O Estado de S. Paulo

Criador de comerciais antológicos, morre aos 73

Foi o rosto de gerações de profissionais que tornaram a publicidade brasileira uma das mais criativas do mundo

ROBERTO GAZZI

OBITUÁRIO

Washington Olivetto foi o principal rosto e o ego principal de gerações de profissionais que tornaram nas últimas décadas a publicidade brasileira uma das mais criativas e premiadas do mundo. Hiperbólico, era uma dessas pessoas inesquecíveis. Bastava estar com ele poucos minutos para, fosse qual fosse o tema, ser bombardeado por frases ferinas, comentários espirituosos, histórias variadas. Se o tema fosse Corinthians, então, a conversa podia beirar o interminável. Inesquecível, como muitas das campanhas que criou, como “O primeiro sutiã (ninguém esquece)”, para a Valisère. Olivetto foi um dos 100 maiores publicitários de todos os tempos, conforme escolha da revista Advertising Age.

O publicitário ficou quase cinco meses internado no hospital Copa Star, no Rio. “O Hospital Copa Star lamenta a morte do paciente Washington Olivetto na tarde deste domingo, 13, e se solidariza com a família e amigos por essa irreparável perda. O hospital também informa que não tem autorização da família para divulgar mais detalhes”, divulgou o Copa Star, em nota.

O libriano Washington Luís Olivetto, filho de italianos, nasceu no bairro da Lapa, em São Paulo, em 29 de setembro de 1951. De família de classe média, morou no Belenzinho e na Aclimação. Em 1968, iniciou o curso de Publicidade na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). No ano seguinte, começou a carreira como redator numa pequena agência de publicidade. Ele contaria muitos anos depois: “O primeiro comercial que eu escrevi, aos 19 anos, ganhou um prêmio em Cannes, um Leão de Bronze. Aí, eu fiquei conhecido e fui parar na DPZ, que era a grande agência, a grande escola”. Era 1970 quando entrou para a agência de Duailib, Petit e Zaragoza.

Bastaria um rápido resumo de 20 anos de sua carreira a partir de 1974, retirado de seu site oficial, para se ter a dimensão que Olivetto alcançou. É de tirar o fôlego. Em 1974, ganha o primeiro Leão de Ouro do Festival Publicitário de Cannes para o Brasil; 1978, cria com Petit o garoto Bombril; 1981, torna-se vice-presidente do Corinthians e ajuda a colocar de pé a Democracia Corintiana, nos estertores da ditadura militar; 1986, sai da DPZ e logo depois abre a W/, que seria eternizada no mega hit de Jorge Benjor W/Brasil; em 1987, cria as campanhas “O primeiro sutiã”, da Valisère, e “Hitler”, para a Folha de S. Paulo, as duas únicas peças publicitárias brasileiras citadas no livro 100 maiores comerciais de todos os tempos, de Bernice Kranner; em 1994, faz a campanha do cachorrinho da Cofap, considerada uma das mais simpáticas da história.

Quem viveu esse tempo não esquece desses clássicos, que se tornaram peças inesquecíveis não só da propaganda, mas da vida brasileira. Houve muitos outros. “Volkswagen – Pense bem, pense Volkswagen”, que se tornou uma das campanhas de maior sucesso da marca no Brasil. E principalmente uma parceria de Olivetto com Francesc Petit, o “Bombril das 1001 utilidades”, com o ator Carlos Moreno. Que acabou entrando para o Guinness como o garoto-propaganda de maior tempo de permanência no ar. A parceria com a Bombril durou mais de 30 anos.

SEQUESTRO.

