O Estado de S. Paulo

Maduro manda criar Estado na Guiana, elege interventor e monta plano de exploração

Ditador venezuelano determina ainda que a sucateada estatal petrolífera PDVSA emita licenças para busca de jazidas na região

JORGE C. CARRASCO

Em decisões anunciadas na noite de ontem, o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, ordenou à estatal PDVSA que distribua licenças para exploração de petróleo na região do Essequibo, correspondente a 70% da Guiana. Ele também mandou a Assembleia Nacional aprovar lei que cria o Estado de Guiana Essequiba, com um alto comissariado para sua defesa. A votação está prevista para hoje. Será montado um posto militar avançado em território venezuelano, perto da fronteira, para supervisionar o novo Estado – embora não tenha sido anunciada nenhuma incursão. Maduro designou o general Alexis Rodríguez Cabello como autoridade única do território de 160 mil quilômetros quadrados.

“A Guiana deve saber que resolveremos isso da maneira mais fácil ou resolveremos...”

Nicolás Maduro

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, mandou ontem a Assembleia Nacional aprovar uma lei para criar o Estado de Guiana Essequiba, nomeou um interventor e ordenou à estatal PDVSA que distribua licenças para exploração de petróleo na região do Essequibo, que corresponde a 70% da Guiana. “A Guiana deve saber que resolveremos isso da maneira mais fácil ou resolveremos...”, disse Maduro, sem concluir a frase.

Além disso, o ditador montará um posto militar avançado na pequena cidade de Tumeremo, dentro do território da Venezuela, perto da fronteira com a Guiana, para supervisionar o novo Estado – embora ele não tenha anunciado nenhuma incursão. Ele designou o general Alexis Rodríguez Cabello como autoridade única do território de 160 mil quilômetros quadrados.

Jorge Rodríguez, presidente da Assembleia Nacional, disse que os deputados se comprometeram a votar hoje, em primeiro turno, o projeto de lei proposto por Maduro, que também criou um alto comissariado para a defesa da Guiana Essequiba, integrado pelo Conselho de Defesa Nacional (Codena), pelo Conselho Federal de Governo, pelo Conselho de Estado e por movimentos políticos e sociais. O organismo será coordenado pela vice-presidente, Delcy Rodríguez.

De todas as medidas anunciadas ontem, a concessão de licenças operacionais para exploração de petróleo, gás e minas talvez seja a que represente o maior desafio ao chavismo, já que é difícil imaginar quem poderia aceitar um empreendimento na região.

CONCORRÊNCIA. Em 2015, a Guiana concedeu o direito de exploração de petróleo no Essequibo à ExxonMobil, dos EUA, que já descobriu mais de 11 bilhões de barris em reservas recuperáveis – quantidade semelhante à da Argélia, que é membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Em outubro, seis petroleiras obtiveram licenças para explorar no litoral guianense.

De acordo com Phil Gunson, analista do Crisis Group, as medidas são um reflexo do plebiscito de domingo. “Trata-se de uma estratégia comum do governo venezuelano”, disse. “Tudo isso é um grande espetáculo interno, porque o que Maduro busca é uma fantasia. Ele não pode fazer concessões no Essequibo, não pode forçar as empresas transnacionais a abandonar suas operações.”

O plebiscito de domingo mostrou a dificuldade de Maduro em mobilizar sua base eleitoral. Segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), a participação foi de 50%, sem dar mais detalhes. No entanto, indícios sugerem que o comparecimento foi, na realidade, muito mais baixo.

Registros de mídias digitais independentes, imagens realizadas por eleitores e boletins nas TVs estatais mostraram colégios eleitorais vazios, ruas silenciosas e pouca mobilização popular. Na última eleição presidencial, em 2018, boicotada pela maior parte da oposição, a participação foi de 46%, quando Maduro se reelegeu em meio a acusações de fraude. Nas legislativas de 2020, na pandemia, foi de 30%.

As primárias da oposição, em outubro, sem apoio do CNE, tiveram 2,3 milhões de votos, pouco mais de 10% do total de eleitores. Para Maduro, porém, era importante mostrar uma mobilização maior. “Há um contraste entre uma cifra que pressupõe muita gente nas ruas e as imagens divulgadas”, disse ao Estadão a analista Eglée González-Lobato.

NACIONALISMO. Com uma retórica nacionalista, Maduro usou o plebiscito para medir a adesão de sua base. Ele vem se mantendo no poder graças a fraude eleitoral, inabilitação de opositores, cassação de mandatos e distribuição de ajuda em troca de votos.

Mas em 2024 o contexto será distinto, já que Maduro comprometeu-se com os EUA a realizar eleições livres em troca do alívio das sanções. Analistas, porém, duvidam do compromisso do ditador, já que María Corina Machado, escolhida pela oposição para desafiá-lo, ainda não teve a candidatura autorizada.

Diante da mobilização da oposição nas prévias, invalidadas pelo regime, Maduro se viu obrigado a responder. Mas, segundo o cientista político Jesús Castellanos Vásquez, falhas na mobilização e no controle social deixaram Maduro em posição desconfortável.

“Ele sabe que pode contar com as instituições estatais, incluindo a Justiça eleitoral e o Judiciário, mas ficou claro que ele perdeu parte de sua base”, afirmou. “O principal objetivo era se reconectar com a base, o que parece complicado em razão do nível de insatisfação. Com isso, ele pode restringir ainda mais a participação da oposição.”

Briga interna Resultado do plebiscito aumenta descontentamento dentro do chavismo com Maduro

DISSIDÊNCIA. Segundo González-Lobato, o resultado do plebiscito aumentará o descontentamento dentro do chavismo com Maduro. Para ela, o plebiscito era um teste da adesão, mas teve um resultado modesto. “Como realizar uma campanha de sucesso representando mais do mesmo?”, questionou.

Para Castellanos, a oposição terá uma tarefa difícil, pois as condições eleitorais podem se tornar ainda mais limitadas com o aumento da repressão, mas a votação também indica que Maduro não é unanimidade dentro do regime. “Esse plebiscito é uma demonstração não apenas do apoio que existe a María Corina, mas também da dissociação do regime com relação a Maduro”, disse. •

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2023-12-06T08:00:00.0000000Z

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