MPE detalha lavagem de dinheiro do PCC e apresenta denúncia
Ministério Público acusa 7 réus, um deles apontado como operador financeiro da facção, na primeira consequência da delação de empresário executado em Guarulhos
MARCELO GODOY
Delação de empresário morto em Guarulhos mostra lavagem de R$ 11,5 milhões com imóveis no litoral.
O Ministério Público Estadual (MPE) apresentou denúncia com informações da delação premiada do empresário Antônio Vinicius Lopes Gritzbach, executado em 8 de novembro com tiros de fuzil em Guarulhos, na Grande São Paulo. No texto, ao qual o Estadão teve acesso, há detalhes da colaboração de Gritzbach, que cinco meses antes tinha entregado aos promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) documentos, mensagens e gravações sobre o esquema de lavagem de dinheiro do tráfico de drogas com a compra de imóveis na Riviera de São Lourenço, condomínio de alto padrão no litoral norte paulista. Este movimento do MP, chamado aditamento de denúncia, complementa e amplia a acusação anterior.
O material ainda coloca luz sobre o acusado de ser um dos principais operadores financeiros do Primeiro Comando da Capital (PCC): Ademir Pereira de Andrade – a defesa dele não foi localizada pela reportagem.
O nome de Andrade aparece ao lado de seis réus no processo que corre na 1.ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital. Dois são
Réus estariam envolvidos na venda de duas casas a Django; traficante foi assassinado tempos depois
parentes de Gritzbach, usados como laranjas, além dos empresários Francisco José Schmidt Correa e Claudemir Bonfim e do corretor Manoel Leopoldino Neto.
Os sete estariam supostamente envolvidos na venda de duas casas ao traficante Cláudio Marcos de Almeida, o Django, que adquiria imóveis na Riviera para parentes e amantes. Só em duas operações teriam sido lavados R$ 11,5 milhões. Os réus negam as acusações. Já Gritzbach confessou que atuava para lavar dinheiro do tráfico na compra de imóveis.
Segundo a delação de Gritzbach e a denúncia apresentada pelo Gaeco, Ademir Andrade, Leopoldino Neto e Gritzbach foram em 6 de outubro de 2021 a um tabelião de notas na Avenida São Luís, no centro, e usaram o nome do Douglas da Silva Relva, tio do delator, para registrar uma casa na Alameda Brava, na Riviera de São Lourenço. Pagaram R$ 2,5 milhões. O verdadeiro comprador, porém, não estava lá. Era Django.
Meses antes, outro parente de Gritzbach – o primo Douglas Lopes Relva – havia sido usado como laranja na compra de uma casa na mesma Rua Brava. Era um negócio de R$ 2,2 milhões. Daquela vez, os mesmos personagens compareceram em outro tabelião de notas, na Vila Regente Feijó, na região do Tatuapé, zona leste, onde a operação foi registrada.
Mais uma vez se tratava de lavar dinheiro de Django, que seria assassinado em janeiro de 2022. Django foi réu no primeiro megaprocesso sobre a facção, aberto em 2013, por iniciativa do Gaeco. Ele era sócio do traficante Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta – assassinado em dezembro de 2021, no Tatuapé – e responsável por fornecer fuzis ao PCC.
GERENTES DO TRÁFICO. Os dois, em parceria com Silvio Luiz Ferreira, o Cebola, gerenciavam o tráfico para a facção. Tinham como base de atuação a Cooperativa de Transportes Autônomos, na zona leste, conhecida como Aliança Paulista – a cooperativa seria a origem da UPBus, hoje sob intervenção da Prefeitura. Foi ali que Cebola foi preso com 654 quilos de maconha, em 2012 – atualmente, ele está foragido.
De acordo com os promotores, Gritzbach usou laranjas para registrar imóveis dos três – o que Cebola nega. Foi nos dois imóveis de Django na Riviera que apareceu o nome de Ademir. O imóvel de Schmidt Correa teria sido posto à venda por R$ 3 milhões. O traficante ofereceu, por meio de um corretor, proposta de R$ 2,5 milhões, sendo R$ 1,5 milhão à vista e R$ 1 milhão em dez parcelas.
