O Estado de S. Paulo

Claudio Haddad Fundador e presidente do Insper ‘Boa educação exige consistência e foco no aluno’

Melhorar o nível do ensino é missão que inclui projeto, liderança e continuidade, avisa o executivo

SONIA RACY

“Antigamente as instituições sem fins lucrativos eram uma bagunça contábil. Levei para o Ibmec as boas práticas de gerenciamento do setor privado”

“O sistema brasileiro é perverso porque poucos alunos vindos da educação pública básica conseguem entrar nas melhores escolas”

Quando menino, o exprofessor, filho de dois professores, analista econômico, banqueiro e hoje presidente do conselho do Insper Claudio Haddad ouvia dos pais que, na vida, um cidadão pode perder tudo, menos a educação que recebeu. Depois, já adulto, ele se sentia triste com o “sistema perverso” da estrutura educacional do País, em especial a do setor público. E foi vendo surgir à sua volta escolas privadas com grande quantidade de alunos e pouca melhora na qualidade da educação nacional.

“Então, achei que havia aí um espaço e isso me interessou”, resume Haddad nesta entrevista a Cenários – na qual ele fala de valores como foco, liderança, disciplina, agilidade operacional, coerência... Ele já tinha em mente, nos anos 1990, “uma instituição em tempo integral, muito intensiva na parte tecnológica”. Foi o que o atraiu, admite ele, depois de longos anos no mercado financeiro.

Ao lado de vários altos executivos, entre eles o ex-ministro Paulo Guedes, Haddad comandou o Ibmec. Depois, a operação foi desmembrada e a sede paulista do Ibmec, Haddad transformou no Insper, com outro conceito. Ele dirigiu a nova instituição de 1999 até 2015, quando passou a tarefa a Marcos Lisboa e se tornou presidente do conselho. A seguir, os principais trechos da conversa.

Do banco Garantia para o setor educacional, a virada foi rápida. Como explica o sucesso do Insper?

Acho que, em primeiro lugar, você precisa ter o foco de onde quer chegar. E consistência para fazer as coisas acontecerem. Eu ficava muito triste com o panorama da educação no Brasil, principalmente a pública. Existem escolas privadas muito boas, mas o sistema brasileiro é perverso porque poucos alunos vindos da educação pública básica conseguem entrar nas melhores escolas. Eu não via nenhum projeto de uma escola de ensino superior com qualidade internacional – e esse espaço me interessou. Surgiu a oportunidade de comprar o então Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais do Rio de Janeiro (Ibmec), com alguns sócios.

E depois, você montou o Insper.

Sim, porque quando se trata da educação, as pessoas querem tradição e experiência. Mas começar do zero uma faculdade em São Paulo, com foco em qualidade, foi o que me atraiu deixar o mercado financeiro, depois de muitos anos, para voltar para a educação.

O Ibmec tinha fins lucrativos, o Insper, não. Por quê?

Antigamente as instituições sem fins lucrativos eram uma bagunça contábil. Levei para o Ibmec as boas práticas de gerenciamento do setor privado. Para uma instituição de excelência lucro é difícil, porque exige geração de conhecimento. Quem vai financiar pesquisa que não dê um resultado imediato, se ela tem fins lucrativos? Você publica artigos internacionalmente, mas qual o efeito daquilo para trazer recursos financeiros?

Como o Insper alcançou uma reputação nacional e internacional tão rápida?

Em primeiro lugar foco, ter uma missão clara, consistência para fazer acontecer, disciplina e agilidade operacional. Por ser uma instituição nova, fui um pouco ditador. Em uma instituição pública, você depende da congregação, e tem muito menos flexibilidade. Nós não, podíamos contratar e dispensar pessoas. O fundamental foi mantermos coerência com a nossa missão de ser de qualidade. Foi realmente rápido. Ao entrarmos no Ibmec não tínhamos nem prédio. Hoje temos um câmpus, e um processo sucessório que funciona.

Como é o programa de bolsas do Insper?

Esse programa começou quando nos tornamos sem fins lucrativos. As bolsas são absolutamente fundamentais, porque não queremos ser uma escola só para ricos. Acreditamos em missão social e meritocracia. E queremos diversidade de gênero, racial e regional.

Pretendem multiplicar esse modelo pelo Brasil?

Não. Eu acredito que para atingir um nível de excelência é preciso concentrar esforços. Nossa vantagem no Insper é que não temos faculdades separadas, é tudo integrado.

Como avalia hoje o modelo de escolas brasileiro?

Acho que é uma coisa que deveria ter metas, cobrança, coerência, permanência – e muito mais engajamento.

O País perdeu a carruagem do tempo nesse sentido?

A gente nunca perde, só retarda. O problema é que temos perdido as boas carruagens ao longo do tempo. Veja a virada que deram países como a Coreia e Portugal. Este, nos últimos 20 anos, fez um esforço extraordinário. No Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) seus alunos tiram notas tão boas quanto os alemães e franceses.

O que o Brasil precisaria para chegar a esse nível?

De gente motivada, remando na mesma direção. Eu não fiz nada sozinho. A trajetória do Insper mostra que é possível fazer aqui coisas de excelência. No Brasil, o desafio é político, e o orçamento é todo capturado por grupos de interesses. Assim, fica difícil manter políticas de Estado, na Educação e outras áreas. Mas não vamos desistir do Brasil. Só precisamos de liderança, foco e gestão. •

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2023-12-06T08:00:00.0000000Z

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