O Estado de S. Paulo

CPI da Covid torna Queiroga e mais 13 investigados

Comissão parlamentar põe 14 testemunhas no alvo da investigação; a maior parte dos nomes é ligada a Bolsonaro; figuram na lista ainda Pazuello e Ernesto Araújo

Daniel Weterman Amanda Pupo/

O ministro Marcelo Queiroga (Saúde), o general Eduardo Pazuello, o ex-chanceler Ernesto Araújo e mais 11 pessoas passaram de testemunhas a investigados pela CPI da Covid, no Senado. A investigação representa derrota para o governo e revela estratégia de responsabilizar Jair Bolsonaro pelo descontrole da pandemia.

Em nova etapa após quase dois meses de funcionamento, a CPI da Covid transformou 14 testemunhas em investigados, sendo a maioria dos nomes ligada ao presidente Jair Bolsonaro. Anunciada ontem pelo relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDBAL), a lista inclui o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga; o general Eduardo Pazuello, ex-titular da pasta e o ex-chanceler Ernesto Araújo, além de integrantes do chamado “gabinete paralelo”, núcleo de assessoramento do presidente na condução da pandemia.

A investigação representa uma derrota para o governo na CPI e expõe a estratégia para responsabilizar Bolsonaro pelo descontrole da pandemia do novo coronavírus, que está prestes a atingir a marca de 500 mil mortes. Renan afirmou que avalia incluir o próprio presidente como investigado. Para integrantes da CPI, a crise sanitária no Brasil se agravou porque Bolsonaro incentivou o tratamento com medicamentos sem eficácia comprovada, como a cloroquina, apostou na imunidade de rebanho e promoveu aglomerações (mais informações na pág A12).

“Nós estamos numa situação difícil porque tem um louco na Presidência da República, que todo dia atenta contra os brasileiros”, disse Renan. “Se pudermos investigar, se a competência nos permitir, vamos investigar, sim. Não podendo, a CPI vai ter de responsabilizá-lo porque diante de provas não há como não responsabilizar. Seria um não cumprimento do nosso papel”.

Na prática, quando alguém passa da condição de testemunha para investigado significa que a CPI já levantou indícios e provas que podem responsabilizar sua atuação na pandemia. Ao mesmo tempo, em novo depoimento, o investigado pode ficar em silêncio para evitar produzir provas contra si mesmo.

Boicote. Renan abandonou a sessão da CPI e anunciou fora da sala a lista com os 14 nomes investigados. Em um gesto de protesto ao depoimento de médicos que defendem o tratamento precoce contra covid-19, o relator e outros senadores do G-7, grupo que inclui parlamentares de oposição e independentes, decidiram se retirar.

Enquanto governistas ouviam o infectologista Ricardo Zimerman, um dos apontados como integrante do “gabinete paralelo”, Renan falava com os repórteres. Apesar de esvaziada com o boicote da oposição, a CPI também ouviu ontem o médico Francisco Cardoso Alves, outro defensor de cloroquina.

“Eu não tenho o que perguntar”, disse Renan, ao sair da sala. “Não tem o que não lhe interessa”, devolveu o senador Luiz Carlos Heinze (Progressistasrs), aliado de Bolsonaro.

O relator justificou a inclusão de Queiroga na lista de investigados sob o argumento de que o ministro “mentiu muito” ao depor. “Ele teve participação pífia e ridícula na CPI”, resumiu. Renan também citou documentos enviados pelo Itamaraty, mostrando que Queiroga tentou “vender o tratamento precoce e a cloroquina” em reunião no dia 3 de abril, por teleconferência, com o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus.

Aos senadores, porém, o titular da Saúde admitiu que os medicamentos não são eficazes contra covid-19. “Ele finge que é ministro, defende o uso de máscara e o presidente diz que ele estará obrigado a fazer um decreto minimizando o uso de máscara”, criticou Renan. De acordo com o senador, Queiroga levou um “puxão de orelha” da OMS ao cobrar agilidade no envio de vacinas ao Brasil após o Ministério da Saúde ter atrasado os pedidos, no ano passado, e optado por comprar imunizantes para 10% da população no consórcio Covax Facility.

O empresário Carlos Wizard e o ex-assessor especial da Presidência Arthur Weintraub também entraram na lista dos investigados da CPI. Os dois são apontados como integrantes do gabinete paralelo, que, segundo a comissão parlamentar de inquérito, aconselhava Bolsonaro a investir primeiro em medicamentos sem eficácia contra covid-19, deixando de lado a compra de vacinas.

Wizard deveria ter comparecido anteontem à CPI, mas faltou, sob a alegação de estar em viagem aos Estados Unidos. A Justiça Federal de Campinas autorizou a apreensão do passaporte do empresário depois que a Polícia Federal fez buscas no seu escritório, mas não o encontrou. O ministro do STF, Luis Roberto Barroso, autorizou a condução coercitiva do empresário.

Ajuda. Ao prestar depoimento, Pazuello disse que Wizard ajudou muito o governo com ações para enfrentar a pandemia. O exministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta confirmou, por sua vez, que Bolsonaro contava com um aconselhamento de fora nessa área. Logo que foi convocado, o empresário pediu para ser ouvido por videoconferência, mas não foi atendido. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), decidiu acionar a Justiça para a condução coercitiva e a apreensão do passaporte de Wizard.

“O que eles estão fazendo, porque têm dinheiro, é uma espécie de turismo de impunidade”, atacou Renan, numa referência ao empresário e a Arthur Weintraub. “Viajam para o exterior para driblar o prazo da CPI. Isso, evidentemente, põe obstáculos no caminho da investigação, mas nós não vamos concordar que essas coisas aconteçam”.

O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-ap), contou que o ex-governador do Rio Wilson Witzel afirmou ter sido ameaçado. Witzel depôs na última quarta-feira. Disse que os hospitais federais do Rio “têm um dono”, mas se comprometeu a revelar nomes somente em sessão secreta.

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2021-06-19T07:00:00.0000000Z

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