento discutir aquilo que meia dúzia de

O negacionismo do governo relacionado à questão fiscal mudou de patamar

pessoas querem. Eu quero discutir aquilo que interessa à maioria das pessoas. É gerar emprego, é gerar renda para essas pessoas.”

Os fatos negados e renegados saltam aos olhos. O reles déficit primário quase zero, de 2024, a que Lula se refere ficou muito aquém do esforço fiscal necessário para impedir que a dívida do setor público continue a aumentar de forma alarmante. De 72% do PIB, em 2022, para 86% do PIB em 2026. São essas as proporções do rombo fiscal que Lula deixará. E que, na entrevista, jurou não existir.

Não se trata de autoengano. O governo sabe perfeitamente de tudo isso. A ideia é bem outra. É, sem qualquer recato, partir para a mistificação grotesca e deslavada, sob o velho mito de que, “em eleição, a gente faz o diabo”.

A palavra de ordem no governo, já em modo eleitoral avançado, é negar de forma incisiva e reiterada que o descontrole do endividamento público sequer exista. E continuar brandindo o déficit primário quase zero como suposta prova irrefutável disso.

Pode até ser que, por algum tempo, a “maioria das pessoas” possa ser iludida. O problema, na longa travessia até a disputa presidencial, será a reação da “meia dúzia de pessoas” a que o presidente alude. Poderá ser um deus nos acuda.

ECONOMIA & NEGÓCIOS

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2025-02-14T08:00:00.0000000Z

2025-02-14T08:00:00.0000000Z

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