Empresas confessam ter feito espionagem com dados oficiais
Esquema envolveu 30 grupos nacionais e estrangeiros, aponta PF
GABRIEL BALDOCHI
Cerca de 30 empresas do Brasil e multinacionais compraram ilegalmente informações estratégicas e sigilosas de seus concorrentes, apontam investigações da Polícia Federal. O esquema teve como base dados extraídos dos sistemas da Receita Federal e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) ao custo de R$ 650 a R$ 3 mil por relatório, informa Gabriel Bal
dochi. As companhias admitiram aos investigadores ter adquirido os dados, repassados por servidores. Os compradores passaram a ser investigados em processos individuais distribuídos entre Receita, Mdic e CGU, como consequência da Operação Spy, deflagrada pela PF no final de 2017. Os casos estão próximos da conclusão. De acordo com a PF, ao comprar os dados as companhias conseguiam saber os movimentos dos concorrentes. A admissão de culpa é uma forma de encerrar o processo rapidamente e evitar sanções mais pesadas. Uma das empresas foi punida com multa de cerca de R$ 2 milhões. Sem acordo, poderia ter de pagar até R$ 412 milhões.
Investigações sobre um esquema de venda de dados sigilosos de comércio exterior extraídos dos sistemas da Receita Federal e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) revelaram que ao menos 30 empresas nacionais e multinacionais compraram ilegalmente relatórios com informações estratégicas de seus concorrentes, ao custo de R$ 650 a R$ 3 mil por relatório, segundo a Polícia Federal. Nomes como a fabricante de revestimentos Portobello e a têxtil Vicunha, além de estrangeiras como a Noja Power, admitiram a espionagem ilegal.
Na vista PF diz que empresas tinham como saber que as informações compradas eram ilegais
Essas empresas passaram a ser investigadas em processos individuais distribuídos entre Receita Federal, Mdic e Controladoria-Geral da União (CGU), como consequência da Operação Spy, deflagrada pela Polícia Federal (PF) no final de 2017. Os casos agora estão próximos da conclusão.
De acordo com relatório da PF, comprando os dados as companhias conseguiam saber “todos os movimentos das empresas importadoras e exportadoras, estudar seus concorrentes, diagnosticar oportunidades e possíveis ameaças, bem como determinar se uma importação ou exportação de um produto ainda era rentável”.
Cerca de 30 companhias admitiram a conduta irregular e firmaram acordos com as autoridades para atenuar as sanções previstas em lei, segundo dados reunidos pelos investigadores e que foram obtidos pelo Estadão/Broadcast. Entre elas estão a catarinense Portobello, com faturamento anual de R$ 2,2 bilhões e listada na B3, além da Vicunha Serviços, ligada ao grupo têxtil Vicunha, da família Steinbruch (dona da CSN), com faturamento anual de R$ 2,5 bilhões.
Procurada, a Vicunha não quis comentar. A Portobello e a Noja Power não responderam à reportagem até a noite de ontem.
CONFISSÃO. As subsidiárias brasileiras da multinacional britânica de equipamentos de energia Noja Power, presente em mais de 100 países, e da indústria química americana Innovative Water Care (então Sigura), estão entre as estrangeiras que admitiram culpa e firmaram acordos.
Também optaram pela confissão e o julgamento antecipado, com atenuantes na pena, a Dufrio, rede de comércio de refrigeração, com cerca de 30 lojas e faturamento anual na casa de R$ 2 bilhões, e a Timbro, uma das maiores tradings do País, com faturamento superior a R$ 10 bilhões. Procurada, a Timbro não fez comentários. A Innovative Water Care não retornou os contatos. A reportagem não conseguiu falar com representantes da Dufrio.
Admissão de culpa é uma forma de encerrar o processo rapidamente e isentar-se de arcar com sanções mais pesadas. A Dufrio, por exemplo, foi punida com multa de cerca de R$ 2 milhões. Sem o acordo, poderia ter de pagar até R$ 412 milhões, ou 20% do seu faturamento.
MAIS PROCESSOS. O elevado número de acordos, com admissão de responsabilidade, é visto como uma vitória pelas autoridades que atuaram no caso. Mas há ainda cerca de 20 processos em andamento nas três esferas da administração federal (CGU, Mdic e Receita). Segundo apurou o Es t a - dão/Broadcast, essa lista inclui também grandes conglomerados nacionais e estrangeiros, como a Braskem e a multinacional europeia Louis Dreyfus.
Procurada, a Braskem disse que contribuiu ativamente com as investigações, “cumprindo seu compromisso de colaboração e transparência”. A Louis Dreyfus não retornou.
De acordo com as autoridades, as empresas tinham como saber que as informações compradas eram ilegais. Assim, contribuíram para incentivar o pagamento de propina aos servidores públicos que vazaram os dados sigilosos, avaliam os técnicos que apuraram o caso. Houve ainda negligência em relação aos “fornecedores”, já que os intermediários que lhes ofereciam os dados eram “empresas de fachada”, diz a PF.
HISTÓRICO. A existência da rede clandestina foi confirmada pela Polícia Federal em outubro de 2017. Cerca de 60 policiais tinham como alvos servidores federais suspeitos de vazar dados, assim como representantes das empresas intermediadoras que os comercializavam no mercado.
Na época, o esquema foi classificado como uma “grande rede de espionagem industrial”, prática que perdurou por anos e acabou lesando mais de 1 mil empresas no País, segundo a PF. O avanço das investigações levou a uma lista de mais de 150 companhias suspeitas de terem adquirido dados por meio do esquema.
As investigações mostraram que os documentos eram produzidos conforme as demandas das empresas interessadas. “Referidos destinatários são, ao que se pode identificar até o momento, grandes empresas nacionais que se utilizam das informações compradas para adquirir vantagens comerciais estratégicas nos mercados em que atuam”, diz relatório da PF. •
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2025-01-14T08:00:00.0000000Z
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