A timeline de sucesso de Olivetto prosseguiu, mas antes vale lembrar de um episódio que marcaria sua vida. Tinha 50 anos quando foi vítima de um sequestro, no fim de 2001, que durou quase 2 meses. No dia 11 de dezembro daquele ano, o carro que no início da noite o levava para casa, em São Paulo, foi parado numa falsa blitz da Polícia Federal. Era um grupo formado por ex-guerrilheiros chilenos e argentinos. O motorista foi agredido e OIivetto, transferido para outro carro e levado para um imóvel no Brooklin, na zona sul paulistana. Ali, ele ficou por 53 dias, num cômodo de 1 metro de largura por 2,5 metros de comprimento, sem janela, construído na casa para o cativeiro. Passou todo o tempo no quartinho com a luz acesa e música alta.

No início de fevereiro de 2002, uma investigação da inteligência da PF chegou ao líder do sequestro, o chileno Maurício Narambuena, que estava morando numa chácara em Serra Negra, no interior paulista, com parte do grupo. Os que tomavam conta do cativeiro abandonaram o local, deixando Olivetto preso no quartinho. Olivetto desconfiou que estava sozinho e começou a gritar. A vizinha, uma médica, começou a ouvir um barulho estranho e com um estetoscópio ouviu os gritos de socorro. A polícia foi avisada e o publicitário libertado.

Era um sábado à tarde, 2 de fevereiro. Olivetto estava muito magro e barbudo. Na semana seguinte deu entrevista dizendo que aquele seria o único momento em que falaria do sequestro. “Não quero virar pauta do assunto”, disse. Sempre evitou a palavra, passaria a falar “aquele evento”, “o episódio”. Anos depois, numa entrevista na Globo, lembrou: “Nunca sonhei com o sequestro; com o cigarro (que parou de fumar no cativeiro), sim”.

A vida segue, e em 2010 fecha um grande negócio. Se associa à McCann, que durante muitos anos foi a maior agência nacional, e surge a W/McCann, que tinha o Estadão entre seus clientes. Tinha 58 anos e, na entrevista em que explicou algumas das razões do negócio, justificou: “Ganhar uma senhora estrutura para poder se eternizar na história da propagada, poder se aposentar aos 65 anos e virar embaixador criativo da firma em algum lugar do mundo”. Sete anos depois, mudou-se para Londres.

Quando fez 70 anos, em 2021, recebeu uma curta, mas bela homenagem, de quem, para muitos do meio, dividiu com Olivetto a coroa da propaganda brasileira. O baiano Nizan Guanaes, em uma pequena nota citada pelo jornal Correio da Bahia, dizia: “Washington Olivetto estava predestinado a ser o maior publicitário de todos os tempos: nasceu no dia 29 de setembro, dia de São Gabriel, o anjo da Anunciação. Além de ser o melhor, Washington foi o patrão mais generoso, divertido e inspirador que eu já tive” (leia mais na pág. B6).

Por esta época, num depoimento ao Museu da Pessoa, fez uma reflexão: “Tem uma coisa que eu recomendaria para qualquer garoto. Acho que uma coisa que fez um bem danado pra minha vida foi o fato de que eu, intuitivamente primeiro, e organizadamente depois, ter quando muito novo sempre convivido com gente mais velha e, depois de mais velho, sempre convivido com gente mais nova. Acho que é isso que faz a minha vida. Assim como sempre que fui empregado me comportei como se fosse o dono e, quando eu passei a ser o dono, passei a me comportar como se fosse empregado, o que chega primeiro, é mais cordial. São pequenos truques que vão fazendo as coisas”.

Numa de suas últimas entrevistas, para Michelle Trombelli e Roberto Nonato, na rádio Novabrasil, em janeiro de 2024, Olivetto falou do que considerava a falta de brilho da publicidade brasileira atual, atribuindo o fato a uma briga entre a publicidade online e offline que surgiu a partir do crescimento da mídia digital. •

“Washington foi escola, e foi aluno do cotidiano para compreender que a propaganda criativa vem da rua, dos hábitos da cultura popular” Fernando Barros

Presidente do conselho da agência Propeg

“Um talento raro, uma pessoa culta e divertida, sofisticada e popular, um amigo elegante e legal, um corinthiano fanático, cidadão do mundo” Luiz Lara

Presidente do Cenp-Meios

“O Brasil não seria o que é no mundo da música sem Tom Jobim, assim como no mundo da propaganda sem Washington” Filipe Bartholomeu

Presidente e CEO da AlmapBBDO

“Elevou a publicidade brasileira ao reconhecimento internacional entre as melhores do mundo” Mario D’Andrea

CEO e sócio da D’OM.

