O Estado de S. Paulo

Plano de enterrar fios nas ruas de SP atrasa; só 22% da obra foi concluída

Prefeitura previa adaptação de 65,2 km de vias até 2018, mas adiou conclusão para 2024; trabalho é executado pela Enel e por empresas de telefonia, que apontam desafios logísticos

ÍTALO LO RE

Trabalhador instala fiação subterrânea de fibra ótica nos Jardins. Prefeitura previa a adaptação de 65,2 km de ruas até 2018, mas apenas 14,7 km foram concluídos e meta foi adiada para 2024. Enel e empresas de telefonia citam desafios logísticos.

Enquanto os postes da Avenida Paulista não têm fios à mostra, na Alameda Santos, paralela a ela, o cenário é oposto. O emaranhado de cabos, alguns deles entrelaçados a galhos de árvore, chama a atenção de quem passa. “Virou uma aberração”, diz o administrador Luiz Eduardo d’almeida. “Houve um crescimento exponencial nos últimos 15 anos”, continua.

Quem vê a situação provavelmente não imagina que os fios da via deveriam ter sido enterrados até 2018, segundo a previsão inicial de um programa da Prefeitura. A iniciativa foi lançada um ano antes pelo então prefeito João Doria (PSDB) e pretendia alcançar 65,2 km de ruas na região central, o que inclui a Alameda Santos, e na zona sul, mais especificamente na Vila Olímpia. Até agora, porém, as obras foram concluídas em 37 vias, o que totaliza 14,7 km – pouco mais de 22% do previsto. A meta foi adiada para 2024.

Além dessas 37 vias finalizadas, conforme a gestão municipal, 16 estão em fase final de obras. Ao todo, são 24,22 km em andamento. Foram selecionadas 170 ruas para o projeto SP Sem Fios, antes chamado de Cidade Linda-redes Aéreas. Ao final, 210 vias serão adaptadas, já que foram incluídas 40 que estavam no entorno. “Com a retirada da fiação, 3.014 postes serão excluídos até dezembro de 2024.”

Segundo a Prefeitura, não há ônus para os cofres da cidade. Os custos das obras ficam com outros órgãos ou empresas, como a Enel (responsável pelo fornecimento de energia elétrica), as companhias de telecomunicações e a Sptrans (por causa do trólebus). Cabe ao Departamento de Controle e Cadastro de Infraestrutura Urbana (Convias), da gestão municipal, estabelecer um acordo entre as partes para a retirada de fios e postes.

“Não é uma questão só visual. É de qualidade de vida e do produto oferecido, até o sinal de internet fica mais instável (sem o enterramento)”, disse Luiz Eduardo, que preside a Sociedade dos Amigos e Moradores

do Cerqueira César.

Em alguns pontos da Alameda Santos, como no cruzamento com as Ruas Haddock Lobo e Augusta, os fios ficam bastante rentes às árvores. “Às vezes, passam caminhões, daqueles de fornecedores de supermercado, e os fios até balançam”, conta o segurança particular Alberto Mendes. A Prefeitura divulgou, no mês passado, que as obras de enterramento estão em andamento na alameda e devem durar até dez meses.

Vias 170 ruas da capital paulista foram selecionadas para o Projeto SP Sem Fios

POSTES. Responsável pela área de Planejamento da Enel SP, Marcio Jardim diz que 100% dos fios da rede de energia elétrica foram enterrados nas ruas selecionadas pelo programa. Ainda assim, a Enel retirou apenas 22% dos 3 mil postes previstos. “O poste tem de permanecer no local, porque a rede de telefonia ainda está usando.”

Segundo ele, 130 empresas de telecomunicação compartilham postes com a concessionária. O orçamento destinado pela Enel para o programa, continua, é de R$ 56,9 milhões.

Conforme Jardim, levantamento da Enel indica que as empresas de telecomunicações avançaram apenas 18% na etapa 1 do programa da Prefeitura, que consiste na retirada de 52 km de fios da região central. A etapa 2, de enterramento de 4,2 km de fios na Vila Olímpia, foi concluída. Por sua vez, a retirada de 9 km de fios de telecomunicações da etapa 3, das vias próximas ao Mercado Municipal, não começou.

Já o presidente executivo da Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (Telcomp), que representa 70 instituições do ramo, Luiz Henrique Barbosa, tem balanço diferente e diz que o avanço por parte das empresas de telecomunicação foi maior do que o levantado pela Enel: 32,8 km.

Ele afirma que o programa começou com 10 clusters – nome dado aos conjuntos de ruas selecionadas – e evoluiu para 14, com inclusão de algumas vias ainda em 2017 e, mais recentemente, da região do entorno do Museu do Ipiranga, que foi revitalizado. “Desses clusters, metade foi concluída”, diz. O custo total estimado é de R$ 170 milhões.

Como entraves para o avanço, o presidente da Telcomp aponta, além da pandemia, dificuldades logísticas em áreas povoadas da cidade e a presença de fios diversos, como de trólebus e de iluminação, e até de cabos irregulares. Conforme a Enel, só no ano passado foram retiradas 26 toneladas de fios não regularizados na cidade de São Paulo.

VANTAGEM. Segundo o arquiteto Antonio Soukef Júnior, autor do livro Avenida Paulista: A Síntese da Metrópole, enterrar fios é “uma solução bem mais cara do que manter toda a fiação e os transformadores em sistemas aéreos”. Mas, “em longo prazo, a opção de enterrar todo o cabeamento se mostra muito mais vantajosa, pois diminui o desgaste causado pela chuva, os problemas de roubo e acidentes causados por queda de árvores e postes”.

Soukef Júnior destaca que, ainda nos anos 1970, a Paulista foi a primeira via a contar com essa inovação na cidade, acompanhando uma tendência de cidades como Paris e Barcelona.

Coordenador do curso de Engenharia Elétrica da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Bruno de Lima aponta que a rede subterrânea comprovadamente melhora a segurança, a confiabilidade e a disponibilidade da rede de distribuição de energia. “A estética da cidade e a conformação urbana também são afetados positivamente”, destaca.

Para o promotor Silvio Marques, do Ministério Público de São Paulo, o programa da Prefeitura é “uma pequena gota no oceano”, uma vez que a cidade tem cerca de 17 mil km de ruas onde os fios devem ser enterrados. O MP-SP tem monitorado o avanço do programa.

Tendência Ainda nos anos 1970, a Avenida Paulista foi a primeira via a contar com a inovação na cidade

COMÉRCIO. Na região da Consolação, comerciantes relatam que houve melhorias recentes, mas ainda há fios de telecomunicação aparentes. “Há algumas semanas, tiraram boa parte dos fios que cortavam a rua. Demorou foi para começar a mexer, mas depois foi rápido”, diz a comerciante Edneusa Santana.

Considerada um importante polo comercial do Bom Retiro, a Rua José Paulino é uma das 37 vias em que, segundo a Prefeitura, o enterramento de fios foi concluído. A reportagem esteve no local e conversou com comerciantes sobre os impactos da mudança. “Excelente, ficou parecendo a Oscar Freire do Bom Retiro”, compara o lojista Yomtov Pesso, de 70 anos. •

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2022-10-13T07:00:00.0000000Z

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