Briga entre Embraer e Boeing inicia uma nova fase na Justiça
Ação apura prática de concorrência predatória e o uso de dados secretos pela companhia americana para atrair profissionais brasileiros
LUCIANA DYNIEWICZ
A briga por engenheiros entre a Boeing e as empresas brasileiras dos setores aeroespacial e de defesa, principalmente a Embraer, está entrando em uma nova fase. No início de 2024, a Justiça deve começar a ouvir testemunhas, incluindo profissionais da companhia americana que atuam no Brasil, para saber se a Boeing está praticando concorrência predatória, ferindo a soberania nacional e se beneficiando de dados secretos da Embraer aos quais teve acesso quando negociava a compra da área de aviação comercial da fabricante brasileira.
A Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde) e a Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (Aiab) entraram no ano passado com uma ação na Justiça em que pedem que seja imposto um limite de 0,6%, por ano, no total de engenheiros que a Boeing pode retirar de uma empresa brasileira, sob pena de multa de R$ 5 milhões para cada profissional além desse limite. Solicitam também que, nesse cálculo, sejam considerados engenheiros que tenham deixado as companhias brasileiras e migrado para a Boeing em um intervalo inferior a seis meses.
MELHORES TALENTOS. Procuradas, as entidades afirmaram que a ação civil pública contra a Boeing “corre em segredo de Justiça e tem como objetivo interromper a captura sistemática de engenheiros altamente capacitados do setor”. Em nota, a Embraer afirmou que a ação busca “proteger uma indústria vital para o interesse nacional, que é estritamente regulamentada em muitos países”, e a Boeing disse estar comprometida em “atrair e desenvolver os melhores talentos nos Estados Unidos e em todo o mundo para atender à demanda global por nossos produtos e serviços aeroespaciais”.
Desde o início de 2022, a Boeing teria contratado 470 profissionais que atuavam nas empresas brasileiras – metade deles da Embraer. Há dois meses, em outubro, a Boeing inaugurou em São José dos Campos, onde fica a sede da Embraer, um centro de desenvolvimento. “Os cerca de 500 engenheiros da Boeing baseados no Brasil trabalham em várias áreas dando suporte para diversos tipos de aeronaves, atuais e futuras”, disse a empresa na época em comunicado.
Na ação, as entidades setoriais argumentam que as contratações da Boeing degeneram a base industrial de defesa nacional. A Justiça, no entanto, já negou, em primeira e segunda instâncias, pedido de liminar das associações, mas decidiu dar continuidade ao processo. As entidades recorreram uma terceira vez e aguardam decisão que deve sair neste mês.
Em agosto, o juiz Renato Barth Pires, da 3.ª Vara Federal de São José dos Campos, solicitou que a Boeing e as associações apresentassem documentos que provassem, ou não, a divulgação de “segredos industriais ou compartilhamento indevido de informações, originadas ou não do processo de concretização da joint venture” entre as companhias e as “possíveis dificuldades na formação de profissionais do setor aeroespacial e sua importância na manutenção da base industrial de defesa nacional”.
SEGURANÇA NACIONAL. Na mesma data, Pires determinou que as partes e a União listassem as testemunhas que devem começar a ser ouvidas agora, no início de 2024. A União passou a fazer parte do processo como assistente das associações na disputa na Justiça. Inicialmente, o Ministério da Defesa indicou não ter interesse em ingressar no processo. Posteriormente, porém, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) emitiu nota técnica afirmando que havia, sim, o interesse por se tratar de uma ação ligada aos setores de defesa, aeroespacial e aeronáutico e pelo fato de as atividades das empresas envolverem a “segurança nacional”.
Em maio, o juiz da 3.ª Vara Federal havia destacado que o Ministério da Defesa deveria ter sido o primeiro a reconhecer possíveis prejuízos causados pela contratação dos profissionais pela Boeing. “Mas é sintomático que o interesse da União (agora reconhecido) tenha partido do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, e não do Ministério da Defesa (que, ao que parece, não mudou de opinião a respeito)”, disse o juiz. Ele afirmou também que, de acordo com informações apresentadas pelas associações, a Boeing pode estar recrutando os “profissionais mais qualificados e que possam ser os detentores dos segredos industriais mais importantes”.
O juiz diz ainda que o que se tem demonstrado nos autos é apenas parte do contexto: “Afinal, esses engenheiros estão sendo contratados pelas requeridas com qual finalidade? Quais projetos estão desenvolvendo? (...) O que há por trás desse movimento de cooptação de profissionais? Uma simples aplicação das ‘leis’ do mercado de trabalho, simples ‘oferta e procura’? Ou há um intuito deliberado de desmantelar a indústria aeronáutica brasileira, um tipo de ‘dumping trabalhista’ às avessas? A resposta a todas essas perguntas está a depender de uma regular instrução processual, inclusive com a oitiva desses profissionais e das pessoas envolvidas em seu recrutamento”. •
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2023-12-06T08:00:00.0000000Z
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