O Estado de S. Paulo

Ser mãe é viver ‘no limite’

E-MAIL: rosely.estadao@gmail.com ROSELY SAYÃO

Está sendo anunciada reedição do reality show de televisão No Limite, um programa em que um grupo de pessoas, isoladas em uma praia deserta, vive situações que exigem coragem e resistência física ao máximo. Adivinhe quem, leitor, vive isso diariamente? As mães. Aliás, vivem bem mais do que isso porque não estão isoladas: estão sempre rodeadas de pessoas de idades diversas com quem precisam conviver.

As mães vivem no limite do esforço físico quando o bebê nasce, pela falta de sono recuperador, pelo cansaço extremo que os múltiplos e simultâneos afazeres domésticos causam e pelos cuidados com o filho, ainda tão frágil – incluindo a amamentação. Nesse período, vivem, igualmente, sempre no limite das emoções justamente pelo reconhecimento da imensa responsabilidade que é cuidar de um ser que ainda não se comunica verbalmente. Isso sem contar a construção diária, com correções de rumo constantes, do papel de ser mãe.

À medida que o filho cresce, as mães vivem sempre no limite das preocupações, da ansiedade e da angústia porque pensam na formação do filho, na educação escolar dele, no mundo que o aguarda, nos caminhos que vai escolher trilhar, no futuro dele a curto, médio e longo prazo. Considerando suas expectativas e anseios, as mães passam a viver no limite da culpa porque acreditam que são total e absolutamente responsáveis por tudo o que acontecer. Ah! A culpa se transforma em uma companheira.

E vivem sempre com a paciência no limite. Os filhos berram, choram, fazem manha, desobedecem, caem e se machucam, fazem birra, descobrem coisas que não deveriam, escolhem amigas e amigos que não serão bons para eles, fazem coisas escondidos, perguntas impertinentes...

As mães, quando se dedicam a uma carreira profissional ou têm um trabalho remunerado, estão sempre no limite da piração: precisam se tripartir entre casa, filhos e trabalho. Agora, na pandemia então, com muitas realizando trabalho remoto, uma loucura! É filho chamando para ajudar e importunando sua concentração e até reunião virtual por um motivo simples: como assim, a mãe está trabalhando e não pode ser interrompida, se ela está aqui em casa? Criança não entende.

Na maioria das organizações em que trabalham, mães vivem no limite do desrespeito – isso quando não são desrespeitadas – por ter filhos. Filho fica doente, atrasa para a escola, precisa ir ao médico, e quase sempre levado pela mãe. Sem falar nas que nem trabalho conseguem por ter filho.

Viver no limite do antagonismo dos afetos e atitudes? É com elas. Amor e ódio, acolhimento e afastamento, medo e coragem, força e fragilidade, e por aí vai... Verdadeiras equilibristas. As mães vivem sempre no limite entre o autocuidado e o abandono de si. Há uma sequência (pequena) de dias em que fazem exercícios físicos, se alimentam bem, fazem limpeza de pele e passam todas as loções e cremes. Mas há dias em que mal conseguem tomar uma ducha rápida porque tem filho passando a lição de casa que fez por baixo da porta do banheiro para que ela corrija.

Viver no limite da sanidade também é uma experiência materna por causa da busca da perfeição como mãe. Mas ela erra, sempre irá errar. E acerta também. Por isso, de quebra, ainda vive no limite entre a expertise e a imperícia. E sabe o pior? Quando termina essa trabalheira toda física, mental, social, emocional, sabe qual o prêmio? A perda, o luto. Os filhos se vão – porque esse é o destino deles.

Mães: desejo momentos de alegria e de felicidade em todos os seus dias, muita saúde e resiliência, e envio meu carinho a vocês todas. Meu respeito!

Verdadeiras equilibristas, elas ficam entre o autocuidado e o abandono de si

✽ É PSICÓLOGA, CONSULTORA EDUCACIONAL E AUTORA DO LIVRO EDUCAÇÃO SEM BLÁ-BLÁ-BLA

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2021-05-09T07:00:00.0000000Z

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