Foi do publicitário Washington Olivetto a escolha do ator que se tornaria um dos rostos mais conhecidos da propaganda brasileira: Carlos Moreno. O “Garoto Bombril”, como Moreno ficaria conhecido, estampou as campanhas da marca de produtos de limpeza da marca por 35 anos, de 1978 a 2004, retornando em anos seguintes e encerrando a parceria em 2019.

O casamento entre o ator e a marca deu tão certo que garantiu a Moreno um título curioso: o de garoto-propaganda mais longevo do mundo, reconhecido pelo Guinness Book, o livro dos recordes.

Ao longo de uma longa carreira, Olivetto se consagrou como um dos nomes mais premiados do mercado publicitário brasileiro. Só no Cannes Lions Festival Internacional de Criatividade, o mais importante da publicidade global e do qual o Estadão é o representante oficial no Brasil, o publicitário conquistou mais de 50 estatuetas.

O publicitário, inclusive, foi o primeiro brasileiro a ganhar um dos principais prêmios do festival. Em 1969, no ano em que começou sua carreira como publicitário, ele recebeu um Leão de Bronze por uma ação para a marca Deca. O primeiro Leão de Ouro viria cinco anos mais tarde, em 1974, com a campanha “Homem com mais de 40 anos”.

Muitos anos antes do termo “etarismo” entrar em voga, o publicitário levou à televisão brasileira a campanha que questionava a discriminação contra homens mais velhos em anúncios de trabalho, quando se “limitava” a idade para se candidatar a alguns postos. “Nenhum país pode se dar ao luxo de desperdiçar o potencial dos seus homens mais experientes”, criticava o comercial.

‘OBRAS-PRIMAS’.

Ao compilar uma centena de comerciais publicitários mais relevantes da história, em 1999, a escritora americana Bernice Kanner listou dois filmes criados por Olivetto como obras-primas da publicidade.

No primeiro deles, de 1987, o publicitário criou a campanha “Meu primeiro sutiã” para a marca de roupa íntima Valisère. O comercial foi estrelado pela atriz Patrícia Luchesi, à época alçada à fama pela repercussão da campanha. No filme, uma jovem de 12 anos recebia de presente um sutiã da marca, cunhando a mensagem “o primeiro Valisère a gente nunca esquece”.

No mesmo ano, viria o segundo filme listado por Bernice Kanner como um dos mais importantes da história. A agência W/Brasil desenvolveu o comercial “Hittler”, para o jornal Folha de S.Paulo. A ação ganhou repercussão e garantiu mais um Leão de Ouro do Cannes Lions para Olivetto.

MÚSICA.

Fundador da agência W/Brasil, Olivetto viu o nome de um dos seus negócios ser eternizado na música de Jorge Ben Jor. A canção começou a ser composta durante a festa de fim de ano da agência de Olivetto, que convidou o cantor para se apresentar no evento. Ao cantar para o público presente, Jorge Ben brincava com os convidados dizendo: “Alô, Alô W/Brasil…”.

Como lembrou o próprio Olivetto, depois do evento ele e o artista conversaram sobre a situação política do País e, em tom de brincadeira, o publicitário teria dito que, se o Brasil fosse um condomínio, Tim Maia seria o síndico. O resto é história.

O publicitário havia criado, recentemente, seu próprio programa de entrevistas, o podcast WCast, onde recebia autoridades, celebridades, influenciadores e outros nomes do mercado da comunicação nacional, de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), como Cármen Lúcia, a cantores, a exemplo de Martinho da Vila. •

Duas campanhas de Olivetto aparecem em compilação entre as mais relevantes do setor

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