O Estado de S. Paulo

TCU adia decisão por 20 dias e põe em xeque leilão da Eletrobras

Ministro pede 20 dias de prazo para analisar o processo e inviabiliza o cronograma da privatização, que previa até 13 de maio para emissão de ações da estatal destinadas à venda

GUILHERME PIMENTA MARLLA SABINO ADRIANA FERNANDES

Pedido de análise do processo inviabiliza cronograma de emissão de ações destinadas à privatização da estatal.

Em derrota sofrida pelo governo Jair Bolsonaro (PL), o Tribunal de Contas da União (TCU) suspendeu por 20 dias o julgamento da segunda etapa da privatização da Eletrobras, após pedido de vista (mais tempo para análise) apresentado pelo ministro Vital do Rêgo. Com a decisão, o processo só deve voltar à pauta no dia 11, o que inviabiliza os planos do governo de emitir as ações de venda até 13 de maio.

Vital do Rêgo solicitou vista inicialmente por 60 dias, conforme havia adiantado ao Estadão/broadcast. “É minha obrigação não deixar que o patrimônio público seja liquidado. Estão fazendo liquidação, não uma privatização”, disse em entrevista exclusiva. Durante o julgamento, no entanto, ele cedeu ao apelo dos demais ministros e aceitou reduzir o prazo para, no máximo, 20 dias.

Mesmo com o recuo do ministro, não será possível realizar no próximo mês a operação pela qual a União vai reduzir a participação na empresa de cerca de 60% para 45%. Para concluir a venda da estatal dentro do cronograma, o pedido de vista não poderia ser superior a sete dias.

O ministro Jorge Oliveira, indicado por Bolsonaro ao TCU, sugeriu reduzir para sete, como queria o governo. Porém, outros ministros entenderam que, ao contrário do que foi feito no julgamento do leilão do 5G, o plenário não pode forçar a redução do prazo de vista para menos de 20 dias.

Nos últimos meses, os ministros Paulo Guedes (Economia) e Bento Albuquerque (Minas e Energia) foram ao TCU no mínimo duas vezes pedir celeridade da análise aos ministros da Corte. Bento chegou a enviar uma carta aos ministros solicitando a análise da operação até o dia 27.

Na terça, o secretário executivo do Ministério da Economia,

Marcelo Guaranys, disse que a pasta estava em “oração profunda, com velas acesas em todas as salas” para que a privatização fosse apreciada sem pedido de vista.

O Executivo avaliava que havia uma janela de oportunidade para vender a empresa até o dia 13 de maio. Passado esse período, membros do governo dizem que a operação ficaria inviabilizada, dada a proximidade do período eleitoral. Esse argumento foi rechaçado por alguns ministros do TCU, que o consideraram “falacioso”.

“O investidor aceitaria comprar a Eletrobras na primeira semana de junho e não na última de julho? Parece um argumento traçado para jogar sobre o Tribunal o peso da opinião pública”, questionou o ministro Bruno Dantas na sessão, que afirmou poucas vezes ter sentido uma “tentativa de pressionar o tribunal de forma tão avassaladora”. •

Antigo preconceito continua encontrando defensores no Brasil. É o de que a produção intensiva de bens primários prejudica o crescimento da indústria, não só porque concentra capitais em atividades de baixa densidade de valor, mas, também, porque suas fortes exportações tendem a derrubar a cotação do dólar no câmbio interno e, assim, prejudicam a competitividade da indústria.

Um dos equívocos deste ponto de vista é o de que o desenvolvimento industrial seja necessariamente incompatível com uma alta produção de bens primários. Os Estados Unidos, por exemplo, são o maior produtor de primários do mundo e, no entanto, também lideram em produção industrial. E, por lá, ninguém reclama de que a enorme produção de primários atrapalha a produção industrial.

O definhamento da indústria dos Estados Unidos, que se acelerou desde o início deste século, tem mais a ver com a concorrência da indústria asiática do que com o sucesso da produção de grãos, petróleo e minérios.

No Brasil, foi o excelente desempenho das exportações de café e de açúcar que acumulou os capitais que permitiram o início da indústria de transformação a partir dos anos 50.

Um dos argumentos recorrentes é o de que a exportação de primários pelo Brasil produz grande entrada de dólares e, portanto, a valorização do real que, por sua vez, tira competitividade da indústria nacional, porque favorece a entrada de importados e reduz a rentabilidade das exportações de manufaturados. É a posição dos que entendem que a força dos primários produz doença holandesa, que derruba a cotação do dólar.

Alguns dos economistas que identificam a existência da tal doença holandesa no Brasil defendem a criação de impostos sobre a exportação de produtos primários. É proposta de alto risco que tende a inibir o setor primário sem garantia de que a indústria se recupere. A Argentina tem há anos esse imposto (as tais retenciones) que incide sobre grãos e carne e, no entanto, a indústria de lá não consegue sequer competir no âmbito do Mercosul.

Mais de 70 anos de indústria no Brasil mostram que seus pontos fracos estão na excessiva proteção, na falta de acordos comerciais que abram mercado externo para os manufaturados e no chamado excessivo custo Brasil, que é sobrecarga de impostos, infraestrutura precária, burocracia e insegurança jurídica.

Nem sempre vale a pena agregar valor ao produto primário. A Vale não pretende produzir aço com seu minério. E como já ficou dito nesta Coluna em outras oportunidades, a Embraer é um sucesso, apesar do custo Brasil, apesar dos juros altos e do câmbio supostamente supervalorizado. •

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2022-04-21T07:00:00.0000000Z

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