O Estado de S. Paulo

Piscinões no Morumbi viram alvo de queixa de moradores e especialistas

Críticas incluem método defasado e impactos no bairro; Prefeitura diz que grandes intervenções são necessárias

GIOVANNA CASTRO

Grupos de moradores do Morumbi, zona sul de São Paulo, têm questionado a Prefeitura e o governo do Estado sobre a construção de dois piscinões na região do Estádio MorumBis. As obras foram anunciadas em janeiro e visam a resolver os alagamentos na região.

A vizinhança e especialistas ouvidos pelo Estadão, porém, consideram a medida “cara” e defasada diante das mudanças climáticas. Entre as alternativas, citam tecnologias para monitorar o entupimento de bueiros, descanalização de córregos, implementação de parques lineares e jardins de chuva, além da regularização de moradias.

A Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras (Siurb), da Prefeitura, diz que estudos mostram que medidas complementares não são suficientes para evitar enchentes, por isso a necessidade de grandes intervenções. Já a pasta de Subprefeituras diz fazer a zeladoria, como limpar córregos, reparar bocas de lobo e coletar resíduos. O Estado afirma que está implementando o piscinão RA-01 Antonico, “beneficiando mais de 1 milhão de moradores”, mas que os projetos de ambos os piscinões foram desenvolvidos pela Prefeitura – o Estado apenas assumiu uma das construções. De acordo com o governo, há previsão de ações complementares para melhorar a drenagem, assim como plantio de vegetação.

A primeira obra, do governo do Estado, foi iniciada em fevereiro e corresponde a um reservatório subterrâneo com capacidade de armazenamento de 44 m³ de água abaixo da Praça Alfredo Gomes, perto do Colégio Porto Seguro.

A segunda obra, da Prefeitura, já foi contratada, mas ainda não tem data de início. É um reservatório subterrâneo de 133,5 mil m³, a ser construído abaixo do posto policial ao lado da Praça Roberto Gomes Pedrosa, na região do Portão 1 do MorumBis – e inclui 664 metros de novas galerias de água na região. Ambas têm prazo de conclusão de 24 meses após início das obras.

A CET diz que vai monitorar a interdição e orientar o trânsito na região para manter a fluidez e a segurança. “A empresa executante fez o projeto de sinalização e rotatória da Praça Alfredo Gomes, conforme descrito no termo de permissão de obra viária”, diz o órgão.

No início de abril, moradores e ativistas ambientais se reuniram com o titular da Siurb e responsáveis técnicos por um dos piscinões na sede do Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) do Morumbi. A população se queixa de falta de consulta pública sobre a definição dos piscinões. ÁRVORES. Moradores e parte dos especialistas reclamam ainda da falta de propostas ambientais. Além disso, o piscinão construído pelo Município inclui a derrubada de árvores centenárias da região. Ao todo, serão retiradas 225 árvores para permitir a abertura de canteiros de obras. Segundo a equipe da Siurb, 228 mudas nativas serão replantadas no entorno após a obra.

“É extremamente grave que, em momento de crise climática, seja feito um projeto desse porte com soluções cinzas. Não passou antes por consulta pública, audiências com especialistas em tecnologia verde, reuniões com moradores para discutir impactos e alternativas com soluções baseadas na natureza”, diz Fabíola Lago, da Rede Ambiental Butantã. “Será que não existiam alternativas mesmo? A água vai escorrer para os piscinões, mas continuar cheia de lixo?”, indaga Pedro Antônio Bastos, outro morador da região.

‘SOLUÇÃO ULTRAPASSADA’.

Por meio de bombas, piscinões funcionam como válvula de escape para córregos e rios canalizados nas cheias e podem ser descobertos ou cobertos, como no caso no Morumbi. Armazenam o excesso de água para, depois, liberá-la lentamente, mantendo o sistema de drenagem funcionando. Para especialistas ouvidos pelo Estadão, o método ajuda a reduzir enchentes, mas não funciona como único meio contra alagamentos, sobretudo diante das mudanças causadas pelo aquecimento global.

Segundo Paulo Pellegrino, arquiteto, urbanista e professor da Universidade de São Paulo (USP), o piscinão é “solução ultrapassada” que segue a lógica antiga de enterrar e canalizar rios e córregos. Para ele, o remédio passa por criar jardins de chuva em todo o bairro, descanalizar rios, regularizar moradias e construir parques lineares nas encostas.

