O Estado de S. Paulo

Congresso quer retomar verbas do orçamento secreto

Ação é capitaneada por cúpula do Legislativo e propostas visam recuperar emendas não executadas, que estão na mira do STF

DANIEL WETERMAN BRASÍLIA

Cúpula do Legislativo articula aprovação de projetos de lei para reaver verbas de emendas questionadas pelo STF.

A cúpula do Congresso deflagrou uma operação para recuperar verbas do orçamento secreto e outras emendas parlamentares que não foram pagas nos últimos anos e que estão sendo questionadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A articulação é feita pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União BrasilAP), e pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e envolve a aprovação de projetos de lei com potencial de causar impacto na destinação de R$ 30 bilhões em recursos de interesse dos parlamentares.

OS senadores escalados para apresentar os projetos defendem as medidas como forma de retomar obras paralisadas e dizem que a liberação dos recursos não elimina a necessidade de transparência. Alcolumbre e Motta não se manifestaram.

Retaliação Parlamentares ameaçam não votar o Orçamento de 2025 até a liberação do dinheiro

Um dos projetos foi apresentado pelo líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), e “ressuscita” recursos desde 2019 que não foram pagos, incluindo R$ 2 bilhões do orçamento secreto – revelado pelo Estadão – durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que foram cancelados pelo governo Lula em dezembro de 2024. A proposta permite que a verba seja usada até o fim de 2026.

A pauta seria discutida por líderes do Senado ontem. Ainda não há decisão sobre quando pautar os projetos. Parlamentares defendem a recuperação das emendas para destravar obras paradas e socorrer empreiteiras que abandonaram os trabalhos após os repasses serem suspensos.

Os recursos foram inscritos nos chamados “restos a pagar”, que é quando o governo não faz o pagamento no ano previsto e transfere o repasse para o ano seguinte. Isso aconteceu com uma série de verbas do orçamento secreto, ou porque as obras não andaram ou porque houve denúncia de irregularidades.

Quando a obra não anda, o dinheiro é cancelado ou fica parado nos cofres públicos, sem autorização para ser liberado. O que os projetos fazem é destravar a liberação e permitir a continuidade dos projetos, prorrogando a vigência dos recursos no Orçamento, inclusive aqueles que foram cancelados.

‘CEMITÉRIO DE OBRAS’. “Esse projeto foi apresentado a partir de uma realidade que foi dialogada com o Congresso Nacional e com os presidentes das duas Casas, e de um diagnóstico que foi concretamente feito de despesas que não foram executadas no período anterior”, disse o líder do governo por meio da assessoria. “A realidade é que temos um cemitério de obras paradas pelo Brasil simplesmente porque no tempo do exercício orçamentário respectivo não foram liberados os recursos necessários para pagamento.”

De todos os recursos cancelados em dezembro, o Amapá, reduto eleitoral de Alcolumbre e Randolfe, foi o Estado mais atingido – com um corte de R$ 254 milhões em emendas secretas – e seria o mais beneficiado com a mudança.

Segundo Randolfe, os pagamentos não deixarão de cumprir as exigências do STF. “Todo o pagamento desse recurso deve cumprir princípios que estão na Constituição, que são rastreabilidade e transparência. Não existe, portanto, nenhum dispositivo no projeto que desrespeite a Constituição.”

ARCABOUÇO. Ao resgatar as emendas, os projetos têm outro efeito colateral: pressionam as contas públicas do governo federal, que precisará dar um tratamento especial para os recursos herdados do passado, que vão competir no mesmo espaço do presente, limitado pelo arcabouço fiscal e pelo equilíbrio entre receitas e despesas.

A articulação se soma à tentativa do Congresso de destravar as emendas suspensas pelo STF. Alcolumbre e Motta vão se reunir com o ministro Flávio Dino, relator dos processos na Corte, no próximo dia 27. Dino chamou a audiência para cobrar o cumprimento das decisões. Os congressistas, por outro lado, querem que o STF afrouxe as determinações que exigiram transpa

“Temos um cemitério de obras paradas pelo Brasil simplesmente porque no tempo do exercício orçamentário respectivo não foram liberados os recursos necessários para pagamento”

Randolfe Rodrigues (PT-AP) Líder do governo no Congresso

“A partir do momento que você redirecionar esses recursos que estão parados, tem que fazer um plano de trabalho e prestar contas, como determina o Supremo”

Vanderlan Cardoso (PSD-GO) Senador

rência sobre os recursos de anos anteriores, prometendo cumpri-las daqui para frente.

A discussão é decisiva para o governo Lula. Os parlamentares ameaçam não votar Orçamento de 2025, que ainda está parado no Congresso, até a liberação do dinheiro.

Dino suspendeu o pagamento de emendas em agosto do ano passado, apontando falta de transparência e desrespeito às regras fiscais. Em dezembro, o Supremo liberou os repasses, mas sob novas condições, com as quais os parlamentares não concordam.

No caso do orçamento secreto e das emendas de comissão, que herdaram parte do mecanismo, o dinheiro só pode sair se o nome do parlamentar beneficiado estiver identificado e transparente, conforme determinação da Corte.

LRF. Outro projeto articulado no Senado é do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), aliado de Bolsonaro. O texto é ainda mais amplo que o de Randolfe e muda a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), permitindo a liberação de recursos de anos anteriores e autorizando a troca da empresa contratada e do município beneficiado, medida questionada por especialistas em contas públicas.

O Congresso tentou aprovar proposta semelhante anteriormente, mas sofreu veto do presidente Lula por contrariar a Constituição. Conforme parlamentares que acompanham as negociações, essa proposta também é prioridade, mas ficará para um segundo momento, pois promove mudanças permanentes na legislação.

Ao Estadão, Vanderlan afirmou que apoia as decisões do STF sobre as emendas e que é possível unir a liberação dos recursos com a transparência. “Tudo vira restos a pagar porque às vezes falta projeto, o município não apresenta”, disse. “A partir do momento que você redirecionar esses recursos que estão parados, tem que fazer um plano de trabalho e prestar contas, como determina o Supremo.” •

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2025-02-19T08:00:00.0000000Z

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