O Estado de S. Paulo

Especialistas veem falta de clareza sobre cálculo de tributação efetiva

Para governo, ajustes poderão ser feitos para detalhar os conceitos de alíquota efetiva durante tramitação de projeto no Congresso

MARIANA CARNEIRO

O estudo liderado pelo especialista em contas públicas Manoel Pires indica que investidores enquadrados como de alta renda que recebem dividendos de empresas listadas na Bolsa de Valores muito provavelmente serão taxados.

“Vai ter efeito tributário, sim. Esse limite que foi colocado ( no projeto apresentado pelo governo ao Congresso, de 34%) foi um limite para situações mais extremas, para evitar uma carga tributária excessiva sobre a empresa. Mas a maior parte das empresas não vai atingir esse limite; então, vai ter um efeito tributário, sim ( ou seja, o dividendo será tributado)”, disse Pires, que é coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e professor da UnB.

O estudo, assinado também pelos economistas Pedro Romero Marques e José Bergamin, verificou a alíquota efetiva paga de Imposto de Renda pelas empresas segundo quatro diferentes critérios. A diferença ocorre principalmente em razão de redutores, previstos em lei, da tributação das empresas. São desde benefícios tributários setoriais ou regionais até bônus contábeis que reduzem a base de cálculo sobre a qual incide a tributação.

Advogados tributaristas afirmam que o texto apresentado pela equipe econômica não esclarece como será calculada a alíquota efetiva das empresas para a nova tributação de Imposto de Renda sobre os mais ricos – ou seja, o que será levado em consideração para se chegar a esse resultado.

Em reunião na Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE) no fim de março, o tributarista Luiz Bichara observou que empresas que são beneficiadas por incentivos, como os oferecidos para as que se instalam nas Regiões Norte e Nordeste e também para aquelas que oferecem bolsas de estudos do Prouni, obtêm descontos que fazem baixar a alíquota de IR que pagam. Há ainda empresas que abatem do IR prejuízos tributários registrados no passado e outras que abatem gastos com investimentos, como a compra de máquinas e equipamentos.

Essas medidas são exemplos de redutores da alíquota efetiva autorizados em lei. Seus sócios poderão ser taxados sem considerar os redutores? Ou os redutores serão considerados na conta, inflando a alíquota efetiva? O secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, e o secretário especial de reformas econômicas, Marcos Pinto, não cravaram o entendimento.

Barreirinhas prometeu que a Receita irá fornecer ao acionista ou investidor a alíquota efetiva da empresa originária do dividendo como informação automática na declaração prépreenchida do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Tributaristas seguem em dúvida.

Auxiliar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que participou da elaboração da proposta afirmou à reportagem que o objetivo é tributar o sócio da empresa que pagou menos imposto, sem exceções. Ou seja, os benefícios não serão descontados.

Bichara chegou a apresentar outro complicador: “Se ( a pessoa física) tem ações de dez empresas na Bolsa, então, ele vai ter de descobrir qual é o lucro, o lucro líquido, o lucro contábil

“Esse limite que foi colocado (de 34%) foi um limite para situações mais extremas, para evitar uma carga tributária excessiva sobre a empresa. Mas a maior parte das empresas não vai atingir esse limite; então, vai ter um efeito tributário”

Manoel Pires

Especialista em contas públicas

( métricas para se chegar à alíquota efetiva) de cada uma dessas empresas para calcular o seu tributo, sendo que há um descasamento temporal – porque ele tem de entregar a declaração de IR da pessoa física em meados de março. E essas empresas que são cotadas em Bolsa têm até abril para publicar informações financeiras”, afirmou.

Manoel Pires concorda que falta clareza na proposta do governo sobre o cálculo da alíquota efetiva. “Isso é uma coisa que na tramitação do Congresso, certamente, os parlamentares vão querer um pouco mais de transparência”, afirma. “Pode ser que eles queiram diferenciar o lucro ( tributável das empresas) do Simples, do lucro presumido e do lucro real, porque as cargas efetivas são muito diferentes. Então, vai ter um longo debate aí para deixar isso mais claro”.

Pires diz que não há certo ou errado nesse entendimento. “A legislação que foi encaminhada não trata disso, como se fosse uma coisa simples. Não é uma coisa simples. E é uma decisão que faz diferença, pode mudar a conta, se você ( o contribuinte enquadrado como mais rico) vai pagar mais ou menos imposto.”

Na equipe econômica, a leitura é de que ajustes podem ser feitos para detalhar os conceitos de alíquota efetiva durante a tramitação no Congresso e em conversas com representantes do setor privado.

‘EFEITOS PERVERSOS’. Para o advogado João Aldinucci, consultor da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), a proposta do governo traz “consequências mais perversas” para empresas que fazem parte do regime de lucro presumido e do Simples.

Segundo o Ministério da Fazenda, as alíquotas efetivas médias nesses dois regimes são de 11% e 6%, respectivamente, o que torna seus sócios ainda mais suscetíveis à tributação sobre o dividendo caso sejam de alta renda (acima dos R$ 50 mil mensais).

“A medida desvirtua o lucro presumido”, afirma Aldinucci. “Como o próprio nome diz, o lucro presumido faz uma presunção do lucro em cima da receita. Na prestação de serviços, o lucro presumido é de 32%. O desvirtuamento acontece porque, no cálculo da alíquota efetiva, não será considerado o lucro presumido, mas o lucro contábil.”

Redutores

Legislação atual prevê benefícios a empresas para abater valor pago de IR

Uma das preocupações de tributaristas é de que, numa tentativa de escapar da tributação, sócios passem a contabilizar despesas pessoais nas contas da empresa. Dessa forma, se reduz o pagamento via dividendos, alvo das atenções do governo com a nova tributação do IR, e também a tributação da empresa.

Aldinucci observa que a última proposta de reforma do IR, apresentada no governo Jair Bolsonaro, listava as possibilidades de distribuição disfarçada de lucros. A proposta não avançou por resistência até da Receita, que viu perda de arrecadação com o texto que chegou a ser discutido no Congresso. •

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2025-04-22T07:00:00.0000000Z

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