O Estado de S. Paulo

Mesmo com desmate em queda, Amazônia está queimando mais

Há mais incêndios apesar de desmate menor; focos surgem mesmo antes da estação de queimadas e por áreas preservadas. Região tem 1.489 brigadistas, diz governo

JULIANA DOMINGOS DE LIMA

“Continua uma condição hídrica e climática em que a paisagem está muito inflamável. Qualquer início de queimada pode virar incêndio”

Ane Alencar

Diretora de Ciência do Ipam

Combate ao desmate não tem sido mais suficiente para evitar os incêndios na Amazônia

A Amazônia está queimando mais neste ano, mesmo com o desmatamento em queda. Mais de 43 mil focos de fogo já foram detectados, pior índice desde 2007 no bioma para o período de 1.º de janeiro a 20 de agosto, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Uma resposta mais efetiva de prevenção tem sido cobrada do governo Luiz Inácio Lula da Silva, e o Ministério do Meio Ambiente afirma que hoje 1.489 brigadistas atuam na região.

A área queimada da floresta também praticamente dobrou na comparação com o ano anterior. Até o mês passado, 3.395.971 hectares foram atingidos pelo fogo no bioma, ante 1.569.735 hectares de janeiro a julho de 2023, segundo a plataforma Monitor do Fogo do Mapbiomas.

Normalmente atrelado à perda de cobertura vegetal, o fogo tem se espalhado mais cedo e por áreas não desmatadas. Agrava a situação a seca iniciada em 2023, intensificada pelo fenômeno El Niño e pelas mudanças climáticas. “Continua uma condição hídrica e climática em que a paisagem está muito inflamável. Qualquer início de queimada pode virar incêndio”, disse a diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Ane Alencar. Ela lembra que a vegetação úmida torna o fogo natural raro na floresta.

Nas primeiras semanas de agosto, foram tantos focos (18.268 até o dia 20), que a fumaça encobriu o céu de Manaus e de outras cidades amazônicas, levando o Brasil à posição de 5.º país com o ar mais poluído do mundo. As partículas derivadas das chamas não afetam só a saúde de moradores da Região Norte, mas afetam até a qualidade do ar em São Paulo, como mostra estudo publicado em 2023 por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen).

Segundo Ane, o fogo atinge agora principalmente o sul do Amazonas, a região da Transamazônica, o norte de Rondônia, o sudoeste do Pará, e a Terra do Meio. O possível descolamento entre os processos de desmatamento e queimadas no bioma foi sinalizado por nota técnica produzida por pesquisadores do Ipam, da Nasa (agência espacial dos EUA) e da Universidade Yale (EUA), divulgada em 28 de junho.

O estudo identifica mudanças significativas nos padrões de incêndios na Amazônia ao longo de 2023, assim como na distribuição espacial da área queimada. Cidades onde houve maior queda de desmate também registraram redução da área queimada, mesmo na seca. Isso indica que o elo entre destruição da cobertura vegetal e fogo persiste no bioma, diz Ane. O estudo conclui, porém, que o combate ao desmatamento não tem sido mais suficiente para evitar as chamas.

SECA ESTENDIDA.

Em 2024, a temporada de fogo se antecipou por causa de um período chuvoso muito curto, com a seca de 2023 se estendendo para este ano. Segundo Ane, áreas em Pará e sul do Amazonas que normalmente queimariam em agosto já estavam em chamas em julho. A estação de queimadas no bioma costuma começar no 2.º semestre, pelo sul do Amazonas, e vai subindo até chegar a Roraima.

Em julho, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, disse ao Estadão que dados elevados de incêndios na região de Roraima no início do ano puxaram a alta dos focos na Amazônia no primeiro semestre. Na época, ele também chamou a atenção para a degradação da floresta, relacionada aos períodos de seca, à fragmentação florestal e ao efeito de borda (mudança na composição e quantidade de espécies na borda de um fragmento de vegetação).

De acordo com o monitoramento por imagens de satélite feito pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), as queimadas em Roraima neste ano causaram a maior degradação na Amazônia em pelo menos 15 anos, considerando os primeiros quatro meses deste ano.

FOGO EM ÁREA PRESERVADA.

“Grande parte do fogo continua sendo nas áreas já abertas (para agricultura ou pastagem), mas existem também áreas de floresta que estão sendo queimadas”, diz Luis Oliveira Jr., pesquisador do Mapbiomas e do Imazon.

Ane diferencia o fogo nessas áreas em dois tipos: onde o fogo é usado para “limpar” um pasto ou área desmatada e os incêndios que saem do controle e alcançam a vegetação nativa. Os dois muitas vezes têm origem comum. Para ela, uma possível influência é a greve dos servidores ambientais.

Os brigadistas não fizeram parte da paralisação, segundo o Ibama. Apesar disso, a fiscalização de outros crimes ambientais é afetada. O acordo do governo federal com os servidores ambientais foi assinado em 12 de agosto. A greve havia começado em 24 de junho e tinha como principal reivindicação a reestruturação da carreira, que não foi atendida.

VETOR DE DEGRADAÇÃO.

Junto à extração de madeira, os pesquisadores definem o fogo como um dos principais vetores de degradação da Amazônia. Ao ser atingida, uma área de vegetação nativa fica mais suscetível a novos incêndios e demora muito para se recuperar. “O primeiro fogo geralmente é rasteiro, queima folhas, material seco, troncos. Se vem outro no ano seguinte, será mais intenso porque a vegetação está ainda mais seca”, diz Ane.

A degradação tem sido acelerada pelo aumento das áreas queimadas, segundo Luis Oliveira, e traz consequências desastrosas. “Isso tem riscos enormes para a biodiversidade, a questão hídrica e os povos tradicionais da Amazônia, que sobrevivem dos produtos florestais, de caça e pesca.”

Em nota, o governo federal informou atuar na Amazônia com 1.489 brigadistas do Ibama e ICMBio, órgão responsável por cuidar das unidades de conservação federal. Também diz que 173 incêndios foram registrados no Norte desde 24 de julho – 98 foram extintos ou estão controlados. •

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2024-08-22T07:00:00.0000000Z

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