O Estado de S. Paulo

Concessionária italiana reduziu investimentos e funcionários em 2023

LUIZ GUILHERME GERBELLI COLABOROU DENISE LUNA

De origem italiana, a Enel enfrenta o blecaute em São Paulo justamente no momento em que apostava em uma estratégia de anunciar investimentos bilionários para melhorar a sua imagem no País após o apagão de novembro de 2023. A crise levou até à troca do presidente da companhia no Brasil.

Na crise de agora, todos os lados políticos se levantaram contra a companhia. A principal queixa é porque a Enel reduziu o quadro de funcionários e cortou investimentos. No terceiro trimestre de 2023, a Enel São Paulo tinha 15.366 empregados, sendo 11.503 terceirizados e 3.863 próprios. O número representou uma queda em relação ao mesmo período do ano anterior, quando eram 17.475 (13.034 terceirizados e 4.441 próprios). No seu balanço de 2023, a empresa reportou 15.721 trabalhadores. Em 2020, eram quase 27 mil.

Em nota, a Enel afirmou que “não reduziu a força de trabalho que atua em campo e tem aumentado o seu quadro de eletricistas próprios”. “A redução no quadro pessoal no período não trouxe impactos às atividades operacionais da distribuidora.”

Especialistas dizem que a redução de custos vem de uma tendência global da empresa, num movimento que buscou remunerar melhor os acionistas.

ESTATAL. Fundada em 1962, a Enel nasceu como uma estatal com o objetivo de unificar os serviços de geração, transmissão e distribuição de eletricidade da Itália. A empresa está presente em 29 países e o governo italiano tinha 23,6% de participação na holding até o fim do ano passado. Ela foi a Eletrobras da Itália. E, no processo de liberalização, foi perdendo a participação do Estado no controle acionário dela”, afirma Nivalde de Castro, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Esse processo de redução do papel do Estado se confirmou. Em 2023, a maior parte do capital da Enel estava distribuída entre os investidores institucionais (58,6%); os de varejo possuíam 17,6%. “E acionista do mercado financeiro quer dividendo. Essa política acabou batendo no Brasil”, explica Castro. “Mas isso foi até o ano passado. Quando assumiu, o novo governo decidiu apitar mais no controle dessa empresa.”

Em 2022, a Itália viu chegar ao poder a primeira-ministra Giorgia Meloni, líder ultradireitista. “E aí mudou essa estratégia de dividendo trimestral para o investimento de longo prazo”, diz Castro.

No Brasil, a Enel São Paulo também reduziu os investimentos. Em 2023, eles somaram R$ 1,6 bilhão e recuaram 16,1% na comparação com 2022. Neste ano, porém, os números mostram uma melhora – até agora. No segundo trimestre, os investimentos em concessão somaram R$ 542,5 milhões, um crescimento de 34,2% na comparação com o mesmo período do ano anterior. No semestre, alcançaram R$ 915,146 milhões, uma alta de 5% em relação a 2023.

Antes do apagão da última sexta-feira, a empresa havia apresentado um plano de investimento e o reforço das ações para enfrentar as contingências no verão na área de concessão do Estado. O investimento prometido pela companhia é de cerca de R$ 6,2 bilhões

até 2026 em São Paulo, um aumento de 43% em relação à média anual dos últimos seis anos, para intensificar manutenções preventivas e modernizar a rede elétrica.

A empresa também informou que vai contratar 1,2 mil trabalhadores e se comprometeu a dobrar o número de podas preventivas, para 600 mil por ano. A Enel anunciou ainda investimentos bilionários no Rio de Janeiro e no Ceará. Ao todo, devem somar R$ 20 bilhões. Mas, antes que esses investimentos fossem, de fato, realizados, a empresa se viu diante de mais uma crise.

LEILÃO. Em São Paulo, a Enel passou a atuar na distribuição de energia elétrica ao adquirir 73,38% das ações da Eletropaulo em leilão realizado na B3 em junho de 2018. A empresa pagou R$ 5,55 bilhões. No Brasil, a companhia também opera na distribuição no Ceará e no Rio e está presente em outros Estados em geração e comercialização de energia. Em São Paulo, a empresa é responsável pela distribuição de energia em 24 municípios, para 8 milhões de unidades.

Todas as ações estão em posse da Enel Brasil, cujo controle é da Enel Américas, com 99,54% do capital. Por sua vez, a Enel Américas tem 82,3% das suas ações em posse da própria Enel, 8,9% com investidores institucionais, 8% com fundos de pensão chileno. Há ainda uma parte residual com outros acionistas. •

“Ela foi a Eletrobras da Itália. E, no processo de liberalização, foi perdendo a participação do Estado no controle acionário dela. E acionista do mercado financeiro quer dividendo. Essa política acabou batendo no Brasil” Nivalde de Castro

Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

METRÓPOLE

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2024-10-14T07:00:00.0000000Z

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