O Estado de S. Paulo

Empresas transformam lixo tirado do mar em óculos e embalagens

Companhias buscam investir em ações sustentáveis em sua cadeia de produção e contam com parcerias de ONGs

EUZIANE BASTOS

Só o Brasil lança 3,44 milhões de toneladas de sacolas plásticas, garrafas, canudos e embalagens no oceano.

A reciclagem de lixo retirado do mar virou um bom negócio. Com a agenda sustentável cada vez mais relevante dentro das corporações, empresas de diferentes setores apostam na criação de novos produtos, como embalagens, sacos de lixo e até óculos. Tudo feito à base de resíduos coletados nos oceanos por organizações não governamentais (ONGs).

Estudo feito pelo Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU), por meio do projeto Blue Keepers, aponta que só o Brasil lança 3,44 milhões de toneladas de sacolas plásticas, garrafas PET, canudos, embalagens de xampu e isopor no ambiente a cada ano. No total, são cerca de 80 milhões de toneladas de resíduos produzidos em solo brasileiro anualmente.

Os dados fizeram com que empresas como a paulista Embalixo, que comercializa sacos de lixo há mais de 19 anos, pensasse em uma linha de sacos feitos com plásticos retirados do oceano.

A Embalixo Oceano, como foi batizada, é uma linha que representa um esforço para auxiliar na diminuição da poluição que esses resíduos causam ao ecossistema marinho. Segundo o CEO da Embalixo, Rafael Costa, a principal meta atrelada aos produtos Oceano é atingir a marca de 150 toneladas de plástico reciclado nos primeiros 12 meses.

Para que isso aconteça, a empresa conta com a parceria da ONG Instituto Argonauta, que realiza a coleta do plástico utilizado para a fabricação dos sacos de lixo. A previsão de Costa é de que a Embalixo invista R$ 50 milhões nos próximos três anos.

Com novas máquinas, Costa está otimista para que o projeto, que comemora a retirada de 12 toneladas de plástico do oceano, aumente sua coleta progressivamente.

ÓCULOS ‘VERDES’.

Outra marca que investe em ações semelhantes é a Chilli Beans. Em 2021, a empresa criou uma linha de óculos feita com resíduos retirados do oceano. Um pouco mais velha do que a Embalixo, a Chilli Beans está há 25 anos no mercado, sendo os últimos cinco apontados pelo chefe de design, Marcel Gignon, como os iniciais para o investimento em produtos sustentáveis.

“Já trocamos todos os nossos cases, que eram de plástico, para material reciclável – são mais de 2 milhões de peças por ano. Temos o desafio de ser a marca de óculos mais sustentável do mundo nos próximos anos, e estamos evoluindo para isso”, diz Gignon.

Além de ONGs brasileiras, a empresa buscou pelo mundo organizações que trabalhassem com essa coleta de resíduos do oceano e chegou a países asiáticos para realizar a compra do material. “O grande desafio foi usar esse tipo de material para armações. Diferentemente de produtos mais simples, como copos, mochilas, potes, os óculos requerem um equilíbrio entre resistência e maleabilidade, e que suporte o calor da injeção no processo de produção”, diz Gignon.

A empresa levou três anos para chegar a um resultado satisfatório para esse processo. Segundo o chefe de design, as normas de fabricação de armações são rígidas, bem como a exigência da marca para o resultado dos acessórios.

Sylmara Dias, professora de Gestão Ambiental da Universidade de São Paulo (USP), acredita que as empresas que comercializam os produtos que circulam nas cidades são as grandes responsáveis pelo tamanho da poluição e, portanto, devem combatê-la: “São elas (as empresas) que tomam a decisão do que vai ser produzido, como vai ser produzido, quanto tempo vai durar e tudo mais. O princípio do poluidor pagador aqui funcionaria muito bem, porque é preciso ter um certo critério, uma certa coordenação de que material produzir e de quem vai se responsabilizar pelo recolhimento desse material.”

Para a professora, apesar de o problema ser complexo e carecer de muitas soluções, a principal é agir para deixar de lado os combates pontuais e “fechar a torneira” da produção do plástico. “Ele (o plástico) é onipresente em nossas vidas. Ele tem um potencial de reciclabilidade muito baixo e, toda vez que volta para o ciclo, ele volta com uma qualidade inferior ao do uso anterior. E ele não desaparece, ele vai se degradando em micropartículas, depois em nanopartículas. Vai aumentando o seu potencial poluidor”, explica.

Estudos realizados pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF) indicam que o Brasil é o quarto maior produtor de lixo plástico do mundo, e recicla apenas 1%. Felipe Pedroso de Oliveira, fundador da ONG Eco Local Brasil, que trabalha ao lado de grandes empresas como Tramontina, Plasvale e a própria Chilli Beans, explica que o primeiro passo para a reciclagem desses resíduos, que incluem o plástico, é o acesso à praia pelos voluntários de mutirões colaborativos.

No caso da Eco Local, a prioridade são faixas de areia pouco habitadas ou não habitadas e o acesso é feito, geralmente, com embarcação ou quadriciclo. “Depois que nós retiramos todo esse material da faixa de areia, nós o transportamos. Aqui chamamos carinhosamente de cooperativa do mar. Cada região de atuação tem uma cooperativa parceira, que é onde recebemos todo esse material e conseguimos fazer a separação”, explica. Só no ano passado, a ONG realizou 303 ações e coletou 147 toneladas de plástico.

A ETAPA DAS RECUPERADORAS.

Depois de coletado pelos voluntários e separado pelas coletivas, o material é encaminhado às recuperadoras, que cuidam da limpeza, da trituração e da granulação. Em seguida, tudo é separado por categoria. Tampinhas de garrafa PET, por exemplo, não são misturadas com a garrafa. O resultado é uma grande “farofa” de material triturado. “E em momento algum a gente perde a rastreabilidade (do material triturado), porque foi a nossa mão que tirou da praia. Ele é recuperado, nós fazemos a comercialização com as empresas que o adquirem como matéria-prima”, afirma Oliveira.

O professor do MBA de Sustentabilidade e ESG da Fundação Getulio Vargas (FGV), Jacques Paes, analisa que estratégias como a da inserção de resíduos retirados do oceano em cadeias produtivas de empresas, assim como outros tipos de ações voltadas para a sustentabilidade, são bem-vistas pelo mercado.•

“O grande desafio foi usar esse tipo de material para armações. Os óculos requerem um equilíbrio entre resistência e maleabilidade, e que suporte o calor da injeção no processo.” Marcel Gignon

Chefe de design da Chilli Beans

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2024-06-24T07:00:00.0000000Z

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