O Estado de S. Paulo

‘Discutir tributação de dividendos abre os portões da coitadolândia’

No livro ‘Extremos’, economista expõe desigualdades sociais em vários pontos do Brasil e defende que ricos paguem mais impostos Doutor em Economia pela UnB, é diretor de Assuntos Econômicos e Sociais da Vice-Presidência da República

ALVARO GRIBEL

“Quem ganha mais, paga menos. Então, só fazer os mais ricos pagarem os 27,5% como os demais já seria um grande avanço. Mas mesmo aí há resistência”

Depois de anos debruçado sobre planilhas de dados como consultor legislativo do Senado, o economista Pedro Fernando

Nery, hoje diretor de Assuntos Econômicos e Sociais da VicePresidência da República, decidiu visitar oito localidades que mais escancaram a desigualdade social do País.

O resultado está em Extremos – um mapa para entender a desigualdade no Brasil (Ed. Zahar), na missão de revirar causas e propor saídas para superar o que, para muitos, é a maior chaga da economia nacional.

Nery defende que haja aumento de impostos sobre os mais ricos – incluindo alíquotas sobre grandes fortunas –, maior tributação sobre propriedades rurais e estímulo ao adensamento populacional urbano, além de foco na construção de creches e emprego massivo para mulheres.

“Quem ganha mais, paga menos. Então, só fazer os mais ricos pagarem os 27,5% como os demais já seria um grande avanço. Mas mesmo aí há resistência. Uma proposta como a de tributação de lucros e dividendos já abre os portões da ‘coitadolândia’, para usar uma expressão das redes”, diz Nery em entrevista ao Estadão.

A ideia do livro foi visitar oito localidades representativas da desigualdade. Como foi sair das planilhas e presenciar isso de perto?

Quando ainda era colunista do Estadão, houve os 130 anos da República, em 2019, e se organizou quais seriam os grandes temas do País. Combate à desigualdade aparecia no topo. Então, eu vejo que na esquerda e na direita existe preocupação com esse assunto. A inquietação de sair de Brasília e ir atrás desses lugares veio um pouco do isolamento da pandemia – esse é um livro que começou a ser escrito em 2020. Teve o empurrão de um livro em inglês chamado Extreme Economies,

de Richard Davies, com a lógica de um economista que vai para lugares extremos, ver o que se pode pegar daquela realidade. Isso e pela condição de ser servidor em Brasília, de morar em um lugar privilegiado, de mexer tanto com municípios, índices na planilha, sem necessariamente estar lá.

Que lugares foram esses?

Teve um lugar com o maior desenvolvimento humano: (o bairro de) Pinheiros, na zona oeste de São Paulo; o pior, que seria Ipixuna, na fronteira entre o Acre e o Amazonas. O bairro que tem maior expectativa de vida, que poderia ser o Morumbi, também em São Paulo. O bairro em que se vive menos, que é Mocambinho, na periferia de Teresina. A unidade mais rica da Federação, que é o DF; a mais pobre, que é o Maranhão. E aí, dois extremos sobre apropriação do gasto público: a cidade com mais aposentados, que é o município de Nova Petrópolis, na Serra Gaúcha, e o município com mais Bolsa Família, que é Severiano Melo, no Rio Grande do Norte.

Um dos pontos defendidos no livro para reduzir desigualdade é o do adensamento populacional urbano, uma ideia que de certa forma vai na contramão do senso comum. Como é essa proposta?

É um tema fundamental, que tem ganhado muita atenção lá fora, em parte pela necessidade de combater a mudança climática e reduzir a queima do combustível fóssil. Diminuir distâncias nas cidades interessa também para que os mais pobres estejam mais próximos de oportunidades, principalmente de trabalho. Não adianta se preocupar tanto com qualificação profissional, legislação trabalhista, desoneração ou redução de juros se as pessoas estão longe dos empregos. Precisamos aproximar ricos e pobres, também fisicamente.

No campo tributário, seus estudos apontam que o Brasil precisa ter uma taxação sobre grandes fortunas, além de aumentar o tributo sobre heranças. Há viabilidade política para isso?

Há muitas propostas no Congresso Nacional e uma pequena mudança já feita na PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da reforma tributária. A questão das heranças é mais consensual entre economistas do que o imposto sobre grandes fortunas. Tributar melhor heranças é importante para o próprio crescimento. É um desperdício concentrar recursos em quem não é necessariamente o mais dedicado, o mais talentoso, enquanto há um potencial enorme em capital humano com crianças pobres passando privações básicas.

Isso quer dizer que a reforma do Imposto de Renda já deveria vir com uma nova alíquota, para uma nova faixa de renda?

Talvez seja suficiente combater os benefícios tributários, o que aumenta a alíquota efetiva – isto é, a alíquota paga na prática. Isso pode ser feito sem novas faixas. A Constituição exige um IR progressivo, mas o nosso é, a partir de certo ponto, regressivo. Quem ganha mais, paga menos. Então, só fazer os mais ricos pagarem os 27,5% como os demais já seria um grande avanço. Mas mesmo aí há resistência; uma proposta como a de tributação de lucros e dividendos já abre os portões da “coitadolândia”, para usar uma expressão das redes.

Que propostas do livro precisariam de maior entendimento por parte do próprio governo e do PT?

Acho que a postura de ambos é inequívoca na defesa da redução da desigualdade, e “pobre no Orçamento e rico no IR” é um bom mantra. •

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2024-04-29T07:00:00.0000000Z

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