O Estado de S. Paulo

Efeito Trump e crises pressionam líderes de esquerda na América Latina

Dificuldade em responder a desafios domésticos ganha pressão extra com posse de republicano; cenário abre espaço para direita apoiada por novo governo em Washington

JÉSSICA PETROVNA

Casa Branca sob comando do republicano eleva pressão sobre governos de esquerda, às voltas com crises domésticas.

A América Latina até deu sinais de que poderia surfar uma nova “onda rosa”, mas o que as urnas indicaram, eleição após eleição, foi o descontentamento com os governos, não virada ideológica. No poder, líderes de esquerda se deparam com múltiplas crises – violência, imigração, disputas políticas fratricidas e desempenho econômico vacilante – e têm tido dificuldade para responder a elas. O desafio se acentua com a ascensão da direita radical nos EUA, liderada por Donald Trump.

No México, Claudia Sheinbaum surfa na popularidade dos programas sociais, mas enfrenta a guerra entre os cartéis. Em Honduras, Xiomara Castro se vê no meio de um escândalo de corrupção. Na Colômbia, o plano de “paz total” de Gustavo Petro é ameaçado pela escalada da violência. No Brasil, Lula está às turras com o mercado. No Chile, os anseios por mudança foram frustrados, sem consenso para a nova Constituição, e Gabriel Boric amarga a popularidade em baixa.

“A distribuição de recursos que sustenta a legitimidade da esquerda se torna menos viável quando são escassos”, observa o analista boliviano Roberto Laserna, pesquisador do Centro de Estudos da Realidade Econômica e Social (Ceres). “Há pouco espaço no repertório da esquerda para o investimento privado e a criação de riqueza com mercados integrados”, acrescenta, destacando que essas alternativas devem ganhar força com os sucessos do presidente argentino, Javier Milei, e o retorno de Trump.

Ainda que a América Latina ganhe mais atenção com o republicano na Casa Branca, a atitude em relação à região tende a ser negativa, uma vez que ele a vê como fonte de problemas, da imigração ao tráfico de drogas.

O cenário é um complicador não apenas para os países de esquerda. No Panamá, o governo do presidente conservador José Raúl Mulino tem sido pressionado a entregar o controle sobre o Canal do Panamá aos EUA ( mais informações nesta página).

Mas os líderes da direita, especialmente Milei, esperam que a proximidade com Trump possa poupá-los de sua agenda de pressão máxima. A

Indiretamente Para analista, governo Trump pode fortalecer clima político favorável à direita na região

escolha de Marco Rubio para secretário de Estado, o primeiro hispânico no cargo, foi vista como uma chance de estreitar laços com Washington. Rubio iniciou no fim de semana, no Panamá, sua primeira viagem oficial, algo incomum entre seus antecessores, que geralmente escolhem Europa ou Ásia para a visita inaugural.

COALIZÃO. Rubio defende uma presença americana maior na região para conter a influência da China e fez acenos a Milei. O argentino, o primeiro líder internacional recebido por Trump após a eleição, teria papel importante nos planos de Rubio para criar uma espécie de coalizão conservadora na região.

Em audiência no Senado que confirmou sua nomeação, Rubio citou três países – todos com governos de direita – que

na sua visão estão dispostos a cooperar com os EUA: Equador, República Dominicana e Argentina. E defendeu o estreitamento de laços.

Em outros países da região, ainda que Trump não atue diretamente para apoiar os políticos conservadores, “seu governo pode fortalecer o clima político favorável à direita”, afirma Will Freeman, do núcleo de estudos da América Latina no centro de estudos Council on Foreign Relations (CFR).

Para os analistas, os líderes de esquerda precisam agora saber como lidar com o republicano enquanto enfrentam seus desafios domésticos.

O analista político mexicano Francisco Jimenez vê a esquerda latino-americana “convulsionada”, depois que a maré rosa dos anos 2000 perdeu força. “Isso faz com que os EUA explorem as fragilidades desses países”, disse.

No México, por exemplo, alvo da imposição de tarifas de 25% sobre seus produtos em uma economia dependente do mercado americano, o país pode se ver agora forçado a receber imigrantes impedidos de entrar nos EUA. “Trump vai tentar conter a imigração ao máximo. Isso pode desencadear mais violência e insegurança porque o México não está preparado”, diz Francisco Jimenez. A violência é citada nas pesquisas de opinião como a maior preocupação entre os mexicanos.

PAZ AMEAÇADA. Na Colômbia, o presidente Gustavo Petro partiu para o embate direto com Trump. Subiu o tom e recusou-se a receber voos com imigrantes deportados, mas acabou cedendo depois que o republicano ameaçou impor tarifas de 25% também ao país.

Internamente, Petro enfrenta o conflito entre rebeldes do Exército de Libertação Nacional (ELN) e dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em Catatumbo, na fronteira com a Venezuela. Diante da escalada da violência, Petro declarou emergência, mobilizou tropas e suspendeu as negociações com o ELN.

O ex-guerrilheiro chegou à presidência com a promessa de alcançar “paz total” em acordos simultâneos com os grupos armados. Dois anos depois, o conflito está deflagrado. As crises simultâneas deram combustível para a oposição, fortalecida com o desembarque de partidos que fizeram parte da base governista. Para os críticos, Petro teria sido leniente com os grupos armados, que se fortaleceram.

Para Freeman, não há evidências de que os governos de direita são mais eficientes no combate ao crime. Mas essa não é necessariamente a percepção dos eleitores. •

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