“Por que não aplicar modelos mais avançados, com desenho mais adequado para a cidade em meio às mudanças climáticas? São Paulo tem de fazer as pazes com suas águas, abandonando a visão de que elas são nossas inimigas e devem ser enterradas”, sugere ele. “Precisamos de retenção do máximo possível de água nos pontos de origem da bacia e na descida, reduzindo a velocidade da água nos canais que chegam lá embaixo (onde são feitos os piscinões).”

Fernando Ribeiro, professor de Engenharia Civil da FEI, compara piscinões a pontes de safena. “Servem para emergência, mas não tratam o problema na raiz. Estamos em meio a mudanças climáticas, vendo o regime de chuvas mudar o tempo todo. Os dados usados nessas obras já nascem ultrapassados. Uma obra como essa leva anos, é caríssima e, quando pronta, pode ser que a capacidade do reservatório não seja mais suficiente”, afirma.

Para o professor da FEI, a Prefeitura deve aprimorar o

Questão ambiental Um dos principais focos de descontentamento é a retirada de árvores centenárias

uso de tecnologias para medir chuvas e detectar o nível de enchentes e entupimento de bueiros, aplicando medidas pontuais nas áreas afetadas. Segundo ele, o uso de cestas de captação de lixo em bocas de lobo, por exemplo, é barato e “muito eficaz”. Piscinões, na opinião de Ribeiro, deveriam ser o último recurso.

OBRA MAIOR. Antonia Guglielmi, engenheira da Secretaria de Obras, explicou na reunião do Conseg que cálculos feitos com base nos maiores volumes de água de chuva já registrados na região indicaram que apenas soluções ambientais não seriam suficientes. “A solução ambiental deve ser complementar a essas soluções maiores. Mas quem faz essa parte (jardins de chuva, telas em bocas de lobo, etc)é a subprefeitura“, diz ela.

O secretário de Obras, Marcos Monteiro, afirmou na reunião que soluções ambientais têm potencial de reduzir pela metade o impacto das chuvas no sistema de drenagem. “A gente fez um estudo na bacia do Aclimação, justamente para analisar a efetividade. Fazendo tudo isso, ainda assim, conseguiu reduzir o volume dos reservatórios pela metade, ou seja, não foi efetivo (a ponto de excluir piscinões).”

“Por que não aplicar modelos mais avançados, com desenho mais adequado para a cidade em meio às mudanças climáticas? São Paulo tem de fazer as pazes com suas águas, abandonando a visão de que elas são nossas inimigas e devem ser enterradas”

Paulo Pellegrino Arquiteto, urbanista e professor da USP

Beneficiados Estado cita benefício a mais de 1 milhão de pessoas com apenas um dos reservatórios

Na reunião, a equipe se comprometeu em trabalhar para trazer mais verde ao projeto, com um parque linear no entorno do trecho do Córrego Antonico e melhorias na arborização das duas praças afetadas pela obra – Alfredo Gomes e Roberto Gomes Pedrosa.

Procurada sobre as medidas contra enchentes, a Secretaria de Subprefeituras dis

se que “executa serviços de zeladoria, poda e remoção de árvores, além de reformas de galerias, bocas de lobo e poços de visita e limpeza de córregos, piscinões, limpezas de túneis, antecipação das coletas de resíduos de varrição e coleta de pontos críticos e pontos viciados”.

Também informou que, “por meio do Sistema Urano, o cenário meteorológico e os equipamentos de contenção de enchentes da cidade (os chamados piscinões) são monitorados 24 horas”.

A gestão municipal ainda informou que as intervenções no Córrego Antonico fazem parte do Programa de Urbanização de Favelas da Prefeitura. As obras contratadas pela Secretaria de Habitação “incluem canalização, remoção de construções de áreas de risco, readequação de unidades habitacionais, drenagem pública, redes de água e esgoto, e pavimentação”. A previsão de entrega é setembro de 2027.

ESTADO. Já a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística afirma que o projeto “é idealizado pela Prefeitura e prevê ainda a canalização do Córrego

Antonico e interligação a outro reservatório”. “Na região do Morumbi e Paraisópolis, o DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica) está implantando o piscinão RA-01 Antonico,

visando a minimizar a ocorrência de enchentes nesses bairros e beneficiando mais de 1 milhão de moradores”, diz.

Conforme a pasta, o projeto que está sendo desenvolvido prevê o plantio de vegetação, incluindo espécies como ipês brancos e amarelos, pata de vaca, uvaia e jacarandá carobinha, por exemplo. •

METRÓPOLE

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2024-04-21T07:00:00.0000000Z

2024-04-21T07:00:00.0000000Z

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