Colesterol alto e perda visual entram na lista dos 14 fatores de risco para demência
Publicação aponta que 45% dos casos da doença no mundo poderiam ser evitados ao se mudar hábitos e condições de vida
LEON FERRARI
Perda visual e colesterol LDL elevado passaram a integrar a lista de fatores de risco modificáveis para a demência, que agora conta com 14 itens. A inclusão é resultado do trabalho de uma comissão de especialistas reunidos pela respeitada revista científica The Lancet para analisar as melhores e mais atualizadas evidências científicas. A terceira edição do relatório internacional foi publicada ontem.
Essa publicação aponta que 45% dos casos da doença no mundo poderiam ser evitados com a mudança de 14 hábitos ou condições de saúde. “Nosso relatório revela que há muito mais que pode e deve ser feito para reduzir o risco de demência”, afirmou Gill Livingston, autora principal, em comunicado à imprensa. O relatório foca nas demências neurodegenerativas crônicas, como o Alzheimer, que progridem com o tempo e ainda não têm cura, e não naquelas que podem ser reversíveis, como as ocasionadas por algumas doenças infecciosas.
Segundo os pesquisadores, cada vez mais fica claro que “o risco pode ser modificado, mesmo em pessoas com risco genético aumentado de demência”. Um dos caminhos para isso é fortalecer a reserva cognitiva, uma espécie de “poupança” do cérebro acumulada com hábitos saudáveis e estímulo cognitivo, que nos ajudam a resistir a alterações cerebrais e a lesões que se acumulam ao longo da vida.
“O fator genético nas demências não é tão alto como as pessoas pensam. Se você tem um histórico familiar de demência, não significa que você necessariamente vai desenvolver a doença. O ambiente, que são esses fatores de risco (do relatório), é muito mais importante”, disse ao Estadão a médica Cleusa Ferri, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e uma das autoras do estudo.
DETALHAMENTO E BRASIL. Só o tratamento adequado do colesterol LDL elevado poderia evitar 7% dos casos de demência no mundo. A perda visual é responsável por 2%. Nesse caso da visão, a avaliação dos especialistas é que de que há associação com outros fatores de risco, como diabete. E processos neuropatológicos compartilhados tanto na retina quanto no cérebro.
Já segundo o Cleveland Clinic, dos Estados Unidos, a lipoproteína de baixa densidade (LDL) transporta gorduras pela corrente sanguínea, uma vez que não consegue se mover pelo sangue por conta própria. No entanto, em excesso, pode se acumular nas paredes das artérias, formando placas. Assim, há aumento do risco de acidente vascular cerebral e de deposição das proteínas relacionadas ao Alzheimer.
O relatório também delineia como cada vez mais se entende que a prevenção tem de começar o mais cedo possível e seguir durante todo o curso da vida. Nunca é tarde para mudar, porém, e há benefícios dessas mudanças em qualquer idade. No estudo, os especialistas destacam em que momento da vida há mais evidências de que a eliminação de cada fator traria uma maior proteção: início da vida (0 a 17 anos), meia-idade (18 aos 65) e idade avançada (mais de 65 anos).
Traz ainda uma visão global, com mais estudos de países ricos, em especial americanos e europeus. Nesse sentido, acredita-se que o benefício da mudança desses fatores de risco possa ser ainda maior em países de média e baixa renda, como é o caso do Brasil. Afinal, a prevalência deles costuma ser maior nessas nações.
Em 2020, a lista contava com 12 itens, que seriam capazes de reduzir em 40% os casos de demência no mundo. Um estudo brasileiro, publicado no jornal científico Alzheimer’s & Dementia, olhou para eles com base na realidade nacional e concluiu que poderiam evitar 48,2% dos casos por aqui. Os fatores principais foram a educação, a perda auditiva e a hipertensão.
O combate aos fatores de risco também deve ser endereçado por políticas públicas, de acordo com os pesquisadores. Isso porque vulnerabilidade socioeconômica e dificuldades de acesso ao sistema de saúde, por exemplo, podem dificultar a missão de quem quer mudar um desses hábitos. “No Brasil, a redução do tabagismo tem muito a ver mais com campanhas feitas no passado”, afirma Cleusa. “As políticas públicas têm um poder muito maior do que o foco no indivíduo.”
NA MIRA. No relatório, os cientistas destacam que existem outros fatores de risco potencialmente modificáveis. Eles consideraram alguns deles, mas avaliaram que, por ora, faltam evidências consistentes suficientes para incluí-los na lista. Alguns que estão na mira da ciência são: dormir pouco e/ou dormir demais; alimentação não saudável e desequilibrada; transtornos mentais, como esquizofrenia, ansiedade e estresse pós-traumático; e menopausa (em especial, a de início precoce). •
“O fator genético nas demências não é tão alto como as pessoas pensam. Se você tem um histórico familiar de demência, não significa que você necessariamente vai desenvolver a doença. O ambiente, que são esses fatores de risco (do relatório), é muito mais importante” Cleusa Ferri
Professora da Unifesp e uma das autoras do estudo
METRÓPOLE
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2024-08-01T07:00:00.0000000Z
2024-08-01T07:00:00.0000000Z
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