‘O gasto público é hoje uma preocupação de curto prazo no Brasil’
Para o economista, impulso fiscal de 2023 foi muito forte e deixou desafios a serem enfrentados Economista, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005 e presidente do Insper
LUIZ GUILHERME GERBELLI
“A política fiscal tem uma série de desafios grandes, porque, ao romper com o teto de gastos, se reintroduziu uma série de indexações nas despesas. Já deu problema no ano passado e só adiaram a solução”
Oeconomista Marcos Lisboa avalia que a economia colheu boas notícias em 2023, mas pondera que a área fiscal tem uma “série de desafios” que deixaram de ser um problema de médio prazo e estão se transformando numa questão de curto prazo. “A conta está chegando”, diz Lisboa, ex-secretário de Política Econômica e ex-presidente do Insper. “A preocupação era a médio prazo, mas agora está virando curto prazo. Houve um impulso fiscal muito forte em 2023 e isso está deixando desafios grandes daqui para frente.”
Uma das grandes preocupações apontadas por ele é que o espaço aberto pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição foi preenchido por gastos que se tornaram permanentes, como aumentos de salários. “Invariavelmente no Brasil, quando se tem uma folga fiscal, por alguma razão, isso acaba virando despesa permanente com salários e aposentadorias. É um traço brasileiro”, afirma. “Os números que estão saindo começam a preocupar bastante. Qual vai ser o tamanho do crescimento do gasto em 2024 e como é que vai se fazer esse ajuste?”, questiona.
A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estadão.
Qual é sua avaliação sobre o desempenho da economia em 2023?
Houve boas notícias. Houve um cenário internacional que não foi ruim como se esperava. O mundo tem conseguido reduzir a inflação com muito menos custo do que no passado. E tem indícios – eu vou usar a palavra indícios com muita precisão – de que várias reformas feitas nos últimos anos tiveram bons resultados, como a trabalhista, as mudanças no mercado de capitais, o fim da TJLP (Taxa de Juros de Longo prazo, substituída pela TLP), a reforma da Previdência. Houve uma série de mudanças importantes. Teve todo o saneamento das estatais no governo Temer. Eu acho que o governo Temer deixou um legado que está gerando resultado.
Por que apenas indícios? Eu uso o termo indícios porque a gente ainda não tem dados suficientes para testar o peso relativo de cada uma dessas hipóteses. Mas os indícios são de que essas reformas tiveram impacto positivo no mercado de trabalho e na economia. E esse é um aspecto que, às vezes, é pouco enfatizado. O que acontece na economia num determinado ano, em geral, é resultado de muitos anos anteriores. Da mesma maneira que o primeiro governo Lula colheu muito dos frutos do que foi feito no governo Fernando Henrique, e muitos dos problemas do governo Dilma – não todos, mas uma parte importante deles –, foram construídos no segundo governo Lula. A gente está colhendo muita coisa dos últimos anos. De novo, eu preciso de mais dados para poder testar exatamente o peso de cada um.
E o que preocupa?
A preocupação era a médio prazo, mas agora está virando curto prazo. A preocupação é que houve um impulso fiscal muito forte em 2023 e isso está deixando desafios grandes daqui para frente. De novo, tem uma defasagem entre a decisão tomada e o seu impacto mais estrutural. A política fiscal tem uma série de desafios grandes, porque, ao romper com o teto de gastos, você reintroduziu uma série de indexações nas despesas. Já deu problema no ano passado. Só adiaram. O Judiciário brasileiro falou assim: ‘Vamos deixar a Constituição para valer a partir de 2024’. Mas o problema está aí. Despesas que estão indexadas a receitas correntes voltaram. Isso traz desafios para o crescimento da despesa em 2024. E há um aspecto da política fiscal no Brasil que é muito preocupante. Invariavelmente, quando se tem uma folga fiscal, por alguma razão, isso acaba virando despesa permanente com salários e aposentadorias. É um traço brasileiro. E depois, não consegue fazer o ajuste, porque não pode cortar essas despesas.
Isso ocorreu novamente? A gente está vendo toda a dificuldade que vários Estados e municípios estão tendo agora. É uma encrenca contratada. Na hora que você teve folga fiscal, não virou investimento, não virou melhora relevante em saneamento, em indicadores de escolaridade, em estradas. Virou, em grande medida, nos governos locais, aumento de salários e aposentadorias. Agora, a conta está chegando. E aí os municípios viram para o governo e dizem que não podem pagar essa conta. É um desafio forte para 2024. As projeções de variação da dívida são preocupantes. O Brasil está destoando de outros países, inclusive da América Latina. Há uma visão de que tem um governo do PT, mas um Congresso conservador, e isso criaria um equilíbrio. Qual a avaliação do senhor?
Eu discordo. Eu acho que tem tanto um governo quanto um Congresso com uma agenda de despesas, em muitos casos, com demandas paroquiais, e uma disputa para onde vai o recurso. Não é que tem um contraponto. Estamos vendo todo o problema das emendas parlamentares e uma série de gastos que estão sendo feitos e que vão ficando permanentes. Isso sinaliza um cenário mais difícil para a macroeconomia em 2024. O Brasil não é um país de juros reais altos à toa. Tem um desafio aí. Um outro ponto que me preocupa é que começou a ter, nos últimos anos, uma volta dessa agenda de distorções microeconômicas. Uma série de medidas foi aprovada nos dois últimos anos do governo anterior e agora elas vão criando distorções no ambiente de negócio. Isso prejudica a produtividade e o crescimento. •
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2024-01-15T08:00:00.0000000Z
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