Segredo uruguaio contra a polarização
Oliver Stuenkel
No dia 24, eleitores uruguaios escolherão, no segundo turno, seu próximo presidente. O cenário no Uruguai se destaca em meio a uma tendência mundial de polarização crescente e cada vez mais destrutiva. Ao contrário do que se observa em numerosos países, os dois candidatos não adotam discursos radicais, não representam ameaça às instituições democráticas e não veem o adversário como inimigo, mas como oponente legítimo dentro de uma das democracias mais sólidas do mundo – que costuma, nos rankings, aparecer à frente de países como Reino Unido, França e muito adiante dos EUA.
Enquanto a vitória do “outro lado” é vista, por milhões de eleitores em países como EUA, Índia, Brasil e Argentina, como uma catástrofe, os uruguaios não terão dificuldades para aceitar o resultado das urnas. Atitudes como contestar resultado, incitar violência contra opositores ou brigar com parentes e amigos por visões políticas distintas são raras no país. O Uruguai apresenta baixos níveis de polarização tanto na dimensão ideológica – caso de grupos (líderes ou eleitores) se movendo para posições extremas – quanto na dimensão emocional – sentimentos negativos em relação a grupos opositores.
Apesar de não haver consenso entre especialistas sobre as causas da polarização, o crescimento das redes sociais – que leva as pessoas a viverem em “bolhas ideológicas” –, a crise de confiança nas instituições democráticas e uma crescente hostilidade à elite política, bem como líderes que buscam fomentar a polarização para vencer eleições, podem explicar o fenômeno. Outros apontam para a instabilidade econômica, apesar de haver numerosos casos de países que se polarizaram em cenários econômicos estáveis ou até positivos. Outra hipótese é de que eleitores inseguros, frustrados e em busca de algum tipo de pertencimento são mais vulneráveis à retórica “nós contra eles”.
RECEITA. Uma das hipóteses que se ouve frequentemente para explicar por que o Uruguai “deu certo” é a menos plausível: de que, supostamente, a estabilidade política uruguaia se deve à homogeneidade da sociedade e sua população pequena, de apenas 3,4 milhões.
Uruguaios oferecem série de lições sobre como não cair na tentação do ‘nós contra eles’
Afinal, países podem ser pequenos e polarizados (como Honduras), homogêneos e polarizados (como Hungria) ou heterogêneos sem muita polarização (como Cingapura). Além disso, vale notar que o tom civilizado que domina a política uruguaia hoje não caiu do céu. Foi arduamente construído depois da redemocratização na década de 80 – e requer cuidados constantes para ser preservado. Por exemplo, é comum ver políticos, adversários ideológicos, cultivarem publicamente a amizade um do outro e comparecerem na posse de seus rivais, servindo como exemplo para a sociedade.
Outra hipótese aponta para a distribuição de renda e o funcionamento das instituições. Como o Banco Mundial avalia: “O Uruguai se destaca na América Latina por ser uma sociedade igualitária, com (..) baixos níveis de desigualdade”. Salienta ainda que “sua classe média é a maior da América Latina, representando mais de 60% da população”. Brian Winter, jornalista que viajou ao Uruguai em busca de lições que o país possa oferecer aos outros, cita o sistema público de saúde, e seguro-desemprego e recursos para o cuidado de crianças e idosos. Outro fator podem ser os baixos níveis de corrupção, que explicam os índices mais elevados de confiança nas instituições públicas.
Winter também relata a forma ativa com a qual muitos uruguaios fazem parte da sociedade civil – clubes, partidos políticos, movimentos sociais – assim fortalecendo a coesão e confiança social. Quando morei, há 20 anos, em Montevidéu, um grupo de vizinhos me convenceu a frequentar uma pelada semanal, apesar de eu alertá-los de que carecia de habilidades básicas de futebol. Logo no primeiro encontro, perceberam que eu não tinha exagerado. Mas, no espírito de inclusão, virei goleiro suplente, e sempre fizeram questão de me colocar em campo no fim dos jogos, quando a partida já estava decidida.
A principal lição que o Uruguai oferece, portanto, talvez seja a de que superar a polarização não requer apenas uma elite política moderada capaz de liderar pelo exemplo, mas também instituições e políticas públicas que reduzam a demanda popular por líderes polarizadores. •
O ESTADO DE S. PAULO
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2024-11-18T08:00:00.0000000Z
2024-11-18T08:00:00.0000000Z
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