‘Ninguém vê o governo comprometido com o fiscal’
Pacote de corte de gastos pode evitar piora das contas, mas não será solução de longo prazo, afirma economista Ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, preside o conselho de administração da JiveMauá Investments
JOSÉ FUCS
“Acho que, no máximo, (o pacote) pode conter uma piora expressiva. Quer dizer que, quem for governar o País a partir de 2027, terá de fazer um enorme ajuste nas contas públicas para tornar a política fiscal sustentável”
Oeconomista Luiz Fernando Figueiredo, exdiretor do Banco Central e presidente do conselho de administração da JiveMauá Investments, uma empresa de gestão de recursos, não tem ilusão em relação à situação das contas públicas no governo Lula. “As pessoas simplesmente não acreditam mais que esse governo esteja comprometido com uma política fiscal sustentável. Não acreditam porque ele já demonstrou ‘n’ vezes que não está”, afirma.
Segundo Figueiredo, o pacote de contenção de gastos que o governo deve anunciar nestes dias poderá até impedir que haja uma piora do quadro até o fim do atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2026, mas não vai resolver o problema fiscal do País ao longo do tempo. “O mercado está tão negativo que, se o governo entregar alguma coisa razoável, vai surpreender positivamente.” A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como o sr. vê a política fiscal no governo Lula?
O governo, como a gente sabe, está expandindo muito os gastos. Isso tem uma série de consequências: no déficit público, no endividamento, nos riscos dos ativos. Agora, há outro aspecto, cujo efeito também é muito negativo, que a gente tem de levar em conta: o governo está expandindo tanto os gastos que a economia está andando mais do que poderia. Hoje,
o Brasil está crescendo na faixa de 3% do PIB ao ano, e boa parte disso se deve à expansão dos gastos públicos. É algo que os economistas chamam de “impulso fiscal”, que é um indicador que mostra o quanto essa política ajuda a economia a crescer. Em 2023, o impulso fiscal chegou a 2% do PIB. Neste ano, ele diminuiu um pouco, mas ainda está entre 1% e 1,5% do PIB, mais para 1,5% do PIB. É muita coisa, considerando que o nosso crescimento potencial, ou seja, o nível de crescimento que o País pode ter sem superaquecer a economia e gerar pressões inflacionárias, é de 2% a 2,5% do PIB ao ano.
O que está levando o Banco Central a dizer que essa gastança promovida pelo governo é incompatível com a política monetária? Se o governo expande muito os gastos quando o BC está tentando brecar a economia, para evitar que a atividade econômica fique superaquecida e haja um aumento da inflação, acontece um desequilíbrio. É como se você estivesse num carro em que o motorista acelera e breca ao mesmo tempo. Quando isso ocorre, há um conflito e o carro pode até capotar. Na economia, isso significa que o breque tem de ser mais forte. Se o governo não estivesse acelerando muito a atividade econômica, o BC poderia ser mais gentil no breque. É simples assim.
Como isso está afetando o mercado financeiro?
Esse conjunto de coisas acaba se refletindo nas expectativas, na confiança dos agentes econômicos. O que os mercados estão nos dizendo? Os ativos brasileiros estão nos dizendo que se está praticando uma série de medidas que vão colocar o Brasil lá na frente numa situação muito pior do que a que ele está hoje. O BC ter de parar de reduzir os juros e começar a subir de novo as taxas com a inflação em 4,5% ao ano é uma loucura.
O governo vem prometendo um pacote de corte de gastos, que deve sair por estes dias, pelo que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, falou. Como isso deve mudar esse quadro que o sr. traçou? Finalmente, o governo está olhando para o gasto. Está discutindo um pacote de corte de despesas que, pelo que está sendo dito, parece que será mais para bom do que para ruim. Depois, ainda vai ter de passar pelo Congresso. Dependendo do que vier, pode melhorar um pouco as expectativas. Mas, como até agora só veio o pior, como toda vez que houve muito gasto o governo mudou a meta (de resultado primário) e ainda tirou o excesso de gasto do arcabouço fiscal, está todo mundo querendo ver primeiro o que vai acontecer, para avaliar depois.
A rigor, decorridos quase dois anos desde a posse de Lula, o governo não cortou nada substancial nas despesas. Isso acaba contribuindo para gerar esse tipo de incerteza em relação à política fiscal?
Com certeza. Hoje, existe uma negatividade muito grande. As pessoas simplesmente não acreditam mais que esse governo esteja comprometido com uma política fiscal sustentável ao longo do tempo. Não acreditam porque ele já demonstrou ‘n’ vezes que não está. O mercado está tão negativo que, se o governo entregar alguma coisa razoável, vai surpreender positivamente. Vamos ver o que será anunciado, como é que será esse pacote de contenção de gastos. E vamos ver o que vai acontecer na prática, porque não adianta ficar falando, falando, falando, e depois fazer tudo diferente.
Como estará a questão fiscal no fim do governo Lula, em 2026?
Como eu falei, não acredito que esse governo vá tratar a questão fiscal do jeito que é necessário. Eu acho que, no máximo, ele pode conter uma piora expressiva. Isso quer dizer que, quem for governar o País a partir de 2027 terá de fazer um enorme ajuste nas contas públicas para tornar a política fiscal sustentável. É como aquele médico com quem você tem de marcar uma consulta com muita antecedência. A gente já tem uma consulta marcada com o médico para 2027.l
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2024-11-26T08:00:00.0000000Z
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