Conforme o Gaeco, Leopoldino, o corretor de imóveis, pediu ajuda de Gritzbach para a negociação. Ainda segundo o delator, o empresário sabia que o verdadeiro comprador era Django. Schmidt Correa teria combinado com o futuro delator que a escritura iria registrar a venda por R$ 2,5 milhões, mas o imóvel seria negociado por R$ 5,5 milhões ou R$ 6 milhões, conforme mensagens trocadas pelos dois e entregues por Gritzbach aos promotores.
A primeira parcela – de R$ 1,5 milhão – foi levada pelo primo de Gritzbach, de helicóptero, até a casa do empresário, em Rio Claro, no interior. As outras dez parcelas previstas na escritura foram pagas por Gritzbach ao empresário por intermédio de empresas dele e por meio de Ademir Andrade.
Ademir costumava se dirigir a Gritzbach como “patrão”. O nome de Ademir havia ficado de fora das investigações da Operação Fim da Linha, sobre a captura de contratos de ônibus pelo PCC, mas constava no inquérito sobre a morte de Rafael Maeda, o Japa do PCC.
O imóvel comprado por Django na Riviera foi alvo de busca e apreensão e lá foi encontrado um compartimento secreto em um guarda-roupa. Segundo o Gaeco, o local dá acesso direto ao telhado do imóvel, o que possibilitaria uma eventual fuga, além de servir para armazenagem de drogas, armas e dinheiro.
No outro imóvel comprado na Riviera, o vendedor foi o empresário Claudemir Bonfim. Ele e Gritzbach teriam se conhecido em uma empresa de gestão e negócios imobiliários no Jardim Anália Franco. Segundo os promotores, o valor na escritura de venda foi de R$ 2,2 milhões, enquanto a transação saiu por R$ 5,5 milhões.
Mais uma vez, quem se encarregou de repassar o dinheiro de Django foi Ademir. A propriedade foi transferida para o primo do delator, Douglas Relva. No imóvel, os promotores encontraram um recibo de compra de remédio em nome da mãe de Django, o que para eles ajuda a demonstrar quem era o verdadeiro proprietário.
Imóveis ficavam em nome de parentes do delator e tinham valor menor na escritura de venda
Em seus depoimentos à polícia, os empresários apresentaram datas para os negócios diferentes daquelas usadas pelo Gaeco na denúncia.
O QUE DIZEM OS ACUSADOS. A defesa de Ademir de Andrade não foi localizada. A reportagem não conseguiu contato com o advogado Jeferson Carlos Britto de Alcântara, que defende o tio e o primo do delator. Nos autos, a defesa pediu acesso às gravações dos depoimentos da delação de Gritzbach para poder se manifestar.
Também não conseguiu localizar os empresários Correa e Bonfim, bem como suas defesas, assim como a do corretor de imóveis Leopoldino Neto.
No inquérito que investigou o caso, Bonfim havia dito que construiu a casa e a pôs à venda em 2017. Disse ter sido procurado por Douglas Lopes Relva, o primo de Gritzbach. Afirmou ainda só que foi conhecer o delator quando fechou a venda. Depois, afirmou ter visto Django saindo de seu antigo imóvel, na Riviera, mas disse desconhecer que ele fosse do PCC.
Já Schmidt Correa afirmou ao depor que recebeu a proposta de R$ 3 milhões pelo imóvel por meio do corretor Leopoldino. Ele disse que a proposta era de uma pessoa chamada Cláudio. “Apesar de não saber quem era Cláudio, soube que ele era proprietário de mais três casas na Riviera”, afirmou. Schmidt Correa disse ainda que só soube que Django era do PCC quando leu a notícia sobre a morte.
Já Leopoldino confirmou ter sido procurado por Django, mas que só soube que se tratava de um traficante quando ele morreu. O corretor recebeu R$ 100 mil de comissão pela venda. Em nenhum momento, os acusados admitiram ter recebido qualquer quantia além das registradas nas escrituras.
O criminalista Anderson Minichillo, que defende Cebola, afirmou que “não houve nenhuma negociação” com o imóvel que Gritzbach disse ter sido vendido ao traficante. •
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