O maior e mais antigo ser vivo
Pando tem 6 mil toneladas, ocupa hoje uma área de 43 hectares e tem ao menos 16 mil anos
Fernando Reinach fernando@reinach.com É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, ESCORREGADOR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS
Omaior e o mais antigo ser vivo do planeta se chama Pando e vive em Utah, nos Estados Unidos. Ele nasceu faz 80 mil anos, quando nossos ancestrais ainda não tinham descoberto a agricultura e vagavam pelas planícies, vivendo do que conseguiam coletar e caçar. Pando é também o mais pesado ser vivo com suas 6 mil toneladas e ocupa hoje uma área de 43 hectares (cada hectare tem 10 mil metros quadrados, o tamanho de um quarteirão). Pando é uma árvore da espécie Populus tremuloides. Ela não possui um tronco único, mas tem 47 mil troncos conectados a um único sistema de raízes.
Essa espécie de árvore, ao contrário da maioria das plantas e animais, não é capaz de se reproduzir sexualmente. Ou seja, não produz sementes. Se você plantar uma muda no seu quintal, ela vai gerar uma árvore de 20-30 metros de altura que pode viver até 130 anos.
Mas muito antes disso a raiz da árvore original vai gerar um broto que vai sair da terra ao lado do tronco original. E esse broto vai virar um novo tronco da mesma árvore.
Ao contrário da maioria das plantas, onde os brotos surgem na copa, esses brotos surgem debaixo da terra. E pelo fato desses dois troncos terem se originado da mesma raiz e, portanto, terem os mesmos genes, pertencem ao mesmo indivíduo, da mesma forma que diferentes galhos fazem parte da mesma árvore. É como se a ramificação, ao invés de ocorrer acima da superfície do solo, ocorresse embaixo da superfície, uma enorme raiz de onde saem milhares de galhos.
No caso do Pando, que em latim significa “eu me espalho”, hoje são 47 mil troncos, um do lado do outro, cobrindo uma área de 43 hectares, todos eles originários de uma única raiz. Visto da superfície ou de um avião, Pando parece uma floresta composta por um único tipo de árvore.
A razão pela qual Pando não produz sementes é que a planta é triploide, tendo três cópias de cada cromossomo. Para se reproduzir sexualmente é necessário possuir um número par de cópias. A maioria dos seres vivos tem duas cópias. Com duas cópias, durante a divisão meiótica, somente uma cópia vai para a célula reprodutiva. Depois, quando um espermatozoide ou o equivalente numa planta se une ao óvulo, as duas cópias são restauradas, gerando um novo indivíduo (embrião ou semente), contendo uma mistura dos genes dos dois progenitores. Com três cópias, isso é impossível e a única solução é o organismo se reproduzir de modo assexuado, como ocorre com essa espécie de árvore.
Por esse motivo, em princípio todos os troncos de Pando deveriam ter exatamente o mesmo genoma. Mas o que ocorre é que, ao longo dos séculos, apesar de não haver misturas de genes como acontece durante uma reprodução sexuada, algumas células do indivíduo sofrem mutações ocasionais – e se um novo galho surge de uma dessas células que foram mutadas ele vai possuir essa nova mutação.
O que os cientistas fizeram agora foi coletar 500 amostras de folhas e raízes de diferentes partes de Pando, algumas de troncos próximos, outras de troncos, raízes e folhas muito distantes (é como coletar amostras do pé, da boca e de um dedo de uma única pessoa). A análise do genoma dessas amostras confirmou que Pando é um único indivíduo, mas que diferentes partes acumularam mutações.
Com base na frequência dessas mutações, foi possível calcular de forma direta a idade de Pando e a conclusão confirma as suspeitas. Pando, esse enorme exemplar da árvore Populus tremuloides, está vivendo de forma ininterrupta nessa parte de Utah faz no mínimo 16 mil anos e no máximo 80 mil anos. Ela é realmente o maior e mais antigo ser vivo que existe no planeta. Será uma tristeza se Pando vier a morrer por causa das mudanças climáticas. •
MAIS INFORMAÇÕES:
MOSAIC OF SOMATIC MUTATIONS IN EARTH’S OLDEST LIVING ORGANISM, PANDO. HTTPS://DOI.ORG/10.1101/2024.10.19.619233
METRÓPOLE
pt-br
2024-11-16T08:00:00.0000000Z
2024-11-16T08:00:00.0000000Z
https://digital.estadao.com.br/article/281797109529661
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