DISPUTA ENTRE OS VENDEDORES SE ACIRRA PARA ATRAIR CLIENTES.
Desconhecimento dos consumidores é principal obstáculo a ser vencido na abertura do mercado livre de energia
LUCIANA COLLET
Apesar do número significativo de processos de migração já anunciados, há entre comercializadoras de energia uma percepção de certa dificuldade de convencimento de consumidores de menor porte, já que muitos deles não têm familiaridade com os meios de contratação de energia livre.
Para o sócio-diretor da comercializadora Indra Energia, Thiago Veiga, quebrar a barreira da falta de conhecimento sobre o segmento é o maior desafio enfrentado atualmente. “Muitos dos nossos potenciais clientes têm um pouco de receio e chegam a falar que ‘é bom demais pra ser verdade’. Então acho que estamos mais na fase de conscientização, de mostrar que essa é uma solução que funciona dentro das regras do jogo e não estamos inventando uma moda”, diz.
Ainda assim, a Indra projeta triplicar o faturamento em 2024, superando R$ 1 bilhão, crescimento apoiado justamente nos negócios prospectados a partir da abertura do mercado livre. A empresa tem como meta ter ao menos 1% de participação de mercado neste segmento classificado como “varejista”.
Outra comercializadora de energia do mercado livre, a Urca Trading revisou para baixo suas metas de crescimento diante das dificuldades enfrentadas assim que lançou sua estratégia para clientes de pequeno porte, em meados deste ano. Inicialmente, a empresa previa alcançar 2,5 mil clientes até o fim de 2024. Agora trabalha com a perspectiva de alcançar 2 mil.
‘FORTE CONCORRÊNCIA’.
O presidente da Urca, Dante Beneveni, diz que, além da falta de conhecimento, a complexidade do processo de migração e a forte concorrência – que classificou como “desleal” em alguns casos – também atrapalham os planos da companhia. “Achamos que ia ser mais rápido, mas não é um processo de migração tão digital, então percebemos essa dificuldade e já ajustamos a estratégia para converter os clientes.”
Além do valor do MWh, o consumidor livre paga tarifas de transmissão e distribuição (Tust e Tusd, respectivamente), além de encargos. Ainda assim, o valor
“Muitos dos nossos clientes têm um pouco de receio e chegam a falar que ‘é bom demais para ser verdade’. Então, estamos numa fase de conscientização, de mostrar que essa é uma solução que funciona”
Thiago Veiga
Sócio da Indra Energia
é significativamente menor que os mais de R$ 600/MWh da tarifa média cobrada no mercado regulado para consumidores atendidos em alta tensão, segundo dados da Aneel.
Na disputa por clientes, as empresas lançam diferentes estratégias para tentar fortalecer o canal comercial e garantir mais capilaridade e atração de clientes. A Cemig, por exemplo, firmou parcerias com entidades de classe, como a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemig). Outras empresas, como as comercializadoras 2W e Ecom, apostam em “agentes autônomos”, ou representantes regionais que facilitem a prospecção de consumidores.
Também há relatos de associação entre empresas de energia e de outros setores da economia com uma base de clientes sólida que possa ser acessada. É o caso da Auren, que teria criado uma joint venture com a Telefônica, dona da Vivo, de olho nos 112 milhões de clientes da operadora.
Segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), até a semana passada havia 99 comercializadoras habilitadas para atuar no segmento varejista, número que não para de crescer. Entre elas estão empresas ligadas a grandes grupos que operam em vários segmentos do setor elétrico, braços de comercializadoras ou geradoras, e novatas. Com isso, já se fala no mercado em uma futura consolidação, já que no segmento de varejo elétrico escala é fundamental.
Nessa corrida por consumidores, quem perde são as distribuidoras. Embora do ponto de vista econômico as concessionárias não sofram impacto imediato, tende a haver um impacto financeiro. Isso porque a energia comprada em contratos de longo prazo e não vendida aos clientes é liquidada a preço “spot”, atualmente muito baixo, o que provoca um desbalanceamento do fluxo de pagamentos, que só é realinhado nos reajustes anuais.
A Abradee, associação que reúne estas empresas, demonstra preocupação com o efeito que as migrações terão nos futuros reajustes tarifários, já que, com a redução do mercado, os custos do mercado regulado – incluindo a contratação de térmicas que garantem segurança ao sistema interligado e vários encargos setoriais – serão divididos por um grupo menor de consumidores. “Isso gera aumento da tarifa e traz dificuldades operacionais – como aumento da inadimplência e perdas”, diz o presidente da entidade, Marcos Madureira.
E&N | ECONOMIA &NEGÓCIOS
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2023-12-25T08:00:00.0000000Z
2023-12-25T08:00:00.0000000Z
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